Milhões de reais deixam de entrar nos cofres da Previdência Social e do Tesouro Nacional simplesmente porque uma bolada recebida por um seleto grupo de servidores não sofre o desconto previdenciário nem do Imposto de Renda. São as chamadas verbas “indenizatórias” recebidas por integrantes do Judiciário e do Ministério Público, tais como auxílio-moradia, auxílio-saúde, auxílio-livro e outros benefícios que não são especificados nos contracheques. O Estado de Minas analisou uma única folha de pessoal do Tribunal de Justiça e do Ministério Público, o que totaliza 2.970 desembargadores, juízes, procuradores e promotores ativos, aposentados e pensionistas. Se tributadas todas as verbas recebidas, algo em torno de R$ 30 milhões teriam sido recolhidos a mais em impostos nos meses analisados.
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Maioria dos promotores e procuradores de Minas recebe salários acima do tetoTribunal de Justiça de Minas paga acima do teto para 98% dos juízesSalários do Judiciário extrapolam teto previsto em lei, de R$ 33,7 milAGU inicia discussão sobre auxílio-moradia pago no Judiciário e MP TJ de Minas vai gastar R$ 598 mil com curso para juízesTJ de Minas vai vender 41 veículos de sua frotaMagistrados e servidores do TJ de Minas terão que declarar bens para o CNJMagistrado brasileiro custou, em média, R$ 47,7 mil por mês em 2016, diz CNJDe acordo com ele, uma indenização é algo que deve ser recebido para reparar uma “injustiça” – o que certamente não inclui verbas para morar, dinheiro de férias, pagamentos retroativos ou acúmulos de função. “Todos têm natureza de remuneração”, sentencia. A pedido da reportagem, o IPBT fez cálculos para mostrar a “regalia financeira” desses contribuintes.
O maior contracheque do TJ mineiro em julho foi pago a um juiz de entrância especial: de um salário bruto de R$ 470.049,97, ele embolsou R$ 461.153,91. O montante foi calculado levando em conta o subsídio de R$ 28.947,55, indenizações de R$ 3.624,23 e vantagens eventuais de R$ 436.947,33. Sobre o bruto, ele teve um desconto de R$ 8.896,06 (somados a previdência de R$ 2.575,79 e IR de R$ 6.320,27). Pois o que aconteceria se um trabalhador da iniciativa privada recebesse essas mesmas verbas? Sem dependentes, o dono do contracheque pagaria R$ 608,44 de INSS (no Regime Geral há um teto de contribuição) e exatos R$ 127.475,25 de Imposto de Renda. Ou seja, o líquido cairia para R$ 341.966,28.
Cálculo semelhante foi feito com o maior salário pago em maio no Ministério Público mineiro. Trata-se de um procurador que recebeu brutos R$ 83.440,11 e líquidos R$ 75.929,91 (descontados IR e Previdência). O contracheque se baseou no subsídio líquido de R$ 22.960,91, indenizações de R$ 18.465,88 e “remunerações retroativas ou temporárias” de R$ 34.503,12.
MULTA Segundo Eloi Olenike, a inclusão de verbas que deveriam ser taxadas como “indenizatórias” é muito comum no poder público, mas existe também na iniciativa privada. Caberia então à Receita Federal, durante a declaração de Imposto de Renda, verificar a natureza dos benefícios. Mas não é tarefa fácil. “Possivelmente, a Receita não deve fazer esse questionamento porque o trabalhador tem o contracheque classificando a verba como indenizatória”, explica. De toda forma, uma possível multa seria aplicada à empresa ou órgão que paga o salário, e não ao trabalhador.
Além de isentá-los de impostos, as indenizações servem para que os magistrados e membros do MP recebam contracheques acima do teto permitido no serviço público no país: atualmente R$ 33,7 mil mensais. Para ter uma ideia, em maio, dos 1.028 promotores e procuradores de Justiça de Minas Gerais, 894 receberam acima de R$ 33,7 mil. Já no TJMG, 1.610 magistrados receberam acima desse teto em julho.
Reforma tributária permitirá cobrança
Se aprovada sem modificações, a reforma tributária em tramitação na Câmara dos Deputados permitirá o pagamento do Imposto de Renda sobre qualquer tipo de parcela indenizatória, por meio de uma alteração no artigo 150 da Constituição Federal. “Determinamos a cobrança do Imposto de Renda sobre o valor das verbas indenizatórias que superem o gasto ou patrimônio indenizado, acabando, assim, com estratagema comum de travestir renda em pretensas indenizações não tributáveis para fugir do pagamento do imposto”, escreveu o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), relator da reforma.
A minuta com os principais pontos da reforma tributária foi apresentada por Hauly em comissão especial no último dia 22.
HARMONIZAÇÃO De acordo com Luiz Carlos Hauly, no bolo das alterações propostas na reforma tributária, a taxação sobre as verbas indenizatórias pode até não representar um valor tão significativo, mas já é um começo. “Se ganhou a renda, tem que tributar mesmo. A Justiça ou o próprio Supremo Tribunal Federal podem até decidir que não pode cobrar o imposto sobre as indenizatórias, mas não vejo a razão disso”, afirma o parlamentar. “O que estamos apresentando é um conceito de harmonização internacional. Não estamos inventando nada”, justifica.
Em tramitação no Congresso há décadas, o objetivo da reforma é reestruturar ao sistema tributário brasileiro, criado na década de 1960. Entre as propostas está a substituição de tributos estaduais por imposto sobre valor agregado (IVA) e imposto seletivo. Dessa forma, simplificar o atual sistema por meio da unificação de tributos sobre o consumo e aumentar gradativamente os impostos sobre renda e patrimônio..