Em sessão tumultuada, com as galerias do plenário lotadas, falas exaltadas e mais de cinco horas de votação, vereadores aprovaram, em segundo turno, ontem à noite, a reforma administrativa do governo Alexandre Kalil (PHS), principal proposta de campanha do prefeito. Com 38 votos favoráveis, o texto recebeu o “sim” da unanimidade dos presentes – o presidente da casa, Henrique Braga (PSDB), não votou. Apesar da vitória, parlamentares acabaram aprovando emendas que modificam o conteúdo original e fugiam da orientação da prefeitura. Ainda que contida, a rebeldia dos aliados mostrou que, embora tenha a maioria da casa, Kalil ainda enfrenta o desafio de consolidar sua base no Legislativo. O projeto agora vai para sanção do prefeito, que deve vetar algumas partes.
A reforma, em tramitação desde abril, prevê a redução de 37% dos 2 mil cargos comissionados, com corte de 400 de livre nomeação e transformação de 370 de recrutamento amplo em recrutamento restrito – exclusivo para servidores efetivos. Também reduz a estrutura administrativa de 31 órgãos com status de secretaria para 18. As mudanças, segundo a prefeitura, representam economia de R$ 30 milhões ao ano. A reforma também cria a Secretaria Municipal de Cultura.
A aprovação do texto foi resultado de mais de dois meses de debate com os parlamentares.
Kalil conseguiu garantir a transformação da subsecretarias em coordenadorias ligadas diretamente a seu gabinete. Antes, elas tinham o status de secretaria. Vereadores críticos à proposta argumentam que a mudança centraliza o poder nas mãos do prefeito e enfraquece as regionais. Kalil também saiu vitorioso ao garantir que subsecretarias sejam criadas por decreto – emenda que exigia que essa medida fosse feita por meio de projeto de lei foi rejeitada pela maioria.
Surpresas
Mas, quase ao fim da votação, organizada em blocos de emendas para agilizar o processo, a base se rebelou e acabou saindo do previsto, modificando a reforma em pontos que Kalil não esperava. As emendas garantem que a Procuradoria-Geral do Município tenha exclusividade em relação à consultoria e assessoramento jurídico. Também delega ao órgão a coordenação sobre a inscrição em dívida ativa dos créditos devidos aos cofres públicos. Essa função estava sob competência da Secretaria da Fazenda. A Associação dos Procuradores Municipais de BH pressionou pela aprovação das emendas.
Outras emendas garantem a gratificação de 100% a todos os servidores com dedicação exclusiva e impedem criação de cargos comissionados sem aprovação da Câmara e criação ou extinção de equipamentos públicos culturais por decreto. As submendas, do vereador Gabriel (PHS), foram aprovadas pela maioria, inclusive pelo líder de governo, que mudou o voto após constatar derrota. “Isso mostra que podemos mudar o voto no microfone, no convencimento”, disse Gabriel. O vereador independente Mateus Simões (Novo) considerou a reforma insuficiente. “É um passo pouco eficiente frente ao tamanho do rombo das contas públicas”, disse.
'Torcidas organizadas'
O principal embate do plenário ocorreu em torno do Conselho LGBT, emenda da bancada da esquerda. A medida, combatida principalmente pela bancada religiosa, foi derrubada por 31 votos a oito. Parlamentares retiraram todas as emendas que faziam menção à palavra "gênero". Nas galerias, movimentos sociais favoráveis à medida e grupos contrários esquentaram o clima se comportando como torcidas organizadas. De um lado, os gritos pediam "respeito, sim, privilégio, não". "Acho inapropriada a ideologia de gênero", afirmou a aposentada Simone Matta, de 55 anos, com um cartaz "Somos pela família" em mãos.
Do outro lado, grupos em defesa dos direitos LGBT gritavam "as bi, as gay, as trans e as sapatão, estão organizadas para ganhar o Conselhão". "Não é um privilégio, é uma dívida histórica que a sociedade tem com a população LGBT", afirmou Walkiria Gomes, primeira assessora parlamentar a usar o nome social na Câmara.
Vereadores não só derrubaram a emenda que criava o conselho como tiraram a palavra "gênero" de outros trechos do texto. "Daqui a pouco, eles querem criar subsecretaria LGBT e até prefeitura LGBT", disse Fernando Borja (Avante). "Sou contra conselho LGBT para a prefeitura bancar e contra a ideologia de gênero. Sou a favor da família", afirmou Wellington Magalhães (PTN).
"Estou preocupadíssimo com esse plenário, que é homofóbico e preconceituoso. Falam que não se pode criar mais um conselho por causa de dinheiro, mas estão aprovando a criação do Conselho da Economia Solidária e ninguém fala nada", criticou Pedro Patrus (PT), que faz parte do grupo que assina a emenda. Áurea Carolina (PSOL), que também integra o grupo, lamentou: "Não podemos admitir isso no século 21. O conselho é um instrumento de participação popular", disse.
NOVA ADMINISTRAÇÃO
Principais mudanças da reforma de Kalil
» Redução de 37% nos cargos comissionados, com corte de 400 de livre nomeação e a transformação de 370 de recrutamento amplo em recrutamento restrito para servidores efetivos.
» Recriação da Secretaria Municipal de Cultura
» Redução de 31 secretarias e fundações para 18
» Redução de secretarias adjuntas e criação de subsecretarias
» Diminuição de 100 para nove os tipos de padrão remuneratório no plano de carreira dos servidores
» Fusão da Fundação de Parques Municipais e da Fundação Zoo-Botânica
» O projeto não detalha estruturas internas de cada órgão, que devem ser definidos por decreto
» Belotur, BHTrans, Prodabel e Urbel não foram incluídas na reforma
Principais mudanças feitas pelos vereadores
» Proibição de o prefeito extinguir ou criar equipamentos culturais por decreto
» Procuradoria-Geral do Município (PGM) passa a ter exclusividade em relação à consultoria e assessoramento jurídico do município
» PGM passa a coordenar a inscrição em dívida ativa dos créditos devidos aos cofres públicos
» Criação de cargos comissionados tem que passar pela Câmara