Jornal Estado de Minas

Ganhos acima do teto, vantagens e subsídios: o salário de um juiz


Mesmo neste momento de decisões tensas no Executivo — por conta do recém-anunciado pacote que congelou reajustes negociados e do corte drástico nas despesas com pessoal e custeio —, os salários no Judiciário continuam uma caixa-preta. Mesmo com a Lei de Acesso à Informação (LAI 12.527), que criou mecanismos para qualquer pessoa receber esclarecimentos dos órgãos públicos, os dados do poder continuam trancados.

O economista Gil Castello Branco, presidente da Associação Contas Abertas, apontou que, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), por exemplo, as tabelas de detalhamento da folha de salários estão em 201 páginas, em PDF e sem ordem alfabética.

"Em março de 2017, de uma amostra de 287 desembargadores, 256 tiveram rendimentos líquidos acima de R$ 50 mil, após os descontos. Um deles amealhou R$ 107,4 mil, quando o teto (subsídio do ministro do Supremo Tribunal Federal) é de R$ 33,7 mil", explica o especialista. Os megassalários são consequência do chamado "extrateto", série de penduricalhos "legalmente" instituídos.

“Tudo o que não se tem é transparência. Quando se busca salários e benefícios pela LAI, os dados não são consolidados. É preciso pesquisar nome a nome”, declarou Castello Branco. Seis anos após a LAI e diante de constantes denúncias de ganhos astronômicos, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministra Cármen Lúcia, determinou o envio, em 10 dias úteis, de informações “especificando os valores relativos a subsídio e eventuais verbas especiais de qualquer natureza e o título sob o qual foi realizado o pagamento”. O prazo termina em 31 de agosto.

Até especialistas em finanças públicas pouco têm acesso aos números.
Pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV), em 2014, pediram a 40 tribunais dados sobre remuneração, vantagens pessoais, subsídios, indenizações e benefícios eventuais de cada magistrado. Apenas 25 responderam. Desses, somente cinco explicaram objetivamente os números. Segundo Rafael Velasco, coordenador do estudo e pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV (CTS-FGV), “é evidente a resistência dos tribunais”. Em recente pesquisa, em 4 de agosto, Velasco voltou a analisar os sites dos TJs do país, com o usou cinco itens. Com base nisso, criou um ranking dos melhores e piores em termos de transparência (Leia quadro). O TJDFT ficou com 4 pontos.

Um especialista em contas públicas revelou que a viúva de um desembargador do Tocantins recebeu quase R$ 700 mil somente de vantagens eventuais em dois anos (2012 e 2013) e embolsou quase R$ 1,2 milhão, entre subsídios e outras verbas.
Nesse órgão, havia juízes com R$ 500 mil de vantagens eventuais em 12 meses. Em 2017, ao analisar a folha de pagamento dos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, constatou que todos têm “vantagens pessoais” de R$ 5 mil a R$ 8 mil.

Integração


Apesar das evidências, os magistrados negam os excessos. O presidente da Ajufe, Roberto Veloso, disse que, na Justiça Federal, ninguém ganha mais do que o permitido em lei. “Está tudo definido. Não há dificuldade em encontrar os dados”. Veloso reconheceu as discrepâncias nos vencimentos de juízes estaduais, mas  fez um requerimento para que o CNJ regulamentasse as mesmas vantagens para os federais. “Nós apresentamos o requerimento para informar que não estamos recebendo, enquanto os juízes do tribunal de São Paulo estão. Queremos igualdade, ou seja, que todos recebam ou ninguém.
A decisão é do CNJ”, afirmou.

A vice-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Julianne Marques, explicou que existem as verbas indenizatórias. “São diárias de viagens, auxílio-moradia. Há casos em que podemos ter ganho alguma ação judicial sobre, por exemplo, imposto indevido cobrado sobre auxílio-moradia”, ressaltou. Sobre as indenizações que podem fazer os rendimentos de juízes mais do que duplicarem em relação ao teto constitucional, Julianne citou: “Quando um colega se aposenta e tem férias que não gozou, o tribunal tem que indenizar.”.