Vinte e dois partidos políticos representados num plenário de 41 cadeiras tornam a interlocução para a construção de uma base parlamentar de apoio do prefeito Alexandre Kalil (PHS) com a Câmara Municipal de Belo Horizonte um corpo a corpo. Há, em média, 1,8 vereador por sigla; na Assembleia são 20 siglas representadas para 77 cadeiras; na Câmara dos Deputados, 26 partidos políticos para 513 deputados federais.
Não bastasse a proliferação dos partidos representados, à exceção da bancada de esquerda – que inclui PSOL, PCdoB e PT – e das legendas que comandam a polarização da política, como PSDB e DEM, os vereadores eleitos não se sentem vinculados ideologicamente às respectivas siglas. Isso porque diferentemente dos sistemas democráticos desenvolvidos do mundo, em que a representação política se dá através dos partidos que nascem em consequência de um processo de construção de identidades sociais e de classe, a Câmara Municipal reflete um problema que é nacional: a maioria dos vereadores eleitos escolheu partidos pelo critério de cálculos aritméticos. Ou seja, não pela plataforma da legenda, mas antes, por aquela em que teriam maior probabilidade de sucesso eleitoral. Com isso, boa parte dos vereadores torna-se a expressão de uma espécie de “protagonismo político individual” e não de representação social.
A tarefa para a consolidação da sustentação legislativa do governo de Kalil na Câmara Municipal se torna mais difícil à proporção em que o prefeito tenta manter a promessa de campanha de não adotar o “tradicional” método de cooptação. Em pleno vigor na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e na Câmara dos Deputados, por esse “método” parlamentares indicam aliados e apadrinhados aos cargos comissionados e do primeiro escalão no Executivo. Em troca, aprovam as matérias. Quando não o fazem, os indicados são exonerados.
A reforma administrativa encaminhada por Kalil para a Câmara Municipal, aprovada em primeiro turno, caminha em sentido contrário: reduz da estrutura administrativa 400 cargos comissionados e torna outros 370 exclusivos para servidores efetivos.
CRÍTICA “Que o prefeito chame os deputados Marcelo Aro (PHS) e Marcelo Álvaro Antônio (PR) para aprovar a reforma administrativa aqui na Casa”, resmungavam na sexta-feira passada alguns vereadores em plenário e pelos corredores, em crítica ao fato de terem “perdido” a prerrogativa de nomear nas administrações regionais, que agora estariam sendo “entregues” aos deputados federais. Embora pela reforma administrativa as regionais percam o status de “secretaria”, elas continuam sendo fundamentais para que vereadores territoriais, que têm concentrado o seu eleitorado em regiões delimitadas, “administrem” o atendimento das demandas dos moradores.
O governo Kalil tem pressa em passar a proposta de reforma administrativa. E gostaria de fazê-lo até nesta quarta-feira, último dia de reunião plenária do mês. Caso contrário, a questão se arrastará para julho, quando as perspectivas são de que o corpo a corpo para a aprovação se torne mais difícil. A reforma foi aprovada em primeiro turno na segunda-feira passada, mas emperrada entre emendas e substitutivos, a tramitação não avançou como se esperava.
Vereadores querem mão dupla
Patinando em terreno movediço da Câmara Municipal, com vereadores exigindo mão dupla na via da política, o prefeito Alexandre Kalil demonstra simpatia à possibilidade de instituir as chamadas emendas individuais. É mais um instrumento para a formação das bases parlamentares. Na Assembleia Legislativa cada deputado estadual, que já indica cargos e secretários no governo do estado, propõe R$ 1,5 milhão/ano em emendas orçamentárias destinadas a pequenas obras em suas “bases” eleitorais. E as “amigos” – digo, aos deputados governistas – são ainda destinados R$ 1 milhão ao ano em emendas na área da saúde.
Na Câmara dos Deputados não é diferente: cada um propõe R$ 15 milhões ao ano em emendas orçamentárias. Só que no âmbito federal, vigora desde fevereiro de 2015 o chamado orçamento impositivo, instituído por meio de emenda constitucional naqueles tempos em que Eduardo Cunha (PMDB), na ocasião presidente da Câmara dos Deputados, tomou da então presidente Dilma Rousseff (PT) o “instrumento” para a cooptação de apoios. Por conta disso, no âmbito federal o governo é obrigado a pagar as emendas dos deputados. Restam como instrumentos lícitos de cooptação o loteamento da administração federal, a distribuição de concessões de rádios, além das manobras de contingenciamento do orçamento, que podem ora reduzir esse limite, ora retomá-lo, como ocorre agora em momentos de crise.
Sem cargos na Prefeitura de Belo Horizonte, os vereadores querem, mais do que nunca, instituir emendas parlamentares. Na Casa tramita a Proposta de Emenda à Lei Orgânica (PELO) 12/2016, segundo a qual o governo municipal estaria obrigado a executar as emendas parlamentares ao orçamento até o limite de 1,2% da receita corrente líquida – algo entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões – sendo que a metade desse valor seria aplicada em serviços de saúde. Embora Alexandre Kalil demonstre simpatia em abrir aos vereadores a prerrogativa de apresentar no orçamento de Belo Horizonte as emendas individuais para acariciar as suas bases, se estas se tornarem “impositivas”, o prefeito continuará de mãos vazias para fazer a sua prometida “nova política”.
Base garantida por meio tortuoso
A relação entre Executivo e Legislativo sempre foi uma via de mão dupla.
Para além do Mensalão, que veio a público no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a prática pouco documentada retrocede e se incorporou à cultura das relações entre Executivo e Legislativo. Em recente delação, o ex-deputado federal Pedro Corrêa (PP-PE) detalhou como se deu a compra de votos para a aprovação da emenda constituição da reeleição em 1997, favorecendo o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Segundo Corrêa, o episódio teria sido um dos mais espúrios já presenciados desde 1978, quando exerceu o seu primeiro mandato, pois teria havido uma “disputa” de propinas. O delator disse que estavam na negociação e em lados opostos o governo Fernando Henrique e o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), que na época havia acabado de deixar a Prefeitura de São Paulo com alta aprovação e decidido a disputar a Presidência da República.
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