Pela primeira vez no comando do Senado, em substituição ao presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), que teve um Acidente Isquêmico Transitório (AIT), no último dia 27, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) teve de enfrentar uma ferrenha oposição que buscava ampliar o debate da reforma trabalhista e, consequentemente, o tempo de tramitação. Mediou o conflito com o governo e cedeu em relação ao número de comissões pelas quais a proposta passará, mas ainda pretende acelerar o processo fazendo audiências públicas em plenário. “A matéria é tão importante e isso deve valer, talvez, lá na frente, na reforma da Previdência. Deveríamos fazer as audiências públicas no plenário, onde todos os senadores pudessem participar. É uma oportunidade extraordinária para desmistificar e derrubar o terrorismo que estão fazendo.”
Aliado do governo, o senador afirma que o Senado trabalhará para manter o texto aprovado pela Câmara na reforma trabalhista e, se for necessário algum ajuste, eles se articularãos para que seja por meio de veto para o projeto não voltar aos deputados. “A Câmara está esperando do Senado um gesto de solidariedade. Eles assumiram o papel de infantaria, e tesm muita gente com medo de morrer no meio dessa guerra”, afirma. Entretanto, o tucano diz que a reforma da Previdência não passará do jeito que está, pelo menos não com o voto dele, citando a necessidade de não alterar as regras para o trabalhador rural.
Sem diminuir a importância política que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem no país, o senador não acredita que ele tenha condições de se eleger à Presidência em 2018, e atribui o sucesso do petista nas pesquisas à memória recente do eleitor. “Onde ele era menor ficou ainda menor e, onde ele era muito grande, diminuiu o tamanho. Não vislumbro uma oportunidade em que ele possa reverter esse desgaste que está tendo com acusações das quais ele vai se defender”, comenta. Sobre o candidato tucano para o posto, Cunha Lima se recusa a colocar o prefeito de São Paulo, João Doria, como candidato. E diz que 2018 é o ano da “imprevisibilidade”.
O senhor assumiu a presidência em uma semana tumultuada com a chegada da reforma trabalhista. Como foi a negociação?
Não é a forma que eu queria assumir a Presidência do Senado, mas, felizmente, o presidente (Eunício Oliveira) está bem. Sobre a trabalhista, é importante dizer que, pelo regimento, ela podia tramitar apenas na Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Como a trabalhista é motivo de muita polêmica, a oposição, legitimamente, tenta esticar a tramitação. Procurei tomar uma decisão equilibrada, mandando para a CAS e para a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), mas, para fazer um acordo, vamos mandar para a de Constituição e Justiça também.
A tramitação será conjunta?
A oposição não vai aceitar isso, mas acho que deveríamos fazer algo diferenciado. A matéria é tão importante e isso deve valer, talvez, lá na frente, na reforma da Previdência. Deveríamos fazer as audiências públicas no plenário, onde todos os senadores pudessem participar. É uma oportunidade extraordinária para desmistificar e derrubar o terrorismo que estão fazendo.
E a disputa do senador Renan Calheiros sobre a relatoria na CCJ?
Disseram que o Renan tinha feito essa matéria ir para a CCJ. Eu, particularmente, não falei com o Renan. Negociei, com a autorização do Eunício, com o Randolfe (Rodrigues), que era autor de um dos requerimentos, com a senadora Gleisi (Hoffmann), consultei o Romero Jucá, como líder do governo. Não sei onde o Renan entrou nessa história.
Como está a relação com o Renan?
As manifestações que o senador Renan tem feito o colocam na oposição. E como ele é um homem de palavra, não vai retroceder em relação a essa posição. Ele se junta aos arautos do atraso, porque a legislação vem para atualizar e modernizar as relações de trabalho. Tem uma série de mentiras. Essa campanha que se faz em rede social é um absurdo porque amedronta as pessoas, intranquiliza as famílias. O que está sendo feito é garantir às pessoas maior liberdade.
Há também uma disputa política com vistas a 2018. O ex-presidente Lula continua em primeiro nas pesquisas. O PT, por enquanto, está ganhando essa batalha?
Ganhar a batalha não significa ganhar a guerra. Tem muito chão pela frente e não há como se menosprezar o potencial eleitoral que o ex-presidente Lula tem. Resta saber se ele chegará elegível por conta dos problemas que ele enfrenta perante a Justiça. E a experiência mostra que pesquisas sempre vão olhar para trás. Pesquisa raramente consegue fazer um olhar prospectivo. O que se percebe é o nível de rejeição não só do Lula, mas de outros atores importantes.
Como trabalhar o Nordeste?
O que eu tenho defendido, no PSDB e junto a outros partidos, é que o Nordeste precisa de novas propostas para o desenvolvimento. Não adianta ficar marcando passo, falando sempre em Bolsa Família. Essa discussão é absolutamente estéril, infrutífera, não leva a nada e, no fundo, só reforça essa posição dele. Nossa responsabilidade é estar presente na região com uma proposta de desenvolvimento, principalmente, para o semiárido. É preciso entender o Nordeste, você tem dois, pelo menos. O Nordeste úmido, da faixa litorânea, que se enquadra nas regras do Brasil, e o do semiárido, que merece atenção diferenciada.
