Vereadores novatos de BH se dizem frustrados com burocracia e troca de favores

Vereadores de Belo Horizonte que estão no primeiro mandato falam sobre os desafios, as frustrações e as conquistas obtidas nos seis meses iniciais de trabalho dentro da Casa

Marcelo da Fonseca
Os 23 novatos da Câmara Municipal apresentaram este ano mais de 150 projetos de lei, mas apenas dois foram aprovados em segundo turno - Foto: Jaurez Rodrigues/EM/D.A Press

Mudar o sistema é mais complicado do que parece. Essa é a lição que vários vereadores novatos da capital mineira já aprenderam seis meses depois de iniciarem os trabalhos na Câmara Municipal. A frustração com o “excesso de burocracia”, “excesso de interesses particulares”, troca de favores – o velho toma lá dá cá da política brasileira –, e discussões de temas “irrelevantes para a cidade” são alguns dos problemas citados pelos estreantes. Por outro lado, o aumento da participação popular, com cobranças por meio de aplicativos e redes sociais; a melhoria na relação com o Executivo; e a redução de gastos com verbas indenizatórias são apontados como avanços que retoma o otimismo dos novatos.

Os 23 vereadores que chegaram neste ano à Câmara apresentaram mais de 150 projeto de lei, mas até agora apenas dois projetos foram aprovados em segundo turno. Outros 10 projetos de vereadores e da mesa diretora foram aprovados até julho. Para virarem lei as duas propostas dependem de sanção do prefeito Alexandre Kalil (PHS). “Me impressionou o tamanho da burocracia, o tanto de protocolos para que cada tema chegue às comissões, depois ao presidente, depois ao prefeito. É preciso simplificar um pouco a lógica do Legislativo”, avalia Rafael Martins (PMDB).

O projeto do parlamentar que proíbe a prefeitura de cobrar a taxa de expediente nas guias de recolhimento do IPTU foi aprovado em segundo turno e aguarda análise do prefeito. O outro projeto aprovado na Câmara inclui no calendário oficial da cidade a semana de conscientização ao cuidado e saúde do animal doméstico, da novata Marilda Portela (PSB), que ainda não foi sancionado.

A qualidade das propostas apresentados chamou a atenção negativamente de Mateus Simões (Novo), que pediu o arquivamento de mais de 160 projetos e desagradou vereadores experientes da Casa. “Percebi rapidamente o pouco compromisso com questões técnicas. Uma falta de cuidado assustadora na apresentação dos projetos de lei. É preciso ter mais cuidado na hora de apresentar as propostas e não cometer erros que inviabilizem as mudanças”, diz Mateus. Segundo ele, a cobrança da população foi o aspecto positivo em sua primeira experiência parlamentar. “Talvez por conta da crise política vemos as pessoas muito interessadas e participativa”, diz.

A dificuldade em colocar alguns temas importantes para a capital mineira em discussão na Câmara foi apontada como o maior obstáculo percebido por Gabriel Azevedo (PHS) no primeiro semestre. “Faltou coesão na Casa. Seria fundamental uma união maior dos vereadores para discutir temas da cidade. O novo plano diretor, por exemplo, está para ser votado, mas por mais que você insista, ele não entra na pauta. Também gostaria de discutir medidas para estimular o desenvolvimento econômico de BH, como os incentivos às start ups. Mas ainda resiste um modelo de trocas de interesses particulares”, diz Gabriel.

COLETIVO Para a vereadora Áurea Carolina (PSOL), parlamentar mais votada em 2016 e que adotou a união de gabinete com a correligionária Cida Falabella, a dinâmica institucional e alguns grupos da Casa representaram nos primeiros seis meses um entrave para a discussão de temas importantes para a cidade. Ela destacou, no entanto, que a estratégia de um mandato coletivo abriu as portas para debates que antes não tinham espaço no Legislativo.

“Conseguimos trazer discussões importantes e fortalecemos as lutas sociais e populares.
Mas ainda esbarramos em temas que sofrem com preconceitos ideológicos. Na criação do conselho LGBT, por exemplo, tivemos um debate raso e vergonhoso. A Câmara ainda enfrenta uma distorção grande em relação a realidade da população. Será que a população evangélica pensa da mesma forma que esses vereadores que dizem representá-los?”, questiona Áurea.

FAMÍLIA O vereador Jair di Gregório (PP) chegou a Casa este ano e assumiu a liderança da bancada evangélica – que conta com 17 parlamentares – avalia que a dificuldade em discutir temas polêmicos parte também por uma radicalismo da bancada de esquerda. “Já fui chamado de ‘Bolsonaro de BH’ e de ‘Silas Malafaia de BH’ por causa das posições defendidas na Câmara. Defendo os valores da família e não sou contra a comunidade LGBT, mas essa minoria não pode mandar na cidade como eles querem. Não tem que ser tudo do jeito que eles querem”, rebate Jair.

