Brasília – Os 489 parlamentares que têm processos correndo no Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes comuns, como corrupção, roubo e lavagem de dinheiro, podem respirar tranquilos, pelo menos por enquanto. O fim do foro privilegiado, embora tenha avançado no primeiro semestre, ainda é uma realidade distante, avaliam especialistas.
A proposta de emenda à Constituição (PEC) que pretende acabar com tratamento judicial especial em relação a crimes comuns para quase 55 mil políticos e agentes públicos não tem data para sair da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, onde está desde o início de junho, ainda sem relator.
Além de ser um tema pouco priorizado pelos deputados, a proposta esbarrou na tumultuada análise da denúncia por corrupção passiva contra o presidente Michel Temer.
De maio até o fim do semestre passado, as atenções do Congresso Nacional ficaram voltadas ao arquivamento da denúncia, esforço que esgotou boa parte do capital político do governo, cada vez mais escasso.
Agora, em meio às pendências relativas às reformas tributária, previdenciária e política, entre outros temas focados principalmente no ajuste fiscal, a agenda do próximo semestre legislativo não deve ter espaço para continuar o debate sobre o foro privilegiado.
Quanto mais o tempo passa, menores as chances de que o assunto seja colocado em pauta pelos deputados, que tentarão retardar a votação da matéria, avaliou o cientista político Murillo de Aragão, da Arko Advice.
“A forma como a proposta passou pelo Senado deve prevalecer na tramitação na Câmara, favorecendo aos políticos, de certa forma. Eu não sei se é do interesse dos deputados avançar nessa questão, não vai andar se não houver uma pressão por parte da população”, observou.
O cientista político Everaldo Moraes ressaltou que, diante da crise política, o governo deve se concentrar nas matérias vistas como prioritárias, lista na qual não entra o foro privilegiado.
“Os deputados governistas dificilmente gastarão o pouco capital político que têm fazendo mudanças que não os beneficiarão”, explicou.
De acordo com levantamento feito pelo ministro Luís Roberto Barroso, uma denúncia na primeira instância é aceita 88 vezes mais rápido do que no Supremo, para onde vão as ações contra os parlamentares. A demora, em média, é de mais de 600 dias para aceitá-la.
Além disso, mesmo que o presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco, indique o relator e coloque a pauta em votação pelo colegiado assim que o recesso parlamentar acabar, em 1º de agosto, a matéria ainda tem muito caminho a percorrer antes de sair do papel.
Por isso, independentemente da boa vontade dos parlamentares, as chances de que o foro mude até as eleições de 2018 são mínimas, alertam os especialistas.
“O projeto só seria concluído a partir de outubro, porque precisaria passar pela CCJ e por uma comissão especial antes de ir ao plenário”, explicou o consultor Antonio Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Prisão
O foro privilegiado permite que as autoridades sejam julgadas por instâncias superiores. As únicas exceções previstas pela PEC, de autoria do senador Álvaro Dias (PV-PR), são o presidente e o vice-presidente da República, os presidentes do Senado e da Câmara, e os ministros do STF.
A proposta aprovada pelos senadores também prevê que um juiz de primeiro grau poderá decretar a prisão de um parlamentar, mas caberá à Câmara ou ao Senado analisar a medida em 24 horas.
Na visão do cientista político Murillo de Aragão, o foro privilegiado deve ser limitado aos atos praticados em decorrência do mandato.
Casos corriqueiros e quaisquer infrações que a autoridade cometa que não seja relacionada ao exercício do cargo, devem ser tratados como uma questão típica do direito penal e julgada pela 1ª instância.
A mudança proposta impactaria não apenas na vida dos políticos que já estão sendo investigados, mas também nas prerrogativas de quase 55 mil autoridades que são beneficiadas, sendo que 513 dessas autoridades são deputados federais.
É deles que depende, agora, a aprovação da PEC. Pelo menos 308 deputados precisam ser favoráveis à mudança em dois turnos no plenário.