Jornal Estado de Minas

Crise política vai pautar campeonato de debates na quinta-feira


Num país dividido pela política e com os ânimos acirrados, é quase impossível imaginar que alguém contrário ao governo do presidente Michel Temer (PMDB) se disponha a defendê-lo. Ou vice-versa. Pois essas pessoas existem e estarão reunidas no 4º Campeonato Brasileiro de Debates, marcado para quinta-feira (7), feriado da Independência, no Rio de Janeiro.

São jovens de todo o país que se dedicam à prática do debate como forma de criar no Brasil uma cultura de respeito e tolerância. Para isso, eles deixam de lado suas convicções pessoais para protagonizar uma disputa entre os melhores argumentos sobre os assuntos mais diversos.


Além do governo Temer, este ano, o evento vai discutir a crise na Venezuela, financiamento público, festas populares, delação o sistema tributário. Também haverá discussões que ultrapassam a questão política, como cirurgia de redesignação sexual, inteligência artificial e suicídio, além de um tema surpresa. Cada participante estuda sobre os temas, em média, 100 horas ao longo da preparação para o campeonato. As abordagens sobre cada tópico são reveladas somente no dia do debate.
Na hora, também é sorteado o posicionamento que as duplas competidoras deverão sustentar: oposição ou defesa.

Na final do campeonato de 2015, por exemplo, os concorrentes tinham que desenvolver argumentos contrários ou favoráveis à seguinte moção: “Esta Casa acredita que Tiririca faz bem à democracia brasileira”. No ano anterior, um dos temas foi “Esta Casa legalizaria o aborto”. Embora recente no Brasil, essa é uma tradição antiga no exterior, em especial em países europeus, onde se multiplicam sociedades de debate. O sistema parlamentar britânico é, atualmente, a principal referência de debates no mundo.

O Instituto Brasileiro de Debates (IBD), que nasceu na catarse das conturbadas manifestações de rua de junho de 2013, estima pelo menos 15 sociedades no país, movimentos que ganham força, principalmente, em Minas Gerais e no Ceará, que reúnem as três duplas campeãs brasileiras. Apesar das competições e dos torneios, o IBD encara os debates como parte de uma mudança na política brasileira. “Pensamos em uma política de conteúdo e discurso de qualidade. Queremos formar a próxima geração de legisladores do país”, afirma o presidente e fundador do IBD, o advogado mineiro Renato Ribeiro.

Os mineiros Bernardo Rabelo e João Sad, vencedores do campeonato de 2015, ganharam a disputa ao rechaçar a afirmativa de que o deputado federal Tiririca faz bem à democracia brasileira.
“Defendi, entre outros argumentos, que ele somente reporta o descrédito da política no Brasil. Ainda não tenho opinião formada sobre o tema, mas sempre temos que estudar os dois lados, pois não escolhemos o lado que vamos defender”, diz Rabelo, advogado recém-formado, que ainda não pensa em se arriscar em carreira na política.

“Existe uma cultura política de discursos superficiais no Brasil, assemelhando-se a uma conversa futebolística”, destaca o presidente do IBD. Segundo Ribeiro, não há qualquer tipo de orientação ideológica no instituto e a ideia é incentivar a diversidade de pensamentos, além de valorizar temas do cotidiano. “Ao investigar o outro lado, passa a descobrir as ressalvas e também desenvolve a tolerância, o respeito, a aproximação e a admiração mútua”, afirma.

CAMPEONATO DE DEBATES

Como é

. Os participantes concorrem em duplas.
. As duplas ficam sabendo 15 minutos antes do debate sobre a abordagem de cada tema e qual posicionamento deverão defender.
. Cada membro faz um discurso de sete minutos de duração.
. Os participantes poderão fazer observações ou perguntas durante os discursos dos membros das duplas opositoras.
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É proibido o uso de equipamentos eletrônicos

Temas

. Governo Michel Temer
. Tributação
. Crise na Venezuela
. Delação
. Financiamento público
. Festas populares
. Cirurgia de Redesignação Sexual
. Inteligência artificial
. Suicídio
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Tema surpresa

 

 


 ‘COXINHAS’ E ‘TILELÊS’


O exercício da tolerância é um dos desafios propostos aos estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), famosa pela divisão dos alunos entre “coxinhas”, com tendência conservadora, e  “tilelês”, considerados mais progressistas. Na Senatus, sociedade de debates da universidade fundada em 2014, eles se encontram todas as manhãs de sábado para construir argumentos favoráveis ou contrários sobre o que concordam ou não.

“Queremos oferecer uma qualificação discursiva no meio universitário. Por causa dos estereótipos, as pessoas têm dificuldade de ouvir o outro. Nos debates, você é obrigado a defender algo de que você discorda completamente. Isso te faz ver um outro lado e até mudar de ideia”, afirma a presidente do Senatus, Clara Carvalho, estudante do 8º período de direito. Ela mesmo revela ter repensado vários posicionamentos. “Era muito conservadora para muitas coisas. No caso do aborto, por exemplo, não sou a favor, mas hoje entendo quem é”, diz.

Além dos debates, os estudantes fazem leituras de textos de filosofia e política e têm aulas de teatro, oratória e postura corporal. Em ano eleitoral, eles assistem aos debates políticos para analisar a performance dos candidatos. “Vemos muitas vezes que os discursos são vazios”, ressalta.

No caso do campeão Bernardo Rabelo, que sempre teve facilidade em falar em público, o encantamento pelo universo dos debates ocorreu ao entrar para o Senatus.

Logo depois, num intercâmbio na Inglaterra, não teve dúvidas e continuou a participar de uma sociedade, chegando a ir ao campeonato mundial de debates, na Grécia. “Ao entrar em contato com os argumentos, você passa a compreender melhor os assuntos e a buscar candidatos com ideais mais alinhados com os meus. Em um dos campeonatos, discutimos cotas para mulheres em cargos legislativos. Esse debate me tornou mais disposto a votar em mulheres”, conta.

Atuais campeões brasileiros de debate, os estudantes de direito cearenses Matheus Casimiro, de 22 anos, e Sophie Poch, de 21, tentam nesta semana o bicampeonato, na última competição de que participarão. Matheus Casimiro reforça que os prêmios da prática discursiva vão muito além dos troféus. “Era muito tímido, gaguejava e foi uma oportunidade para diminuir minha timidez. Também é um exercício de tolerância, de sair da zona de conforto para mudar meu ponto de vista”, ressalta. Depois de debater sobre candidatura avulsa (quando não é preciso se filiar a um partido), por exemplo, Casimiro acabou mudando de ideia. “Era contrário a isso”, diz.

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