Mudar o sistema é mais complicado do que parece. Essa é a lição que vários vereadores novatos da capital mineira já aprenderam seis meses depois de iniciarem os trabalhos na Câmara Municipal. A frustração com o “excesso de burocracia”, “excesso de interesses particulares”, troca de favores – o velho toma lá dá cá da política brasileira –, e discussões de temas “irrelevantes para a cidade” são alguns dos problemas citados pelos estreantes. Por outro lado, o aumento da participação popular, com cobranças por meio de aplicativos e redes sociais; a melhoria na relação com o Executivo; e a redução de gastos com verbas indenizatórias são apontados como avanços que retoma o otimismo dos novatos.
A qualidade das propostas apresentados chamou a atenção negativamente de Mateus Simões (Novo), que pediu o arquivamento de mais de 160 projetos e desagradou vereadores experientes da Casa. “Percebi rapidamente o pouco compromisso com questões técnicas. Uma falta de cuidado assustadora na apresentação dos projetos de lei. É preciso ter mais cuidado na hora de apresentar as propostas e não cometer erros que inviabilizem as mudanças”, diz Mateus. Segundo ele, a cobrança da população foi o aspecto positivo em sua primeira experiência parlamentar. “Talvez por conta da crise política vemos as pessoas muito interessadas e participativa”, diz.
A dificuldade em colocar alguns temas importantes para a capital mineira em discussão na Câmara foi apontada como o maior obstáculo percebido por Gabriel Azevedo (PHS) no primeiro semestre. “Faltou coesão na Casa. Seria fundamental uma união maior dos vereadores para discutir temas da cidade. O novo plano diretor, por exemplo, está para ser votado, mas por mais que você insista, ele não entra na pauta. Também gostaria de discutir medidas para estimular o desenvolvimento econômico de BH, como os incentivos às start ups. Mas ainda resiste um modelo de trocas de interesses particulares”, diz Gabriel.
COLETIVO Para a vereadora Áurea Carolina (PSOL), parlamentar mais votada em 2016 e que adotou a união de gabinete com a correligionária Cida Falabella, a dinâmica institucional e alguns grupos da Casa representaram nos primeiros seis meses um entrave para a discussão de temas importantes para a cidade. Ela destacou, no entanto, que a estratégia de um mandato coletivo abriu as portas para debates que antes não tinham espaço no Legislativo.
“Conseguimos trazer discussões importantes e fortalecemos as lutas sociais e populares. Mas ainda esbarramos em temas que sofrem com preconceitos ideológicos. Na criação do conselho LGBT, por exemplo, tivemos um debate raso e vergonhoso. A Câmara ainda enfrenta uma distorção grande em relação a realidade da população. Será que a população evangélica pensa da mesma forma que esses vereadores que dizem representá-los?”, questiona Áurea.
FAMÍLIA O vereador Jair di Gregório (PP) chegou a Casa este ano e assumiu a liderança da bancada evangélica – que conta com 17 parlamentares – avalia que a dificuldade em discutir temas polêmicos parte também por uma radicalismo da bancada de esquerda. “Já fui chamado de ‘Bolsonaro de BH’ e de ‘Silas Malafaia de BH’ por causa das posições defendidas na Câmara. Defendo os valores da família e não sou contra a comunidade LGBT, mas essa minoria não pode mandar na cidade como eles querem. Não tem que ser tudo do jeito que eles querem”, rebate Jair.
O estreante foi protagonista em um dos momentos mais tensos no Plenário este ano. Em fevereiro, Jair bateu boca com o então líder de governo Gilson Reis (PCdoB) e o chamou de “mariquinha”. Acusado de atitude homofóbica ele justificou dizendo que criticou Reis por fazer fofocas com os colegas. “Fui muito tachado de homofóbico, mas isso é puro preconceito por causa dos valores que eu defendo. Penso que no campo das ideias esse embate vai continuar para sempre na Câmara. Eles da esquerda entendem uma coisa e nós entendemos outra”, afirma Jair di Gregório.
