Jornal Estado de Minas

Entenda o que está em jogo com a investigação das delações da JBS


Uma gravação de quatro horas de duração, entregue pela defesa do empresário Joesley Batista à Procuradoria-Geral da República na última quinta-feira (31), provocou um turbilhão político no começo da noite desta segunda-feira (4).

O conteúdo do áudio, que permanece em sigilo, pode culminar na suspensão do acordo de delação premiada firmado com executivos do grupo J&F, que controla a JBS, e também coloca a PGR e o Supremo Tribunal Federal (STF) no centro das denúncias da Lava-Jato. De acordo com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, dois delatores fazem “referências indevidas” ao Ministério Público Federal e ao STF em uma conversa.

Em uma coletiva de imprensa, convocada às pressas, Janot detalhou os arquivos recebidos e classificou como “gravíssimos” os fatos descobertos. Os arquivos foram entregues na quinta-feira e o MPF montou uma força-tarefa para analisar o conteúdo. “Colocamos todo mundo em regime de plantão.

Na sexta de manhã, à tarde e à noite, os servidores trabalharam. Uma colega ouviu esta gravação domingo pela manhã, no anexo de um processo que envolve um parlamentar e que não tem nada a ver com isso. O áudio é muito grave. Revela uma conversa entre dois colaboradores, que, ao que parece, não sabiam que estavam sendo gravados e fizeram referências indevidas ao Ministério Público e ao Supremo Tribunal Federal (STF)”, diz Janot.

Caso confirmadas, as suspeitas podem representar uma quebra de acordo entre os executivos e os procuradores do Ministério Público Federal.
Com isso, todos os benefícios concedidos a Joesley Batista e Ricardo Saud, um dos executivos da JBS, serão cancelados. Entre os termos do acordo de colaboração premiada está a autorização para que Joesley Batista fique em liberdade, possa continuar na presidência da empresa e até viajar para o exterior.

O Ministério Público já abriu um procedimento para revisar o acordo de delação com os executivos. Inicialmente, estava previsto o prazo de 120 dias, a partir da homologação, para que os colaboradores entregassem provas que confirmassem os fatos apresentados nos depoimentos prestados em abril. Caso os documentos não fossem enviados, os delatores poderiam ser acusados de omissão. A lei que institui a delação premiada prevê a redução de benefícios ou o cancelamento do acordo caso informações sejam omitidas no decorrer do processo. No entanto, as provas já apresentadas continuam valendo, mesmo em eventual suspensão dos benefícios.

Críticas


De acordo com informações da PGR, a principal gravação, que coloca o órgão e o STF sob suspeitas, possivelmente foi registrada em 17 de março deste ano. Janot afirmou que “as informações que constam no diálogo trazem meras elucubrações, sem qualquer respaldo fático, mas que há elementos que necessitam ser esclarecidos”.

Nessa gravação, os delatores falam sobre suposta atuação do ex-procurador da República Marcello Miller, dando a entender que auxiliava na confecção de propostas de colaboração para serem fechadas com a Procuradoria-Geral da República.
Miller era o braço direito de Janot e integrou o grupo de trabalho da Lava-Jato na PGR entre 2014 e 2016. Após deixar o trabalho no Ministério Público, em março deste ano, Miller foi contratado por um escritório de advocacia no Distrito Federal que representou a J&F durante parte das negociações do acordo com o MPF. Em um despacho enviado ao STF, o procurador pede que o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, decida sobre a divulgação dos áudios envolvendo Miller.

As revelações ocorrem em um momento que Janot prepara uma segunda denúncia contra o presidente Michel Temer. Ele aguarda apenas a homologação da delação do doleiro Lúcio Funaro. O chefe do Ministério Público afirmou que os novos fatos não vão impedir o andamento dos demais procedimentos. “Se meu ex-colega praticou algum ato ilícito, não interfere nas denúncias que eu pretendo oferecer ou não.”

A defesa dos executivos da J&F rebateu as alegações apresentadas pelo Ministério Público Federal sobre a nova gravação. “A interpretação precipitada dada ao material entregue pelos próprios executivos à Procuradoria-Geral da República será rapidamente esclarecida, assim que a gravação for mais bem examinada. Conforme declarou a própria PGR, em nota oficial, o diálogo em questão é composto de ‘meras elucubrações, sem qualquer respaldo fático’.
Ou seja, apenas cogitações de hipóteses — não houve uma palavra sequer a comprometer autoridades”, destaca a nota.

O advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira, que defende o presidente, afirmou que a notícia foi “recebida com alívio por Temer”.

O defensor também declarou que espera que isso seja suficiente para impedir uma nova denúncia contra o peemedebista. “Isso muda tudo. Nós, de uma certa forma, já previmos que a prova que serviu de base para a denúncia contra o presidente estava cheia de vícios, irregularidades, ilegalidades. Há aspectos hoje comentados pelo procurador-geral que já haviam sido denunciados por nós, como a absurda participação do procurador Marcelo Miller em um escritório de advocacia para trabalhar na leniência da própria J&F, sendo que este procurador compunha o estafe do procurador-geral”, afirmou.

O que está em jogo


A delação da JBS revela como executivos da maior empresa de carnes do mundo pagou propina para políticos e funcionários públicos com a finalidade de obter vantagens em contratos. Confira alguns pontos:

» A delação coloca o presidente Michel Temer como suspeito dos crimes de corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa. Temer nega qualquer envolvimento com o esquema.

» O senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) e o deputado afastado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), que foi assessor direto de Temer, também são citados na delação.

» Outro delator, Ricardo Saud, diretor de Relações Institucionais da holding J&F, que é a controladora da JBS, disse que Temer teria recebido valores próximos a R$ 15 milhões em pagamentos de vantagens indevidas na campanha eleitoral de 2014.

» Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff também são citados na delação. Em 2009, o Banco Nacional de Desenvolvimento comprou R$ 2 bilhões em títulos da JBS. Durante a gestão dos petistas, a empresa teve um crescimento de mais de 4.000%

» Nesta operação bilionária, Joesley teria depositado R$ 50 milhões em uma conta no exterior. O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega disse, segundo o delator, que o dinheiro seria para Lula.

» Em 2010, Mantega pediu a abertura de uma nova conta, desta vez destinada a depósitos para Dilma Rousseff. O valor seria usado na campanha eleitoral da petista.

O que disse Janot nessa segunda-feira (4)


» Uma gravação, de quatro horas de duração, aponta que os executivos da J&F omitiram informações.
A gravação estava no anexo do processo dedicado ao presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI).

» O ex-procurador da República Marcello Miller auxiliaria na confecção de propostas de colaboração para serem fechadas com a Procuradoria-Geral da República, o que é crime e ato de improbidade administrativa.

» Em uma conversa gravada sem querer por Joesley, dois delatores fazem referências indevidas à Procuradoria-Geral da República (PGR) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). O conteúdo do áudio é mantido em sigilo..