Brasília – Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff tinham conhecimento dos pagamentos via caixa 2 nas campanhas, segundo as delações premiadas dos marqueteiros João Santana e sua mulher, Mônica Moura, que tiveram o sigilo quebrado pelo ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal. Os dois foram responsáveis pelas campanhas do PT à Presidência da República em 2006, 2010 e 2014.
Nessa quinta-feira, Fachin enviou para o juiz Sérgio Moro, em Curitiba,parte da delação de Santana que trata das duas campanhas de Dilma, já que ela não tem mais foro privilegiado. Em sua delação, Santana disse que Lula era quem dava a palavra final dos pagamentos oficiais e de caixa 2. Já Mônica Moura revelou ao Ministério Público Federal que foi alertada por Dilma, via e-mail, sobre a prisão dela e do marido, que acabou ocorrendo dois dias depois. Confira as principais revelações das delações premiadas.
A palavra final do chefe
O marqueteiro João Santana informou ao Ministério Público Federal em sua delação premiada que Lula e Dilma sabiam dos pagamentos oficiais e de caixa 2 feitos como contraprestação aos serviços prestados nas campanhas eleitorais. Ele disse que falou diversas vezes com Lula e Dilma quando necessitava fazer cobranças. “Nestas oportunidades, tanto Lula como Dilma se comprometeram a resolver o impasse e, de fato, os pagamentos voltavam a ocorrer. Tanto os pagamentos oficiais, quanto os recebimentos de valores através de caixa 2”.
Santana contou que o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci dizia que decisões definitivas sobre pagamentos dependiam da “palavra final do chefe”, em referência a Lula. Em dois momentos da campanha à reeleição de Lula, Santana diz ter ameaçado interromper os trabalhos por causa da inadimplência. Depois disso, o petista pressionou Palocci, que “colocou a empresa Odebrecht no circuito”, segundo o marqueteiro.
Na delação, Santana foi questionado por procuradores sobre quais questões que, segundo Palocci, dependeriam do “respaldo do chefe”. O marqueteiro disse que eram questões referentes aos valores totais de seus honorários nas campanhas. João Santana diz, em seu relato, que soube por sua esposa que Palocci tinha “poder quase absoluto” sobre o fundo de caixa 2 do PT manuseado pela Odebrecht.
A empreiteira baiana revelou na delação premiada de seus executivos que havia uma conta-corrente destinada aos governos do PT e abastecida pelo Setor de Operações Estruturadas, conhecido como departamento da propina da empresa. A assessoria de Lula informou que não comentaria “declarações de pessoas que buscam benefícios judiciais” e que “delações, pela legislação brasileira, não são provas”. A assessoria de Dilma disse, por meio de nota, que o casal de marqueteiros prestou falso testemunho.
Alerta contra prisão
Mônica Moura afirmou também em seu acordo de delação premiada que foi avisada em 19 de fevereiro de 2016 pela ex-presidente Dilma de que o casal seria preso pela Operação Lava-Jato, três dias antes de vir a público as ordens de prisão. O alerta foi feito por uma conta secreta de e-mail, de conhecimento apenas de Dilma e Mônica, segundo o relato.
Os dois foram presos em fevereiro de 2016, na 23ª fase da Lava-Jato, suspeitos de receber pagamentos com origem em dinheiro desviado da Petrobras. Segundo Mônica, Dilma acertou com ela durante encontro no Palácio da Alvorada, residência oficial da então presidente, a criação de um e-mail fictício para que o casal fosse avisado sobre o andamento das investigações.
A marqueteira afirmou que Dilma manifestou preocupação com a possibilidade de a Lava-Jato rastrear pagamentos de caixa 2 feitos a Santana na Suíça por sua atuação na campanha eleitoral do PT.
O e-mail foi criado no notebook da presidente, durante encontro na biblioteca do palácio, com um nome e senha fictícios, de conhecimento apenas de Mônica, Dilma e um assessor da presidente. Em seu depoimento, Mônica disse que a estratégia consistia em deixar as mensagens salvas no rascunho do e-mail.
Dessa forma a outra parte conseguia acessar o conteúdo da mensagem sem que ela precisasse ser enviada. Segundo Mônica, Dilma teria sido informada sobre o andamento da operação pelo então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. O ex-ministro nega a acusação.
Pagamentos a cabeleireiros
Em seu acordo de delação, Mônica Moura afirmou ter pago despesas da então presidente Dilma, como gastos pessoais de cabeleireiro. Os serviços custaram R$ 90 mil e foram pagos entre 2010 e 2014, mesmo fora de períodos de campanha eleitoral. Em 2010, um assessor de Dilma pediu que fossem pagos R$ 4 mil por mês, durante um ano, para uma cabeleireira particular que cuidava do cabelo e da maquiagem da presidente. Os pagamentos foram feitos em dinheiro à própria cabeleireira, somando um total estimado de R$ 40 mil, segundo a delação. Após a campanha eleitoral de 2010, Mônica diz que este assessor pediu que também fossem pagas as despesas com o cabeleireiro Celso Kamura, que costumava ser contratado pela presidente para eventos importantes. Mônica disse estimar em R$ 50 mil o total gasto com Kamura, que teve os serviços contratados diversas vezes por Dilma entre 2010 e 2014. Cada diária custava cerca de R$ 1.500, segundo o relato. Segundo a assessoria de Dilma, Mônica mentiu em sua delação.
