A estratégica escolha do presidente Michel Temer por Raquel Dodge, a segunda colocada da lista tríplice para substituir o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acirra ainda mais o clima de guerra entre o atual comando do Ministério Público Federal e o governo. Quebrando tradição criada nos governos petistas, em 2003, de indicar o mais votado, Temer deixou de fora o subprocurador-geral da República Nicolao Dino, aliado de Janot, que terminou em primeiro lugar na votação. Além disso, a rapidez na indicação pretende enfraquecer as ações do atual PGR, já que ela é a perspectiva futura e ele se torna o passado.
“Ele jogou certo. Com a rapidez na indicação, ele coloca dois PGRs trabalhando ao mesmo tempo. E um não gosta do outro. Isso cria uma disputa interna na instituição considerável”, comenta um integrante do Ministério Público Federal que prefere não se identificar. Para ele, a montagem da equipe de Raquel indicará o caminho que deve seguir a gestão e uma das maiores preocupações é o rumo que ela dará para a Operação Lava-Jato. A partir de 18 de setembro, quando tiver a caneta na mão, ela poderá revisar ações penais e arquivar inquéritos abertos. “É ela quem vai, a partir de setembro, delimitar recursos, oportunidades e intercâmbios de procuradores. Ela que ditará o ritmo”, ponderou.
É consenso entre procuradores e analistas que a Lava-Jato é impossível de ser parada, mas a preocupação é em relação a uma “retaliação branca”, considerando a indisposição entre Raquel e Janot. Durante a campanha, ela declarou que reforçará as investigações, mas procuradores lembram momentos em que ela propôs medidas contraditórias. Em outubro de 2016, por exemplo, apresentou uma proposta que pretendia restringir a 10% o número de profissionais cedidos a outras unidades e limitar o prazo por quatro anos. Em abril, Janot pediu vista da proposta. “Neste caso, a crítica é injusta. A proposta veio de unidades que estão com ônus de procuradores e não mexe na Lava-Jato. Era uma burocracia interna da carreira que tomou uma proporção equivocada”, comenta o procurador regional da República Bruno Calabrich, que ficou satisfeito com a indicação de Raquel para ser a chefe do Ministério Público Federal.
O procurador da República Hélio Telho, integrante da força-tarefa, destaca que o fato de o presidente ter escolhido um dos três nomes da lista tríplice foi respeitoso e comenta que a procuradora tem legitimidade para representar a categoria. “Raquel tem uma inteligência privilegiada, uma carreira sólida e brilhante, conhece o MPF como poucos, está realmente muito bem preparada para o cargo. Foi uma ótima escolha, sem dúvida. Vamos ver o que o Senado diz agora”, afirma. O nome de Raquel terá de ser aprovado pelos senadores, que a submeterão a uma sabatina na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
Repercussão
A escolha de Raquel para chefiar o Ministério Público Federal repercutiu nos corredores do Congresso. Líderes da oposição criticaram o fato de Temer não ter indicado o primeiro nome da lista. Para o líder do PT, Carlos Zarattini (SP), a intenção foi desqualificar o trabalho de Janot. “Mais uma vez, Temer não está seguindo um republicanismo, pois prefere direcionar nomeações para pessoas de sua confiança, que possam salvá-lo em processos. É uma tentativa evidente de desqualificar Janot, de reduzir seu papel como se ele já estivesse demitido. Mas Janot tem até setembro e até lá é ele quem comanda”, pondera.
Já o líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), vê com tranquilidade Temer não ter escolhido o primeiro nome da lista porque “uma década não significa uma tradição”. “O presidente não foi o primeiro nem vai ser o último a escolher outro nome que não seja o mais votado da lista. Raquel preenche todos os requisitos para assumir o cargo. Foi uma eleição equilibrada e o próprio Ministério Público entende que qualquer um dos três tem condições de assumir o cargo”, afirma.
O caminho
De acordo com o artigo 383 do Regimento Interno do Senado, o processo de aprovação de Raquel Dodge para procuradora-geral da República passa pelas seguintes etapas:
» A indicação de Raquel precisa ser lida em plenário por um integrante da Mesa Diretora do Senado e encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
» O presidente da comissão definirá um relator, que analisará documentos e histórico profissional da escolhida pelo presidente da República. Não existe um prazo para a entrega do relatório.
» O relator apresentará o texto à comissão e, se achar necessário, pedirá informações adicionais à indicada.
» Após a leitura, são concedidas, automaticamente, vistas coletivas aos integrantes do colegiado e o relatório é divulgado no portal do Senado e aberto para a sociedade encaminhar informações sobre a indicada ou fazer perguntas a ela.
» Em um prazo mínimo de cinco dias úteis, a CCJ convocará a candidata para ouvi-la em arguição pública, conhecida como sabatina.
» Durante a arguição, cada senador terá 10 minutos para fazer perguntas. O tempo de resposta da sabatinada tem o mesmo prazo, sendo facultativo o direito a réplica e tréplica, ambas com cinco minutos.
» No fim, o relatório é votado e precisa ser aprovado por maioria absoluta dos senadores presentes em plenário. O voto é secreto.
» Aprovado ou rejeitado o nome, o parecer é encaminhado para apreciação do plenário.