Dá tempo de construir um discurso para superar o PT no Nordeste?
Não é mais a diferença que era. O Lula pode ainda pontuar nas pesquisas e eu não discuto essa liderança, mas, nas últimas eleições, em termos médios, considerando votos válidos, na região era 75 a 25. Ele não repetirá mais isso, vai diminuir e será fatal para o resultado das eleições, porque ele diminuiu ainda mais em regiões em que era fraco como o Sul, Sudeste e o Centro-Oeste. Onde ele era menor, ficou ainda menor, e onde ele era muito grande, diminuiu o tamanho. Não vislumbro uma oportunidade em que ele possa reverter esse desgaste que está tendo com acusações das quais ele vai se defender.
Então, ele não se elege?
Vejamos que, mesmo no auge da popularidade, as eleições foram para o segundo turno, tanto dele quanto a da Dilma. É claro que haverá consequência eleitoral em tudo que está acontecendo. Mas imaginar que alguém com o perfil do Lula terá menos que 25%, 30% dos votos é ingenuidade. Ele é um ator político importante nesse processo. Daí a ter condições de ganhar são outros quinhentos.
O senhor falou em pesquisa olhar para trás, mas a gente vê João Doria, uma pessoa nova nesse cenário, no mesmo patamar de tucanos que já concorreram. É suficiente para fazer dele o candidato?
A rigor, quando digo olhar para trás é recall mesmo, lembrança. A pesquisa atesta isso, o Lula é quem tem o maior recall no Brasil. Quando você tem um nome como o do Doria crescendo, é o resultado mais claro da importância que a rede social tem. Ele consegue ter, em regiões fora do eixo de São Paulo, um conhecimento maior do que qualquer político brasileiro conseguiu ter em anos porque tem conseguido se apropriar da rede social. E olha que não está usando as ferramentas mais modernas usadas nos Estados Unidos e na Europa, um algorítimo que, em vez de você fazer uma mensagem para Brasília, por exemplo, você fala para Taguatinga ou para o Guará. Uma ferramenta Door to Door (porta a porta), onde você consegue fazer a mensagem individualizada. É algo que mudou por completo as relações políticas e quem não perceber isso vai ficar fora.
Mas ele tem musculatura para sobreviver a uma campanha real?
O Doria não é candidato. Ele tem dito, insistentemente, que o candidato dele é Geraldo Alckmin. E o partido tem outras opções além do Alckmin, tem Aécio Neves, Tasso Jereissati, Antonio Anastasia, José Serra e pode ter Doria, mas não posso tratá-lo como candidato quando ele próprio diz que não é.
O senhor defende prévias no PSDB?
Se houver disputa. Nas últimas eleições, o PSDB conseguiu consenso. É uma cultura boa quando bem exercida. Você consegue dar vitalidade, vida partidária, o que é interessante.
Qual a previsão para 2018?
É o ano da imprevisibilidade. Quem estiver prevendo está fazendo um chutômetro enorme. Tem um conjunto de incertezas que estão fora do alcance dos partidos e dos próprios candidatos. O Brasil já viveu a desesperança, mas agora não é só desesperança é revolta, indignação, intolerância. As pessoas estão de saco cheio.
O desempenho do governo vai influenciar na eleição. Diante da rejeição de Temer, é complicado estar na base?
Esse é um risco que o PSDB tinha de correr em nome do Brasil. Se o PSDB fosse fazer um movimento de oportunismo eleitoral, era para ter deixado a Dilma no governo, o país aos pedaços e a gente chegar como uma grande alternativa eleitoral em 2018. Só que, novamente, o PSDB agiu com responsabilidade. Se as coisas estão ruins, estariam muito pior se a Dilma continuasse na presidência. Eu sempre achei que o melhor caminho para o país eram eleições. Era o TSE fazer o julgamento. Hoje, está provado que essa chapa, comandada pela Dilma, tinha tudo para ser cassada, só que o TSE não conseguiu julgar em tempo hábil. O impeachment veio e qual a nossa responsabilidade agora? Dar sustentação ao governo, com preço político alto. O governo está pagando por uma herança maldita que recebeu, de um país em frangalhos. Se a economia começar a se recuperar, a tendência é de que a imagem do presidente melhore. Nós estamos no fundo do poço, o desemprego não para de crescer.
O PMDB estava no governo. Ele também não é culpado pela economia?
Era coadjuvante nesse processo, mas tinha um ator principal. Você tem centro de poder e o PMDB era partícipe disso, mas de forma, em muitos momentos, periférica.
O senhor falou que, pelo processo no TSE, já se provou que a chapa tinha irregularidades. Por que não cassar também Michel Temer?
Já existe jurisprudência no sentido de separar a chapa. Eu não fui preciso, quando disse chapa. A Dilma era para ser cassada e vai ficar provado. Os depoimentos estão dizendo que sequer o Temer participava do programa de televisão. Ele não participou de forma direta do sistema de financiamento ilegal da campanha.
