São Paulo - Notas fiscais, contratos de serviços, mensagens de e-mail, registros de imóvel, laudos periciais e delações. Sem a transferência formal do tríplex do Guarujá (SP) de posse da construtora OAS para o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, essas foram as provas indiretas usadas pelo juiz federal Sérgio Moro na condenação do petista a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro que vão passar por um novo crivo na segunda instância, pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre.
"O artigo 317 do Código Penal define como crime de corrupção passiva solicitar ou receber vantagem indevida. Esses são os dois verbos nucleares desta ação e o grande ponto de discórdia. Vale lembrar que o grande debate do mensalão foi sobre a necessidade ou não do ato de ofício", disse Renato de Mello Jorge Silveira, professor de Direito Penal da USP e diretor do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).
"É justamente a ocultação ou a dissimulação da propriedade proveniente de crime o que caracteriza a lavagem de dinheiro. Ou seja, não é necessário provar que ele (Lula) é de direito dono do apartamento. Se o fosse não haveria lavagem", disse Gustavo Badaró, especialista em Direito Criminal e também professor da USP.
Na sentença, Moro afirmou que Lula cometeu os crimes entre 2009 e 2014, a partir da aquisição do edifício em nome da Bancoop pela OAS e com as reformas feitas pela empreiteira.
Estratégia
Os especialistas argumentaram que a defesa do ex-presidente Lula poderá tentar a prescrição da pena imputada ao petista caso os advogados consigam circunscrever os supostos crimes praticados ao período inicial da acusação. "Como o ex-presidente tem mais de 70 anos, o prazo de prescrição dos seis crimes, que é de 12 anos, caiu pela metade", explicou Silveira.
Segundo o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso, o TRF-4 vai examinar a sentença. "Vai examinar tudo. Os fatos, as provas, o direito, porque a apelação ao tribunal se examina a justiça da decisão. Tudo será reexaminado no julgamento da apelação, que pode alterar a pena, reformar a sentença ou confirmá-la."
Para o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio Thiago Bottino, começa um "novo jogo". "Os desembargadores farão a mesma coisa que o Moro fez, mas é como se o jogo recomeçasse zero a zero. Agora, o Lula pode ser absolvido no caso do tríplex, pode ser condenado no caso do armazenamento de bens. As possibilidades estão abertas."