Um mecanismo legal, amparado em uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2011, permitiu que 62,4% dos magistrados — 244 dos 391 juízes e desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) — recebessem mais do que o teto constitucional de R$ 33,7 mil no mês de julho.
A resolução, que vale para todos os tribunais e não apenas para o TJDFT, permite a juízes e desembargadores receberem uma indenização por férias não tiradas. Cada magistrado tem direito a 60 dias de férias por ano. Se, ao longo do exercício, eles não as tirarem — ou gozarem apenas 30 dias — têm direito a pedir uma compensação financeira.
A regra, contudo, limita a indenização a apenas um período. Por exemplo: um juiz que deveria tirar férias em setembro/outubro de um ano e marcou apenas em um dos meses poderá pedir o pagamento correspondente ao outro mês.
Se trabalhar direto, sem interrupção, ainda assim, só poderá pedir o valor referente ao período de 30 dias. Essa possibilidade justifica os valores acima do teto encontrados pelo Correio, em pesquisa feita no Portal da Transparência. O salário de um juiz da Vara de Registros Públicos do DF chegou a R$ 92,18 mil no mês passado.
Em junho, mês no qual não existe tradição de férias, ainda assim foram encontradas distorções, embora em escala bem menor: 13,8% dos juízes e desembargadores receberam acima de R$ 33.763, sendo o maior rendimento líquido de R$ 55.749,65 referente a um juiz substituto da 8ª Vara Criminal de Brasília. Procurada, a assessoria do TJDFT amparou-se, ainda, em uma portaria conjunta de número 23, de 4 de abril de 2013, que regulamentou que “o magistrado que tenha dois ou mais períodos de férias acumulados por estrita necessidade do serviço poderá requerer indenização de apenas um período por exercício”.
Além disso, a assessoria destacou que os recursos do tribunal são responsabilidade da União, e não do governo do Distrito Federal. Logo, os salários se equiparam aos Tribunais Regionais da Justiça Federal, e não aos dos demais TJs estaduais.
O fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, lembrou que, apesar de o teto salarial estar definido na Constituição de 1988, o cumprimento na folha de pagamento é uma discussão antiga e que, há quase 30 anos, o país debate o assunto.
Para ele, as remunerações que excedem o valor máximo estabelecido são imorais e, como se trata de dinheiro público, os valores deveriam ser divulgados de forma clara e transparente.
“A sociedade tem todo o direito de saber quanto e a título de que são essas remunerações. É preciso uma qualificação das parcelas. A intenção do STF ao obrigar os tribunais a divulgarem detalhadamente a folha de pagamento dos magistrados é passar um pente-fino para definir o que é considerado permitido dentro do teto”, disse.
Ao todo, em Brasília, são 391 desembargadores e juízes atuantes no TJDFT. Em julho, 244 receberam um rendimento líquido maior que o limite constitucional.
O valor mais alto encontrado para o cargo de desembargador foi de R$ 76.323,66, R$ 42.560 a mais do que o estabelecido como limite.
As remunerações excedentes têm um amparo legal, pois, em cada um dos tribunais, os salários se mantêm dentro do definido e o valor excedente é justificado pela incorporação de vantagens eventuais, auxílios e benefícios, parcelas que não são especificadas e definidas.
“Artifícios”
Castello Branco explicou que, provavelmente, o detalhamento na folha de pagamento do Supremo afetará o Judiciário como um todo e também os outros poderes, já que não terá sentido que os magistrados dos demais tribunais brasileiros recebam valores superiores aos de ministros do Supremo Tribunal Federal.
“Espero que a ministra Cármen Lúcia siga adiante com a cobrança e as ações que tomará em consequência da decisão estabelecida. Dessa forma, a Suprema Corte servirá de exemplo e esses artifícios e vantagens, aos quais eu chamo penduricalhos, poderão ser eliminados e teremos uma maior e melhor transparência”, afirmou.
O TJDFT assegurou, por meio da assessoria de imprensa, que obedece rigorosamente ao limite do teto constitucional e o servidor/magistrado que receber valores mensais superiores aos delimitados terá em sua remuneração a incidência da retenção.
Segundo a nota, os valores registrados acima do teto dizem respeito a verbas eventuais, pagas uma única vez, e não ao vencimento/subsídio mensal.
“As vantagens eventuais são as previstas na Resolução do CNJ nº 102 e apresentam apenas valores brutos, ou seja, sem a incidência dos descontos compulsórios. São informações que variam ao longo dos meses, uma vez que estão aglutinados valores relativos a um terço constitucional de férias, indenização e antecipação de férias, gratificação natalina, antecipação de gratificação natalina, e outros. Ressaltamos ainda, que, em conformidade com o artigo 8º da Resolução CNJ nº 13, de 21 de março de 2006, algumas parcelas percebidas mensalmente por magistrados e por servidores deste Tribunal não se submetem ao controle de teto constitucional.” O presidente do TJDFT não quis manifestar-se sobre o assunto.
* Estagiárias sob a supervisão de Roberto Fonseca