O estreante foi protagonista em um dos momentos mais tensos no Plenário este ano. Em fevereiro, Jair bateu boca com o então líder de governo Gilson Reis (PCdoB) e o chamou de “mariquinha”. Acusado de atitude homofóbica ele justificou dizendo que criticou Reis por fazer fofocas com os colegas. “Fui muito tachado de homofóbico, mas isso é puro preconceito por causa dos valores que eu defendo.
Penso que no campo das ideias esse embate vai continuar para sempre na Câmara. Eles da esquerda entendem uma coisa e nós entendemos outra”, afirma Jair di Gregório.

 

PROPOSTAS
Confira alguns dos projetos de novatos aprovados na Câmara

» Obriga lojas de vestuário, roupas e similares a instalar provador adaptado e acessível para deficientes físicos (veto parcial do prefeito)
» Promoção dos exercícios de rua em BH, com a implantação de barras fixas e paralelas, conforme as especificações técnicas necessárias para a prática de Street Workout (veto integral do prefeito)
» Promove a revisão anual da remuneração dos servidores da Câmara Municipal de Belo Horizonte (promulgada)
» Institui o Dia Municipal do Serviço Leonístico
» Obriga bancos e instituições financeiras a instalar em agências com caixas e terminais eletrônicos de autoatendimento película fumê ou adesivo perfurado nas portas e paredes de vidro voltadas à via pública (promulgada)
» Oficializa o Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte (FIQ BH)
» Institui a Semana da Orientação Profissional para o Primeiro Emprego nas escolas municipais
» Inclui no calendário oficial de BH a semana de conscientização e orientação ao cuidado e saúde do animal doméstico
» Oficialização da Campanha de Popularização do Teatro e da Dança de BH
» Proíbe a PBH de cobrar a taxa de expediente nas guias de recolhimento do IPTU

Mudanças na postura

 

A relação de troca de favores e benefícios entre políticos foi um dos temas mais discutidos durante as eleições de 2016. Em meio aos desdobramentos dos escândalos da Lava-Jato, onde vieram à tona negociatas e acordos feitos às sombras em troca de apoio político, muitos vereadores prometeram mudança de postura, sem cobrança de favores e verbas a prefeitos e governadores em troca de apoio no Legislativo. Na prática, no entanto, superar a “velha política” pode levar muito tempo.

“Antes de chegar na Câmara ouvi de muitas pessoas que isso aqui era a casa de doidos, como se fosse o pior lugar do mundo. Mas não é bem assim. Ainda é difícil mudar a relação de alguns políticos, principalmente na relação com o Executivo. Mas acho que o prefeito Kalil tem conseguido fazer essa mudança. Muitos vereadores antigos estavam acostumados a um tipo diferente de relação com a prefeitura, o que era péssimo para a cidade”, avalia o novato Álvaro Damião (PSB), vice-líder de governo na Casa.

Outros vereadores estreantes, no entanto, afirmam que as negociações em troca de apoio ao governo permanecem no Legislativo municipal. “No início do ano a relação com a PBH era pouco amistosa e tive a impressão que teríamos independência de poderes. Mas com o tempo a organização da base começou a me assustar. O que ainda prevalece é a cobrança de interesses específicos, o toma lá dá cá que é péssimo para a população”, diz Mateus Simões. A nomeação de aliados políticos é apontada pelo vereador Gabriel Azevedo como melhor exemplo para a continuidade da prática de conchavos políticos entre o Executivo e o Legislativo. “A atenção da prefeitura com os vereadores que compõe a base é diferente. Os que se comportam como o Executivo quer são mais atendidos”, diz o parlamentar.

Poucas semanas depois de os novatos assumiram suas cadeiras ficou claro que a relação com o Executivo seria turbulenta. Partiu do grupo de estreantes a mobilização para colher assinaturas para cobrar do prefeito Alexandre Kalil uma auditoria para analisar os gastos do transporte público em Belo Horizonte e revogar o aumento da passagem dos ônibus.

“Esse foi um ponto muito positivo que conseguimos logo no inicio dos trabalhos, cobrar do prefeito uma posição em relação à falta de transparência com os gastos no transporte. Abrir a caixa-preta da BH Trans”, analisou Rafael Martins. Kalil anunciou que seria feita a auditoria e que as apurações contariam com o acompanhamento dos vereadores e de movimentos sociais ligados ao transporte público. APBH não estipulou um prazo para o fim da auditoria.

Para o correligionário do prefeito, o vereador novato Wesley da Autoescola (PHS), divergências políticas acabaram se tornando uma barreira para o andamento de temas importantes na Casa de forma mais rápida, assim como o excesso de burocracia nos trâmites internos. “Discordâncias ideológicas e partidárias atrapalham os interesses da população. É preciso pensar no coletivo e não nos interesses próprios”, avalia o vereador. .