PROPOSTAS
Confira alguns dos projetos de novatos aprovados na Câmara
» Obriga lojas de vestuário, roupas e similares a instalar provador adaptado e acessível para deficientes físicos (veto parcial do prefeito)
» Promoção dos exercícios de rua em BH, com a implantação de barras fixas e paralelas, conforme as especificações técnicas necessárias para a prática de Street Workout (veto integral do prefeito)
» Promove a revisão anual da remuneração dos servidores da Câmara Municipal de Belo Horizonte (promulgada)
» Institui o Dia Municipal do Serviço Leonístico
» Obriga bancos e instituições financeiras a instalar em agências com caixas e terminais eletrônicos de autoatendimento película fumê ou adesivo perfurado nas portas e paredes de vidro voltadas à via pública (promulgada)
» Oficializa o Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte (FIQ BH)
» Institui a Semana da Orientação Profissional para o Primeiro Emprego nas escolas municipais
» Inclui no calendário oficial de BH a semana de conscientização e orientação ao cuidado e saúde do animal doméstico
» Oficialização da Campanha de Popularização do Teatro e da Dança de BH
» Proíbe a PBH de cobrar a taxa de expediente nas guias de recolhimento do IPTU
Mudanças na postura
A relação de troca de favores e benefícios entre políticos foi um dos temas mais discutidos durante as eleições de 2016. Em meio aos desdobramentos dos escândalos da Lava-Jato, onde vieram à tona negociatas e acordos feitos às sombras em troca de apoio político, muitos vereadores prometeram mudança de postura, sem cobrança de favores e verbas a prefeitos e governadores em troca de apoio no Legislativo. Na prática, no entanto, superar a “velha política” pode levar muito tempo.
“Antes de chegar na Câmara ouvi de muitas pessoas que isso aqui era a casa de doidos, como se fosse o pior lugar do mundo. Mas não é bem assim. Ainda é difícil mudar a relação de alguns políticos, principalmente na relação com o Executivo. Mas acho que o prefeito Kalil tem conseguido fazer essa mudança. Muitos vereadores antigos estavam acostumados a um tipo diferente de relação com a prefeitura, o que era péssimo para a cidade”, avalia o novato Álvaro Damião (PSB), vice-líder de governo na Casa.
Outros vereadores estreantes, no entanto, afirmam que as negociações em troca de apoio ao governo permanecem no Legislativo municipal. “No início do ano a relação com a PBH era pouco amistosa e tive a impressão que teríamos independência de poderes. Mas com o tempo a organização da base começou a me assustar. O que ainda prevalece é a cobrança de interesses específicos, o toma lá dá cá que é péssimo para a população”, diz Mateus Simões. A nomeação de aliados políticos é apontada pelo vereador Gabriel Azevedo como melhor exemplo para a continuidade da prática de conchavos políticos entre o Executivo e o Legislativo. “A atenção da prefeitura com os vereadores que compõe a base é diferente. Os que se comportam como o Executivo quer são mais atendidos”, diz o parlamentar.
Poucas semanas depois de os novatos assumiram suas cadeiras ficou claro que a relação com o Executivo seria turbulenta. Partiu do grupo de estreantes a mobilização para colher assinaturas para cobrar do prefeito Alexandre Kalil uma auditoria para analisar os gastos do transporte público em Belo Horizonte e revogar o aumento da passagem dos ônibus.
“Esse foi um ponto muito positivo que conseguimos logo no inicio dos trabalhos, cobrar do prefeito uma posição em relação à falta de transparência com os gastos no transporte. Abrir a caixa-preta da BH Trans”, analisou Rafael Martins. Kalil anunciou que seria feita a auditoria e que as apurações contariam com o acompanhamento dos vereadores e de movimentos sociais ligados ao transporte público. APBH não estipulou um prazo para o fim da auditoria.
Para o correligionário do prefeito, o vereador novato Wesley da Autoescola (PHS), divergências políticas acabaram se tornando uma barreira para o andamento de temas importantes na Casa de forma mais rápida, assim como o excesso de burocracia nos trâmites internos. “Discordâncias ideológicas e partidárias atrapalham os interesses da população. É preciso pensar no coletivo e não nos interesses próprios”, avalia o vereador.