"Amnésia moral"

Dilma tinha conhecimento do uso de caixa 2 em sua campanha, diz publicitário

Marqueteiro das campanhas da ex-presidente e de Lula revelou em depoimento à Justiça Eleitoral que ela sabia de tudo sobre o esquema de corrupção

Estado de Minas

João Santana e a então presidente Dilma Rousseff durante um dos debates na TV da campanha eleitoral de 2014, quando ela foi reeleita - Foto: Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo- 23/9/14


Brasília -
Os políticos brasileiros, inclusive a ex-presidente Dilma Rousseff, sofrem de "amnésia moral", afirmou o marqueteiro João Santana em depoimento sigiloso à Justiça Eleitoral.

Responsável pelas campanhas do PT à Presidência da República em 2006, 2010 e 2014, o publicitário afirmou ainda que Dilma “infelizmente” sabia do uso de caixa 2 em sua campanha e se sentia “chantageada” pelo empreiteiro Marcelo Odebrecht.

De acordo com Santana, a petista teria sido uma “rainha da Inglaterra” em se tratando das finanças de sua campanha, não sabendo de todos os detalhes dos pagamentos efetuados, revelou Santana, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.

No entanto, indagado se a presidente cassada tinha conhecimento de que parte das despesas era dinheiro não contabilizado, o marqueteiro foi categórico: “Infelizmente, sabia. Infelizmente porque, ao me dar confiança de tratar esse assunto, isso reforçou uma espécie de amnésia moral, que envolve todos os políticos brasileiros. Isso aumentou um sentimento de impunidade”.

O depoimento de Santana foi prestado ao Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), na última segunda-feira.

Na ocasião, o ex-marqueteiro de Dilma lembrou o papel do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), como “porta-voz” de recados de Marcelo Odebrecht.
“Dilma se achava chantageada pelo Marcelo”, afirmou Santana à Justiça Eleitoral. De acordo com o relato do publicitário, o objetivo da chantagem seria intimidar a então presidente a ponto de fazê-la impedir o avanço das investigações da Lava-Jato. Dilma nunca gostou do “Menino”, apelido que usava para se referir a Marcelo Odebrecht, disse o ex-marqueteiro do PT.

Conforme depoimento do ex-diretor de Crédito à Exportação da Odebrecht Engenharia e Construção João Nogueira à Procuradoria-Geral da República (PGR), o ex-presidente da Odebrecht enviou, por meio de Pimentel, documentos que demonstravam o uso de caixa 2 na campanha da petista.

O objetivo era demonstrar que Dilma não estava blindada na crise de corrupção que se instalou no seu governo. Dilma também teria sido avisada reiteradas vezes de que a sua situação poderia se complicar se ela não barrasse um acordo internacional entre autoridades do Ministério Público do Brasil e da Suíça, já que a conta da sua campanha estaria “contaminada”.

João Santana foi uma das últimas testemunhas ouvidas no âmbito da ação que apura se a chapa encabeçada por Dilma, de quem Michel Temer foi vice, cometeu abuso de poder político e econômico para se reeleger em 2014. O julgamento do processo deverá ser retomado na segunda quinzena de maio. A informação de que Dilma sabia do uso de caixa 2 foi considerada um fato novo pelo ministro Herman Benjamin.

PAGAMENTO

O assunto caixa 2 foi tratado por Dilma e por João Santana já em abril e maio de 2014, antes do início oficial da campanha eleitoral. De acordo com o marqueteiro, o pagamento “oficial” estava em dia, enquanto os repasses de recursos não contabilizados via Odebrecht sofriam atrasos.

Santana foi questionado no depoimento se esses atrasos não seriam genéricos, mas o próprio marqueteiro enfatizou que a demora nos pagamentos sempre envolve a parte não contabilizada. O publicitário afirmou que já estava acostumado a dar “alerta vermelho” sobre atrasos, desde a época em que trabalhou na campanha de Lula à Presidência, em 2006.

“Caixa 2 é uma coisa nefasta”, criticou Santana, que disse não haver campanha eleitoral sem a irrigação de recursos não contabilizados - mesma constatação que já havia sido feita por Marcelo Odebrecht em outro depoimento ao ministro Herman Benjamin. Para o marqueteiro, a definição das coligações em torno de candidaturas são “leilões”, envolvendo uma série de interesses e negociações, como a distribuição de cargos. “Isso vai perdurar enquanto tiver empresário querendo corromper e político querendo ser corrompido”, disse.

Mesmo considerando Dilma Rousseff uma política honesta, o marqueteiro reconheceu que a petista acabou “fatalmente nessa teia”.
“É um esquema maior que o ‘petrolão’. Essa promiscuidade de público e privado vem do Império, passou por todas as coisas da República”, resumiu Santana.

OUTRO LADO

Em nota, a assessoria da ex-presidente Dilma Rousseff repudiou “o vazamento seletivo de trechos” do depoimento de João Santana, o que renova “a necessidade de rigorosa investigação pela Justiça Eleitoral”. “Dilma Rousseff nunca negociou diretamente quaisquer pagamentos em suas campanhas eleitorais, e sempre determinou expressamente a seus coordenadores de campanha que a legislação eleitoral fosse rigorosamente cumprida e respeitada”, diz a nota.

 

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