Jornal Estado de Minas

Acordos de delações estão paradas esperando a troca de comando da PGR


Três meses após o estouro da delação da JBS, que provocou estragos na relação do presidente Michel Temer com o Congresso, nenhuma outra colaboração premiada avançou ou provocou tremores no cenário político brasileiro. A que se encontra em estágio mais avançado é a do doleiro Lúcio Funaro. Todos os demais advogados pisaram no freio à espera da troca de guarda no Ministério Público Federal. E que a chegada de Raquel Dodge dê um novo rumo ao destino dos réus.
 

A esperança é de que, por ter uma base criminalista forte e ser mais garantista, Dodge torne mais fácil o debate sobre a concessão de habeas corpus, em um momento no qual o Supremo Tribunal Federal começará a questionar a validade de prisões em segunda instância. “Vai acabar aquela ânsia de ter que delatar para escapar da cadeia”, afirma um jurista que acompanha o caso.

Janot, diferentemente de Dodge, tem sua atuação mais concentrada na área civil. Mas interlocutores sabem que os passos da futura procuradora precisam ser cuidadosos, para que ela não seja acusada de querer enterrar a Operação Lava-Jato. “Ela errou ao encontrar-se com Michel Temer fora da agenda. Por isso, precisa ser cautelosa”, alertou um procurador.

Desde o polêmico acordo firmado por Joesley Batista, pouca coisa avançou no campo das delações, que já foram uma arma fundamental nas investigações da Operação Lava-Jato.
Uma das poucas que deve ser homologada antes da saída de Rodrigo Janot é a do doleiro Lúcio Funaro. As demais entraram em regime de hibernação ou serão feitas dentro de parâmetros muito mais conservadores.

É o caso da delação da OAS, por exemplo. A ideia inicial era que fossem escolhidos 50 delatores, mas agora o número deve passar em pouco dos 20. Com isso, o texto ficará mais conciso, o que facilitaria a homologação pelo Ministério Público e pelo Supremo Tribunal Federal. Para as empresas, é fundamental o fechamento das delações dos executivos, como uma maneira de facilitar acordos de leniência que permitam a volta delas ao mercado.

“Malfeitos”

Funaro está bem adiantado em sua delação e leva vantagem em relação ao ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Acertou os ponteiros com o Ministério Público Federal antes e, como as revelações dele e de Cunha tendem a ser as próximas, o peemedebista perdeu a primazia. Além disso, Cunha estaria muito disposto a entregar “malfeitos” dos outros, mas nenhuma disposição para admitir os próprios crimes.
Por isso, o Ministério Público resiste a fechar um acordo com o ex-presidente da Câmara.

No caso do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, o problema é outro. O petista já admitiu que seu sucessor, Guido Mantega, negociava informações secretas de política econômica com os bancos. Mas não sinaliza o mesmo ímpeto para aprofundar-se em eventuais crimes cometidos por Lula e Dilma. “Ele não quer comprar briga com Lula e com o PT”, resumiu um jurista que acompanha as negociações.

Há quem considere que os próprios termos que ampararam o acordo da JBS desmoralizaram o instituto da delação. “Depois disso se multiplicaram as acusações de falhas em depoimentos, questionamentos quanto à postura dos procuradores. Além disso, o fato de os delatores não terem tido qualquer tipo de punição gerou um desconforto em todos os envolvidos na Lava-Jato”, acusou um adversário de Janot.
 
Efeitos no mercado

A JBS voltou a recuperar o mesmo patamar econômico que tinha antes da delação premiada dos irmãos Wesley e Joesley Batista. “É um grupo muito forte, comanda o mercado e pode regular a própria produção para garantir o preço que lhe interessa”, reconheceu um integrante do mercado financeiro.
 
Ficou para trás o temor dos integrantes da holding de que seria necessário desfazer de alguns ativos para não afundar. Nem mesmo o fato de o presidente Michel Temer ter escapado da denúncia apresentada por Rodrigo Janot parece abalar a confiança no futuro da JBS.
“Eles continuam muito maiores e mais sólidos que seus concorrentes”, garantiu um empresário do setor de alimentos.
 
Os investidores também estão menos preocupados com possíveis oscilações decorrentes da Operação Lava-Jato. Ontem, por exemplo, a operação que envolveu o governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria, não provocou abalo nas bolsas nem no preço do dólar.
 
Segundo um investidor, em 2014 e 2015, quando estouravam operação da Polícia Federal, os agentes econômicos corriam para os terminais para entender o que estava acontecendo. Aos poucos, com o avançar dos meses e a repetição das operações,  as turbulências passaram a ser precificadas..