Dilma Bolada
O publicitário Jefferson Monteiro recebeu de Mônica Moura, em meio à campanha pela reeleição de Dilma em 2014, R$ 200 mil em espécie, provenientes de recursos de caixa 2, para que mantivesse sua página satírica “Dilma Bolada” no ar, segundo Mônica Moura. O perfil nas redes sociais ficou conhecido por promover a imagem da ex-presidente de forma bem-humorada.
O pagamento teria sido feito a pedido do ex-ministro Edinho Silva, à época tesoureiro da campanha. Monteiro, por meio de seu perfil no Facebook, negou que tenha recebido a quantia de Mônica. Ironizando as acusações sobre supostos recebimentos que teriam sido direcionados a ele, o publicitário afirmou: “Alguém, por gentileza, me avisa onde que tenho que retirar a quantia porque estou com o aluguel atrasado e o telefone cortado”, escreveu.
Pimentel com R$ 800 mil
A marqueteira Mônica Moura disse ao MPF que o então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e hoje governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), transportou R$ 800 mil em dinheiro vivo em um jatinho para pagar despesas da campanha do então ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Patrus Ananias à Prefeitura de Belo Horizonte, em 2012.
Ela revelou que, a pedido da então presidente Dilma, em 2012, ela e João Santana fizeram o marketing da campanha de Patrus. “Dilma orientou Mônica Moura a procurar Fernando Pimentel, então ministro do Desenvolvimento, para acertar esta campanha. Os valores foram definidos entre Monica Moura e Fernando Pimentel, o qual exigiu que parte dos pagamentos fossem recebidos por fora”, diz trecho da delação de Monica. Ela explicou que, oficialmente, a campanha custou R$ 8 milhões, além de mais R$ 4 milhões “de valores não oficiais”.
Segundo Mônica, do total prometido em caixa 2, ela recebeu apenas alguns pagamentos, em espécie, na produtora onde era realizado o marketing da campanha de Patrus, em BH. “Depois de muitos atrasos nos pagamentos, e sempre cobrado por Mônica Moura, Fernando Pimentel, em uma ocasião, levou pessoalmente cerca de R$ 800 mil em espécie, em uma mala, para Mônica Moura, em São Paulo, que a recebeu em mãos. Mas Mônica ponderou com Pimentel que não tinha meio seguro de transportar esSe dinheiro para BH, onde tinha pagamentos da campanha a saldar”, diz o anexo.
De acordo com a versão de Mônica “Fernando Pimentel, então, se dispôs a transportar o dinheiro em espécie de São Paulo para Belo Horizonte. Ela soube que Fernando Pimentel levou os R$ 800 mil em um avião particular (jatinho) de São Paulo a Belo Horizonte, e a referida [quantia] foi entregue na produtora em BH”.
Por meio do WhatsApp, o advogado de Pimentel, Eugênio Pacceli, afirmou: “Não comentamos mais as tentativas exitosas de delatores em se verem livres de suas responsabilidades por meio de mentiras desprovidas de qualquer elemento de prova. Ministro de Estado conduzindo mala de dinheiro pessoalmente? Não havia ninguém pra fazer isso? Francamente!” Patrus não foi encontrado ontem pela reportagem para comentar o assunto.
Maduro pagou 'por fora'
Em sua delação, a marqueteira Mônica Moura afirmou que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, pagou “por fora” US$ 11 milhões pela campanha do então presidente Hugo Chávez à reeleição, em 2012. Ela apresentou provas e detalhes sobre os repasses, revelando que Maduro ainda teria de pagar outros US$ 15 milhões a ela pela campanha, mas que esse valor nunca foi quitado.
A marqueteira afirmou que, além desse valor, recebeu outros US$ 9 milhões de empreiteiras para realizar a campanha de Chávez. Além do pagamento em espécie, Maduro, que à época era chanceler, exigiu que a empresa dela recebesse “quase todo os valores” pagos pela campanha via caixa 2.
Em um dos trechos, a marqueteira informa que “parte desse valor não contabilizado foi pago em espécie, entregue em Caracas diretamente a ela pelo então chanceler Maduro, na própria sede da chancelaria.” “Maduro recebia Mônica em seu próprio gabinete, entregava-lhe pastas com dinheiro e providenciava escolta para lhe dar segurança no percurso da chancelaria à produtora”, completa.
A marqueteira afirma ainda que a maior parte dos pagamentos foi paga pelas empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez. A assessoria de imprensa da Andrade Gutierrez divulgou nota afirmando que “segue colaborando com as investigações em curso dentro do acordo de leniência firmado pela empresa com o Ministério Público Federal e reforça seu compromisso público de esclarecer e corrigir todos os fatos irregulares ocorridos no passado.” A da Odebrecht não se manifestou.