O governo escapou da denúncia por corrupção passiva contra o presidente Michel Temer e quer aproveitar os 263 votos favoráveis — foram 227 contra e duas abstenções, totalizando 492 deputados presentes — para voltar a sonhar com a aprovação da reforma da Previdência. O primeiro passo será reunificar o PSDB, legenda na qual 22 deputados defenderam Temer e 21 apoiaram a autorização para que o Supremo Tribunal Federal (STF) investigasse o peemedebista. O placar final da votação incluiu 10 ministros que se licenciaram e retornaram à Câmara para barrarem a denúncia contra Temer feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
“A partir de agora, temos de esquecer a política pequena e nos concentrar em coisas que mudem a vida dos brasileiros, como a reforma da Previdência, as mudanças no sistema tributário e outras medidas que aumentem o emprego e a renda das pessoas”, declarou o ministro da secretaria de governo, Antônio Imbassahy, que articulou durante a votação e sinalizou a possibilidade de o governo colocar a reforma tributária na frente da previdenciária.
Antes do escândalo da JBS, em maio, o governo acreditava ter cerca de 280 votos favoráveis às mudanças nas regras da aposentadoria. Queria pelo menos mais 50 apoiadores para ter uma margem mínima de segurança. Agora, terá de se esforçar muito mais para conseguir aprovar as novas regras para a aposentadoria. “Eles vão dizer que vão aprovar, mas não vão. Essa reforma da Previdência não passa aqui”, disse o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP). A oposição também comemorou os 227 votos obtidos.
Para especialistas, a vitória do presidente Michel Temer ainda não confirma a retomada das reformas no Congresso, uma vez que a margem de votos não foi muito grande. “É cedo para dizer que as reformas vão avançar, porque a PGR promete enviar mais duas denúncias. Tudo vai depender dos bambus e das flechas que Rodrigo Janot vai ter”, afirmou o cientista político e professor do Insper, Carlos Melo.
A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, também não demonstrou otimismo. Ela alertou que as chances de êxito serão maiores se a tramitação for mais célere. “Se a agenda da reforma ficar para o final do ano e se depender de 2018, não será possível, já que é ano de eleição”, destacou.
Na prática, o Planalto só terá condições de conduzir medidas que não passariam pelo Congresso, como temas microeconômicos, melhoria de processos burocráticos e eficiência. “Além disso, vai começar a discussão também da reforma política, que precisa ser apreciada. É um tema que deve aparecer antes do final do ano, principalmente o debate sobre o financiamento de campanha”, disse.
Para Hugo Monteiro, analista de investimentos da BullMark, o mercado trabalha com a necessidade de a reforma da Previdência ser aprovada, com Temer ou sem Temer. “A discussão da meta fiscal, que deve ser revista, apesar de não tirar a credibilidade da equipe econômica, porque a mudança é importante para controlar o crescimento do gasto público”, destacou.
O professor de ciência política do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) Geraldo Tadeu Monteiro avaliou o resultado como uma vitória de Pirro. “Em uma matéria dessa gravidade, de vida ou morte para o governo, ele conseguir um pouco mais que a maioria simples da Câmara. A gente vive agora a situação de um governo com uma base frágil e pouquíssimo apoio para tocar as reformas. O custo unitário do apoio de cada parlamentar vai ficar cada vez maior e o governo, mais dependente deles.”
Crise
Aliviado após a vitória do governo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) defendeu que está na hora de “o Brasil olhar para a frente”. “Temos um país que vive em crise profunda. Precisamos produzir, ver as reformas que serão viáveis. Mudar a política e, claro, prestar atenção na reforma tributária.”
Ainda segundo Maia, embora o clima seja de otimismo, certas coisas precisam ser vistas e, para isso, ele declarou ter “certeza” do apoio do presidente. Uma das mudanças envolve o apoio dos parlamentares na Casa. “É necessário reorganizar a base, claro. Fazer alianças com o PSDB, que apoia as reformas, e buscar proximidade com o Executivo.”
Ao longo da crise, comentou-se que Maia teria trabalhado pela derrubada de Michel Temer. Se isso acontecesse, até o fim do ano que vem, ele seria chefe do Executivo. “Eu não sou novo, mas sempre temos oportunidade de passar por momentos de aprendizado. E a gente aprende com erros e acertos. Ao longo desse processo, algumas pessoas no entorno do presidente agiram de maneira muito errada comigo, mas o tempo é capaz de curar tudo isso”, concluiu.