Se é fato que em todos os países as leis de regulamentação da atividade de lobby surgiram principalmente em resposta a escândalos de corrupção, favorecimentos e abusos na conduta de agentes políticos, parece premonitório o movimento do agora ministro da Justiça e ex-titular da Transparência, Torquato Jardim: na véspera da divulgação dos diálogos do presidente da República Michel Temer com o empresário do grupo JBS Joesley Batista aterrissou à sua mesa nova proposta de texto para regulamentação do lobby por decreto.
Dada a turbulência política de um presidente que ainda não desistiu de se equilibrar para não ser despejado do Palácio do Planalto, poderá a publicação desse decreto se tornar nos próximos dias, caso resista à pressão, uma estratégia de marketing: a regulamentação, ainda que incipiente, virá a fórceps. O Brasil não terá fugido ao contexto internacional em que, nas diferentes nações, a atividade de lobby saiu das sombras.
No Brasil, pouco avança a tramitação no Legislativo de uma das 16 propostas que ali repousam para a regulamentação da atividade do lobby, algumas desde 1984. O tema nunca foi prioridade de pauta no Congresso Nacional, apesar de a Operação Lava-Jato, desencadeada há mais de três anos, despejar sistematicamente, sobre uma sociedade atônita e estressada, velhas e novas versões de tráfico de influência e corrupção – a degeneração do lobby – para interferência junto aos tomadores de decisão de órgãos do Poder Executivo e Legislativo.
Embora o substantivo “lobby” esteja muito desgastado, porque associado à corrupção, é da natureza da democracia que cidadãos, organizações e empresas tentem influenciar agentes do Estado. “Quando isso é feito de forma transparente e dentro de regras, a sociedade toma conhecimento e tem acesso a quem influi, como influi e que interesses defende”, acredita o cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Manoel Leonardo Santos, pioneiro nos estudos de lobby no Brasil. “Não que a regulamentação do lobby vá impedir a corrupção”, alerta ele.
“Mas a grande vantagem que alguns países encontraram em definir regras para a atividade, é que, ao tornar pública a agenda do lobby, é dada oportunidade para aqueles que nem sabem o que está acontecendo e são tomados de surpresa por projeto de lei”, afirma o cientista. Isso significa, segundo ele, que os segmentos da sociedade que têm interesses contrários àqueles do lobby organizado, ao tomarem conhecimento, podem igualmente se mobilizar e participar do processo de mobilização e pressão que antecede as decisões e formulação de projetos e políticas.
O lobby é um processo que envolve pelo menos uma de três atividades, que, na prática, se confundem: conseguir acesso aos tomadores de decisões; promover uma opinião favorável entre os tomadores de decisões em relação aos interesses dos grupos; e influenciar os tomadores de decisão a seu favor. “A atividade pode resvalar para uma relação corrupta entre interesses e política.
SALTO NOS REGISTROS Dos anos 80 para cá, cada vez mais entidades e grupos de interesse se cadastram junto à Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados para formalizar o acompanhamento da tramitação de projetos. Com isso, obtêm crachá e acesso às dependências da Casa. Mas observá-los constitui radar interessante para entender a atividade. “As instituições cadastradas aumentaram cinco vezes em pouco mais de três décadas. No biênio 1983-1984 havia 47 registros que saltaram para 257 no último biênio disponível, de 2015-2016,”, informa o cientista. Ou seja, cresceram cinco vezes e meia.
Os dados integram a série histórica da pesquisa financiada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), sobre o lobby e a representação dos interesses na Câmara dos Deputados. “Como esse cadastro não é obrigatório, há subregistro. Ali estão informados sobretudo registros dos próprios órgãos públicos, como agências reguladoras, tribunais e ministério público, que tentam influenciar o processo legislativo. Igualmente estão formalizadas as entidades corporativas de representação de interesse, como as confederações nacionais da indústria, da agricultura, do transporte, assim como centrais sindicais. É necessário, contudo, que a atividade seja regulamentada para obtermos mais transparência dos grupos que realmente estão ali”, afirma Manoel Santos.
Caso Watergate deu munição para lei
Foi o escândalo Watergate dos anos 70 que impulsionou, nos Estados Unidos a regulamentação da atividade do lobby. Apenas 38 estados norte-americanos tinham, nos anos 50, leis, em diferentes graus, de regulamentação da atuação de grupos de pressão. Mas quando veio à tona o caso que culminou com a renúncia do presidente Richard Nixon, Califórnia, Arizona, Minnesota, Kansas e West Virginia aprovaram regulações sobre as atividades de lobby.
No final da década de 80, todos os 50 estados já tinham leis aprovadas.
“Esses países apostaram na exposição pública e no monitoramento da atividade de lobby e financiamento de campanha como forma de minimizar tanto o problema da desigualdade de acesso entre os diferentes grupos, quanto o problema do comportamento desviante envolvido nas relações entre interesses privados e agentes do governo”, explica o cientista político Manoel Leonardo Santos. Diferentemente, contudo, o Congresso Nacional no Brasil, tem optado, a cada novo terremoto, por desenterrar a pregação de uma reforma política que, aliás não sai do papel.
No âmbito do Executivo, nas duas últimas décadas, algumas iniciativas apontaram para a regulamentação da atividade, sugerindo preocupação com a matéria: como por exemplo o Código de Conduta da Alta Administração Federal (2000) e a Portaria da Casa Civil nº 34/2001, que define regras para as audiências públicas e a conduta dos funcionários. “Há vários outros decretos que igualmente sugerem um posicionamento favorável para colocar luz sobre a matéria”, avalia o cientista.
No âmbito legislativo, contudo, o sucesso para a aprovação da matéria esbarra, segundo Manoel Leonardo Santos, em vários obstáculos. A começar pelo fato de ser um tema que divide opiniões inclusive na literatura internacional. “Há argumentos favoráveis e contrários”, diz ele.
Entre os favoráveis: a necessidade de se construir uma institucionalidade política que promova mais deliberação, mais transparência e mais accountability (prestação de contas e atribuição de responsabilidades). Entre os contrários: o custo-benefício para a regulamentação da atividade não se justificaria. Nessa corrente, há quem acredite que a regulamentação criaria barreiras burocráticas e imporia custos altos de participação às organizações e movimentos populares.
Outra dificuldade para a aprovação da matéria no Legislativo refere-se à falta de consenso quanto ao formato da regulamentação da atividade do lobby. “As propostas que tramitam no Congresso revelam visões muito diferentes dos parlamentares sobre a atividade e sobre como e em que medida ela deve ser regulada.
EXEMPLOS
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou, recentemente, uma recomendação para que seus membros regulamentem a prática do lobby. Nos EUA, o profissional precisa comprovar que o lobby representa ao menos 20% de suas atividades a cada três meses. Também deve ser registrado em até 45 dias após o primeiro contrato, sob pena de multa e sanção criminal em caso de fraude. Países da União Europeia igualmente exigem cadastro on-line de quem exerce a função de lobista, seja ele autônomo ou faça parte de uma entidade. No Peru, dados dos agentes são públicos e ficam disponíveis na internet. A inscrição de cada profissional é obrigatória e vence a cada dois anos, podendo ser prorrogado.
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