Um dia após o governo aumentar em R$ 20 bilhões o rombo da meta fiscal e anunciar cortes em vários setores, inclusive, no reajuste do salário mínimo para o ano que vem, deputados passaram a quarta-feira (16) montando estratégias para justificar a criação de um fundo público de financiamento de campanha eleitoral.
Previsto inicialmente para chegar a R$ 3,6 bilhões, ao longo do dia, o valor caiu para R$ 2 bilhões e, no fim, os parlamentares jogaram a polêmica da definição da cifra e da origem dos recursos para depois.
A missão caberá à Comissão Mista de Orçamento, em dezembro.
Por meio de um acordo entre os líderes partidários, o plenário fatiou a proposta e debateu apenas o texto-base da reforma política — sem os destaques —, que prevê o mandato dos membros dos tribunais superiores, mudanças nas datas de posse e o ainda controverso financiamento de campanha.
“Para tirar da sociedade é fácil. Cortam salários e fazem mudanças. Na hora de criar um fundo bilionário que beneficia o Legislativo, ocorre na mesma rapidez. A diferença é que, esta Casa, que devia prestigiar o povo, só toma decisões contra ele”, disse o deputado Glauber Braga (RJ), líder do PSol.
Destaques importantes, como o “distritão” e o próprio financiamento das campanhas, foram jogados para a semana que vem, conforme antecipou o Correio. Embora tenha ido a plenário, a PEC 77/2003 não foi votada porque um requerimento de encerramento de discussão foi aprovado com 361 votos.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerrou a sessão, alegando ainda a falta de quórum. “Não dá para votar com 430 pessoas aqui dentro”, disse Maia. Os trabalhos recomeçam na próxima terça-feira.
Consultados pela reportagem, assessores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirmaram que o fato de a definição dos valores e a origem do fundo terem ficado para dezembro não fere as regras eleitorais de alterações até um ano antes da eleição. Para valer no pleito do ano que vem, basta ser criado até outubro, os detalhes podem ser discutidos depois.
Senado
Apesar de a reforma política ainda estar na Câmara, os senadores tiveram grande participação nos debates. O recado de que o fundo não passaria na Casa foi enviado logo cedo ao plenário vizinho.
O relator da reforma política, Vicente Cândido (PT-SP), foi convidado a almoçar no gabinete do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), com o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e o senador Jader Barbalho (PMDB-PA).
O grupo avaliou que, com a revisão das metas de deficit e os indicadores econômicos deteriorados, é impossível convencer o eleitorado a doar para eleger a atual classe política.
A recusa do Senado em relação ao tema fez o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, rever a decisão de colocar a reforma toda em votação.
Em reunião com parlamentares próximos, afirmou que não poderia permitir esse desgaste à Câmara.
“Não podemos deixar que eles apareçam como os bonzinhos que derrubaram o fundão aprovado por nós”, disse Maia a colegas.
Para Eunício Oliveira, o melhor seria o retorno do financiamento privado de campanha, mas correligionários entendem que a mudança é inviável.
“Com a Lava-Jato aí, quem vai doar alguma coisa para os políticos? Tudo vai ser rastreado e vão querer saber de onde veio cada centavo”, disse Renan Calheiros.
Por isso, o ex-presidente do Senado defende um modelo misto: financiamento por empresas — com regras e limites claros — e público. A ideia deve nortear os debates quando a proposta chegar ao Senado.
Críticas
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é contrária à reforma política que tramita na Câmara.
De acordo com o presidente da entidade, Claudio Lamachia, a mudança mais grave é a que prevê a possibilidade de se ocultar doações de pessoas físicas em campanhas eleitorais.
A proposta permite ao doador pedir que o nome seja ocultado, com acesso apenas da Justiça Eleitoral e de órgãos de controle.
“Se a medida for aprovada, vamos levar ao STF. A ocultação do nome dos doadores fere princípios constitucionais e até mesmo a moralidade”, destacou.