Prefeituras de Minas cobram da União e do estado dívida de R$ 3 bilhões

Com atraso no repasse de recursos, as 853 prefeituras de Minas cobram da União e do estado os custos dos serviços que foram obrigadas a assumir. Maior parte dos gastos é com a saúde

Juliana Cipriani
- Foto: Arte/Quinho

As 853 prefeituras mineiras tentam se livrar de um gasto adicional que tem consumido anualmente quase 10% dos seus orçamentos, chegando somente no ano passado a tirar R$ 3 bilhões dos cofres municipais. Trata-se do dinheiro que usam para cobrir serviços nas cidades que seriam obrigação da União e do estado. O “peso” da cobertura de convênios para os quais não são repassados recursos ou da municipalização de ações do poder público foi levantado pela Associação Mineira de Municípios (AMM), que promete intensificar a pressão para que as gestões estadual e federal assumam os custos que lhe cabem.

Segundo a AMM, os gastos de R$ 3 bilhões em 2016 com as atividades de competência alheia representam 9% da receita total dos municípios de Minas. A maior parte é consumida com saúde. Segundo a entidade, esse dinheiro foi contabilizado considerando custos como o de ceder servidores públicos municipais, pagamento de alugueis, eletricidade, água e outros tributos. As prefeituras também gastaram para manter o serviço de correios, Polícia Florestal, extensão rural, justiça eleitoral, cartórios, juizados especiais, entre outros e também auxiliar na manutenção de corporações estaduais como as polícias Militar e Civil, Bombeiros.

Além do adicional para manter os serviços, as prefeituras tiveram de arcar com novas competências que lhe foram atribuídas, como a iluminação pública e a integração ao Sistema Nacional de Trânsito. Para esta última obrigação, a AMM informa que havia um convênio de cooperação técnica das prefeituras com o estado, mas este não foi renovado. Pelos cálculos da associação, somente a atribuição do trânsito consome pelo menos R$ 100 mil mensais dos municípios.

A AMM coloca a iluminação pública como outro “fardo” imposto às prefeituras desde 2015.

De acordo com a associação, a municipalização do serviço gera um custo adicional de 30% na área e seria necessário aumentar a Contribuição de Iluminação Pública (CIP) na mesma proporção para minimizar o problema.

O alto custo dos serviços atinge especialmente as menores cidades, que vivem praticamente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) distribuído pelo governo federal. O prefeito de Moema, cidade de 7 mil habitantes na Região Centro-Oeste de Minas, Julvan Lacerda (PMDB), disse que está difícil segurar. “Só com os serviços do estado estamos comprometendo cerca de 8% da receita. O que ajudou um pouco foi que tivemos os recursos da repatriação, isso deu um refresco, senão já tinha muitas prefeituras em colapso”, afirmou.

Em Moema, os gastos adicionais vão para a Emater, para cessão de servidores públicos para o Tribunal de Justiça e para estrutura e manutenção das polícias civil e militar. Os recursos também vão para a Secretaria da Fazenda e para cobrir o deficit dos repasses para a saúde, segundo o prefeito. O orçamento anual da cidade é de R$ 14 milhões. “Temos que negociar com o governo federal e o estadual para que eles assumam suas responsabilidades e, em um segundo momento, lutar para que seja feita uma revisão do pacto federativo, porque hoje a concentração de receita é grande na União, que tem pouca prestação de serviço finalístico”, avalia Julvan, que vai assumir o comando da AMM na semana que vem.

Ainda sem muita experiência, já que assumiu o primeiro mandato como prefeito em Teófilo Otoni (Vale do Mucuri) este ano, Daniel Sucupira (PT) também teme pelo peso dos serviços de outros entes federados no seu orçamento anual de R$ 273 milhões. “A verdade é que a saúde extrapola os 15% de gastos constitucionais, chegando a 20%. Acabamos tendo de gastar muito mais em função dos atrasos e do recurso que não chega”, reclama. O prefeito diz que corre o risco de ficar no vermelho porque o dinheiro não acompanha as demandas que são repassadas. “Os prefeitos que assumiram agora ainda tem o déficit das gestões anteriores, que no meu caso é de R$ 60 milhões. Temos uma balança deficitária e o montante de despesas é tão grande que fica difícil cumprir tantas obrigações”. Ainda segundo Sucupira, “o FPM hoje não é condizente com a realidade, estamos na expectativa de um aumento para julho”, diz.

‘APERTO GERAL’ Para o presidente da AMM, o ex-prefeito de Barbacena Antônio Carlos Andrada (PSB), o excesso de obrigações para os municípios significa menos serviço de atendimento para a população.
Ele estima que até 70% desse aporte adicional que os municípios precisam fazer esteja na saúde. “Sem dinheiro há uma perda generalizada de qualidade e no número desses serviços, os municípios vão perdendo cada vez mais sua capacidade de realização”, avalia. De acordo com ele, os municípios mineiros estão sofrendo com o atraso de repasses dos governos federal e estadual e, com o aporte adicional que acabam fazendo ficam sem poder pagar fornecedores ou dar aumentos ao funcionalismo, por exemplo. “O aperto é geral e pode haver dificuldade em cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que enseja a rejeição de contas e o prefeito pode ficar inelegível por conta disso”, diz. O assunto será levado à Marcha de Prefeitos, em Brasília.

Andrada alerta, porém, que as dificuldades vividas pelos municípios refletem no governo do presidente Michel Temer (PMDB). “O problema volta para o colo do governo federal. Não é à toa que ele está com aprovação de 8%. O governo tem que tomar providência para a sobrevivência do próprio estado, que governo é esse que não consegue colocar seringa em posto de saúde”, questiona Andrada.

 

 

 

.