Foi um erro ele apostar em tantas reformas ao mesmo tempo?
Ele foi ousado, corajoso. É preciso, por Justiça, reconhecer a coragem, ousadia e firmeza que o presidente teve em enfrentar tantos focos de resistência. Sob o olhar da tática política, talvez ele tenha salgado um pouco o prato e cabe ao Congresso modular um pouco. Tanto é que já se fala na Câmara só votar a reforma da Previdência quando o Senado terminar a trabalhista, para dar um intervalo. Você vai ter problema na interlocução e a gente está tendo uma derrota de comunicação fragorosa.
"É preciso dar um freio de arrumação para dar tempo de explicar, primeiro, a reforma trabalhista. Essa relação com a sociedade está ruim. Precisamos melhorar muito, tem que discutir a relação”
Talvez porque as coisas andaram a galope na Câmara
Acho que foi um erro. O deputado Rogério Marinho fez um trabalho belíssimo, várias audiências públicas, visitou estados, ouviu mais de 800 pessoas. O erro foi no plenário, que poderia ter discutido um pouco mais. Votou-se a urgência da trabalhista, mas dá a sensação que é rolo compressor. Por isso, no Senado estamos tentando evitar esse problema.
Vai ser possível manter o texto?
Nós vamos manter. Ele é muito bom. O que precisar ser mudado pode ser feito com veto presidencial, para não ter que voltar para a Câmara. A maioria do Senado terá o convencimento de que 99,9% do texto está bom.
Um debate maior aqui não vai atrasar a votação da reforma da Previdência na Câmara?
A Câmara está esperando do Senado um gesto de solidariedade. Eles assumiram o papel de infantaria, e tem muita gente com medo de morrer no meio dessa guerra. Se o Senado devolve ou rejeita a reforma trabalhista, vai ser um sinal péssimo para a previdenciária. Isso é como uma engrenagem, para rodar tem que estar bem engrenada, senão vai travar.
"Os deputados estão precisando desse gesto de solidariedade. Somos uma só base de governo e ela precisa ser monolítica nesse momento para dizer: um por todos e todos por um, não vamos deixar vocês se afogarem sozinhos."
E a previdenciária?
O Senado aprova a reforma trabalhista. A trabalhista, sim, já a previdenciária... Tem que ter mais debate. Vai ser mais difícil. Compreendo os economistas que precisam encontrar um número para ajuste fiscal, mas você tem caminhos outros que não foram trilhados. Começando pelo combate à fraude. Pode manter o mesmo sistema em que se está e gerar uma economia gigantesca se combater as fraudes existentes. A quantidade de fraude que tem no Bolsa Família, na aposentadoria rural, no Benefício da Prestação Continuada (BPC), no seguro defeso. Se você combater de forma eficaz essas fraudes, gera uma economia. Em 1987, fui autor do dispositivo da Constituição que, em primeiro lugar, garantia o pagamento de um salário mínimo para o trabalhador rural, e de outro que reduzia a idade de aposentadoria. Não vou destituir aquilo que construí. E acredito que a aposentadoria rural é um dos mais importantes sistemas de distribuição de riqueza do Brasil. Deixe o rural como está.
Há outros problemas?
Tem que atacar o privilégio. Os congressistas, por exemplo. Pela regra de transição, quem entrar na Câmara em 2018 vai para o sistema de 40 anos, mas quem está no mandato vai conseguir se aposentar integralmente com 35 anos. O país não vai aceitar isso. O exemplo vale muito mais do que o dinheiro. E nós precisamos dar exemplo na Câmara. Tem que resolver agora, tem que cortar na nossa carne.
O Supremo concedeu habeas corpus a José Dirceu na semana passada. Há uma mudança de rumos?
O placar demonstra que havia argumentos jurídicos para os dois entendimentos. Hoje estamos discutindo uma lei de abuso de autoridade e um dos pontos críticos era o crime de hermenêutica. Dois ministros interpretaram a legislação de uma forma e três de outra. Aí se vê o quanto a proposta estava errada. Você ia fazer o quê? Condenar o Gilmar Mendes ou o Edson Fachin?
Ficou um bom projeto? Foi, de fato, uma retaliação à Lava-Jato?
Sim, ajustes foram feitos, excessos foram retirados e o texto ficou de bom tamanho. Não tem vingança. Não votei querendo me vingar de ninguém. Já é bem menos, mas durante muito tempo o Brasil foi o país da carteirada”. Tem resquícios disso e a proposta do abuso de autoridade tramita há 10 anos, não foi criada para a Lava-Jato.
E a extinção do foro privilegiado? Deputados estão reclamando que vocês soltaram uma bomba lá.
Ela está chiando aqui ainda. Não chegou lá ainda não (risos).
Há desgate no PSDB com as investigações?
O partido defende de forma geral é que as investigações sejam rápidas. Ninguém está imune a investigação, que sequer é uma acusação. Inegavelmente, tem um desgaste político que não podemos deixar de reconhecer. Como vai resolver esse desgaste? Com um inquérito rápido e um julgamento célere. .