Brasília - A iniciativa do Senado de aprovar o fim da prerrogativa de função para quase todas as autoridades do país reacendeu a esperança de que a ideia, engavetada há anos no Congresso, saia do papel. A inesperada vontade de parlamentares, muitos deles investigados na Operação Lava-Jato, em acabar com o privilégio de serem julgados somente no Supremo Tribunal Federal teria motivo específico: desestimular o STF de seguir com o julgamento, agendado para o fim de maio, que deve restringir o foro privilegiado no país.
Como se trata de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), independentemente da vontade dos parlamentares, o caminho até a promulgação é longo: precisa ser aprovada em segundo turno pelos senadores e na Câmara dos Deputados, que ainda fará uma análise em comissão especial. De acordo com uma liderança no Senado, diante do andamento na tramitação, o que se espera é que o Supremo adie o julgamento para esperar a proposta que sairá do Legislativo.
Para o presidente da Associação Internacional para a Administração da Justiça (Iaca), o ex-desembargador Vladimir Passos de Freitas, este deve ser o exatamente o comportamento da Suprema Corte. “O Supremo não vai assumir uma mudança constitucional como essas. Até hoje se entendeu que o foro é para todos os crimes aí, agora, o STF vai dizer que não? Acho muito difícil. Eles devem cancelar o julgamento, pedir vistas e esperar pra ver como vai reagir o Legislativo”, acredita. “A obrigação de acabar com o foro é do Legislativo. Já existe uma tensão muito grande entre os Poderes e isso poderia agravá-la”, acrescenta.
Entretanto, esse não é o sentimento entre os magistrados.
A presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, também afirmou, após a aprovação no Senado, que o julgamento “em princípio” está mantido. “O fato de haver um projeto em tramitação no Congresso não é motivo para paralisar um julgamento no Supremo”, comentou um magistrado que prefere não se identificar. E, se depender do levantamento do Correio com informações de declarações públicas já mencionadas por integrantes da Corte, a maioria está disposta a alterar a forma como a prerrogativa é aplicada hoje no Brasil.
AÇÃO
Marcado para 31 de maio, o julgamento da Ação Penal 937, relatada pelo ministro Luís Roberto Barroso, analisa o caso do prefeito de Cabo Frio (RJ), Marcos da Rocha Mendes (PMDB-RJ), acusado de compra de votos em troca de R$ 50 e pedaços de carnes nas eleições municipais de 2008. A ação vem, desde então, mudando de instâncias. Em 2015, Marquinhos assumiu mandato como suplente na Câmara e o caso foi remetido ao STF. Um ano depois, deixou o cargo e, cinco meses depois, retornou para substituir o ex-deputado cassado Eduardo Cunha. Eleito em outubro, reassumiu a prefeitura.
“O sistema é feito para não funcionar. Mesmo quem defende a ideia de que o foro por prerrogativa de função não é um mal em si, na sua origem e inspiração, não tem como deixar de reconhecer que, entre nós, ele se tornou uma perversão da Justiça”, afirma Barroso no despacho. No texto, o ministro sugere uma alteração na interpretação da Constituição para que o foro passe a existir somente para crimes cometidos durante o exercício de um mandato e que digam respeito estritamente à função.
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