Curitiba, 16 - Na última semana, dois advogados contratados pelo ex-ministro Antonio Palocci para negociar delação premiada com a Operação Lava Jato se reuniram com procuradores da República, no QG da força-tarefa, em Curitiba. Há poucos quilômetros dali, na sede da Polícia Federal, um delegado ouviu, mais uma vez, depoimento do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Também candidato a delator, o ex-deputado promete revelar fatos comprometedores contra o presidente da República, Michel Temer.
Peças importantes para a Lava Jato nas apurações de envolvimento de lideranças do PT e do PMDB, com foro privilegiado, em crimes de corrupção, os dois candidatos a delatores correm contra o relógio para fechar acordo com o Ministério Público Federal, antes da troca de comando na Procuradoria-Geral da República - que acontece em setembro.
Criminalistas e procuradores ouvidos pela reportagem avaliaram que não há garantia para as negociações em andamento, que os termos tratados com a equipe de Rodrigo Janot sejam mantidos, com a posse da nova procuradora-geral, Raquel Dodge. Ela foi nomeada por Temer - denunciado há dez dias à Justiça, após a delação do Grupo J&F - para o cargo nesta semana, após sabatina no Senado.
Além de políticos - núcleo que tem menor porcentual de colaboradores, entre os 158 -, estão na fila de candidatos a delatores: operadores de propinas, como Adir Assad, agentes públicos, como o ex-diretor da Petrobrás Renato Duque, e executivos de empreiteiras como a OAS, Engevix, Queiroz Galvão, Mendes Júnior e EIT. Há ainda as que estão em processo de recall de acordos já homologados, como a Andrade Gutierrez. Para eles, é incerto o rumo das negociações, depois de setembro.
Temos uma corrida contra o relógio porque ele só fica até o dia 17 de setembro, disse o criminalista Marcelo Leonardo, que representa a Mendes Júnior.
É natural que os candidatos à colaboração tenham alguma incerteza e ansiedade em relação ao futuro e busquem garantir a realização dos acordos logo, afirmou o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
Palocci contratou há dois meses os criminalistas Adriano Bretas e Tracy Reinaldet para negociar delação. As tratativas estão em fase prévia, que antecede o início oficial de negociações, e até aqui o conteúdo oferecido é considerado fraco. Cunha contratou o advogado Délio Lins e Silva e aposta suas fichas em um acordo com a PGR.
Advogado de pelo menos dez delatores da Lava Jato, o criminalista Antonio Figueiredo Basto, defensor de Duque, também enxerga um cenário incerto.
Agora, existe uma questão importante que é a segurança jurídica. Não pode haver mudanças, porque ninguém pode ficar à mercê da boa ou má vontade do Ministério Público em fazer ou não um acordo.
Dallagnol não comenta negociações - a cláusula primordial das delações é o sigilo -, mas lembrou que Raquel Dodge assegurou o apoio à Lava Jato. Como as colaborações são o motor da operação, acredito que ela valorizará o emprego desse instrumento e garantirá um ambiente de segurança essencial ao instituto.
Limite da lei
Na sabatina no Senado, ao ser questionada sobre a imunidade concedida pelo Ministério Público a delatores, em uma referência ao acordo firmado por Joesley Batista, do Grupo J&F, Raquel defendeu a delação premiada sempre no limite da lei.
(A vantagem) Deve estar em proporção com a colaboração. Aquele que colabora mais ganha uma vantagem maior. Mas sempre no limite da lei, disse ela, lembrando ainda que a delação premiada não é uma invenção recente da legislação e chegou a utilizar o instrumento em investigações na década de 1990.
A novidade, segundo ela, é a sua regulamentação. Principal pilar que sustentou a expansão das investigações da Lava Jato nesses quase três anos e meio de apurações, o instituto da delação vive seu momento de maior contestação em razão do acordo firmado com os delatores da J&F.
Decisão recente do Supremo, que confirmou a validade do acordo e a competência do relator do caso, ministro Edison Fachin, foi considerada uma vitória pelos representantes do Ministério Público Federal. Para procuradores, a garantia de que os termos contratados entre o colaborador e o MPF devem ser mantidos, deu segurança jurídica para os delatores e suas defesas.
O Estado de S. Paulo.
(Ricardo Brandt, enviado especial).