Brasília – Três dias depois de uma reunião executiva do partido decidir – sem votação nominal – sobre a permanência do PSDB no governo enquanto não surgirem fatos novos que possam agravar a situação do governo Temer, o presidente de honra do partido, Fernando Henrique Cardoso, incendiou o debate.
Ele questionou a autoridade que o peemedebista tem hoje, alertou para um movimento vindo das ruas pedindo antecipação do processo eleitoral e usou, novamente, a metáfora que adora da qual esse governo é uma pinguela. “Preferiria atravessar a pinguela, mas, se ela continuar quebrando, será melhor atravessar o rio a nado e devolver a legitimação da ordem à soberania popular”, disse Fernando Henrique.
As palavras do presidente repercutiram intensamente nas hostess tucanas. O partido ainda está cindido desde a última segunda-feira. Até a reunião da Executiva, apenas os “cabeças-pretas”, grupo formado por jovens parlamentares do baixo clero, liderados pelo deputado Daniel Coelho (PE), defendiam ostensivamente o rompimento.
No encontro, o racha aumentou, com o próprio presidente interino do partido, Tasso Jereissatti (CE) e o senador Ricardo Ferraço (ES), relator da reforma trabalhista no Senado, admitindo que se posicionaram a favor do rompimento, mas acataram a decisão da maioria.
“Agora, além dos ‘cabeças-pretas’ e dos ‘cabeças-brancas’, teremos o grupo dos votos vencidos, puxado por Tasso, Ferraço e o próprio Fernando Henrique Cardoso. Esse grupo tende, cada vez mais, a tensionar o debate com o restante da legenda”, afirmou um tucano que participou ativamente da reunião da Executiva Nacional.
A sensação de paralisia do governo Temer, nas últimas semanas – interrompida apenas pela votação da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e por alguns indicadores positivos da economia – aumenta a angústia de um grupo cada vez maior de tucanos. “A Câmara não está votando nada. Cada dia surgem fatos novos, aviões, helicópteros. Isso aumenta a sensação de desconforto.”
Esse quadro é classificado por Fernando Henrique como anomia – ausência de lei ou de regra, desvio das leis naturais, anarquia, desorganização segundo o dicionário. “A conjuntura política do Brasil tem sofrido abalos fortes e minha percepção também. Se eu me pusesse na posição de presidente e olhasse em volta, reconheceria que estamos vivendo uma quase anomia.
Se tudo continuar como está, com a desconstrução contínua da autoridade, pior ainda, se houver tentativas de embaraçar as investigações em curso, não vejo mais como o PSDB possa continuar no governo”, completou FHC.
O ex-presidente reconheceu que o atual momento político está amparado na legalidade e nas regras constitucionais, o que, em tese, transformaria em golpe um pedido de eleições gerais antecipadas. Em tese. “Não havendo aceitação generalizada de sua validade (da autoridade presidencial), ou há um gesto de grandeza por parte de quem legalmente detém o poder pedindo antecipação de eleições gerais, ou o poder se erode de tal forma que as ruas pedirão a ruptura da regra vigente exigindo antecipação do voto”, defendeu Fernando Henrique.
A manutenção do apoio ao governo foi possível graças à costura feita pelos governadores do partido — especialmente Geraldo Alckmin (São Paulo) e Marconi Perillo (Goiás). O argumento apresentado por eles é a defesa da estabilidade econômica, afirmando que uma ruptura institucional neste momento abafaria os pálidos sinais de recuperação econômica.
Tanto Alckmin quanto Perillo, inclusive, estiveram com o presidente Temer em um jantar na última terça-feira, quando foi acertado a disponibilização de R$ 50 bilhões de uma linha de financiamento do BNDES para obras de infraestrutura.