Uma foto vazada ontem à imprensa reforça a tese que os últimos dias do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no comando do Ministério Público Federal devem ser tão ou mais movimentados do que os quatro anos em que esteve à frente do órgão. Na foto publicada pelo site O Antagonista, o procurador aparece sentado, de óculos escuros em um bar de Brasíia. À frente dele, uma garrafa de cerveja com apenas uma taça, e o advogado de Joesley Batista, Pierpaolo Bottini, que também está sentado. Segundo o portal de notícias, o registro foi feito por um frequentador do local, que afirmou que a dupla conversou por mais de 20 minutos em uma mesa no canto do bar, ao lado de uma pilha de caixas de cerveja. Bottini afirmou que o encontro foi casual e eles se cumprimentaram e trocaram algumas palavras por “questão de gentileza”.
O encontro entre defesa e acusação – a pedido de Janot, o acordo de delação premiada firmado com os irmãos Joesley e Wesley Batista foi suspenso ontem – ocorreu às vesperas do julgamento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) analisará arguição de suspeição envolvendo o procurador-geral na Operação Lava-Jato. A solicitação foi feita pelos advogados do presidente Michel Temer (PMDB), que deve ser alvo de uma segunda denúncia apresentada pelo MPF até a sexta-feira. Rodrigo Janot se baseia em inquérito aberto pelo STF para investigar o peemedebista por corrupção, obstrução de Justiça e organização criminosa, e em elementos da delação do corretor Lúcio Funaro.
A primeira denúncia em que o presidente foi acusado de corrupção passiva foi rejeitada pela Câmara dos Deputados no início de agosto com mais de 120 votos de margem. Ao mesmo tempo em que tenta tirar Temer da cadeira do Palácio do Planalto, Janot virou alvo do Executivo. Na próxima quarta-feira, os ministros do STF decidem se afastam Janot das investigações da Lava-Jato – apenas quatro dias antes de terminar seu mandato. A alegação da defesa do presidente da República é que o procurador-geral tem agido por “motivos políticos”. Relator da Lava-Jato no Supremo, o ministro Edson Fachin decidiu a favor de Janot, mas diante de um recurso da defesa, optou por levar a ação para a análise do plenário.
ÚLTIMAS ‘FLECHADAS’ Enquanto o dia do julgamento não chega, Janot não tem se furtado a disparar suas “flechas” na direção de Michel Temer. Na sexta-feira passada, o procurador-geral da República denunciou políticos do PMDB pela formação de organização criminosa. São alvo da denúncia os senadores Edison Lobão (MA), Jader Barbalho (PA), Renan Calheiros (AL), Romero Jucá (RR) e Valdir Raupp (RO), além dos ex-senadores José Sarney e Sérgio Machado – acusados de controlar nomeações de diretorias da Petrobras em troca de propina que chegou a R$ 864 milhões, além de terem causado um prejuízo de R$ 5,5 bilhões à estatal e de R$ 113 milhões à Transpetro. Nesta semana, Janot ainda encaminhará ao STF uma denúncia envolvendo a bancada do PMDB na Câmara: os deputados são acusados de terem recebido pelo menos R$ 350 milhões no esquema de corrupção da Petrobras. O alvo direto nesse caso também é Michel Temer. O procurador-geral tenta creditar ao presidente a liderança sobre a bancada, formada por aliados dele, como os ex-presidentes da Câmara Eduardo Cunha (RJ) e Henrique Eduardo Alves (RN), presos sob a acusação de corrupção e lavagem de dinheiro.
Temer também pode ser atingido pela denúncia do “quadrilhão do PT”, apresentada ao STF pelo procurador-geral na terça-feira passada. Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, os ex-ministros Antonio Palocci, Guido Mantega, Edinho Silva e Paulo Bernardo, a atual presidente nacional da legenda, senadora Gleisi Hoffman, e o ex-tesoureiro João Vaccari Neto foram enquadrados no crime de organização criminosa no âmbito da Operação Lava-Jato.
Na denúncia, o MP sustenta que o PT buscou no PMDB apoio para recompor a base do governo afetada com as denúncias do mensalão, a partir de 2005. Rodrigo Janot argumenta que Michel Temer e Henrique Eduardo Alves – então presidente e líder do PMDB – “concordaram no ingresso do PMDB da Câmara na base do governo em troca de alguns cargos” como a presidência de Furnas, o Ministério da Integração Nacional, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a Diretoria Internacional da Petrobrás, entre outros”. Em novembro de 2006, O PMDB aprovou a adesão da legenda à base aliada do governo Lula. Em troca, teria recebido 15 cargos.
Sucessora terá equipe linha-dura
Brasília – A Procuradoria-Geral da República passará a ser comandada por Raquel Dodge a partir da segunda-feira da semana que vem. Ela foi escolhida por Michel Temer na lista tríplice formada a partir de eleição interna do Ministério Público Federal. O presidente quebrou a tradição de nomear o mais votado pelos procuradores, no caso, Nicolao Dino, que recebeu 621 votos e era considerado o sucessor natural de Rodrigo Janot. Atual procurador-geral-eleitoral, Dino defendeu a cassação do presidente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por crime de abuso de poder político e econômico nas eleições de 2014. No entanto, por quatro votos a três, os ministros rejeitaram a ação.
A PGR decidiu que a posse de Raquel Dodge será no dia 18, às 8h, na sede da instituição em Brasília. Inicialmente, a cerimônia estava prevista para começar às 10h30, mas o horário foi alterado para garantir a presença do presidente Michel Temer, que tem uma viagem oficial programada aos Estados Unidos no mesmo dia. De acordo com a procuradoria, a posse será presidida por Temer.
Raquel Dodge foi indicada para o cargo pelo presidente Michel Temer a partir da eleição interna da Associação Nacional dos Procuradores da República, que deu origem à lista tríplice enviada ao presidente para subsidiar sua escolha. Em julho, ela foi aprovada pelo plenário do Senado por 74 votos a um e uma abstenção. Raquel vai substituir Rodrigo Janot, que deixará o cargo após quatro anos na chefia do Ministério Público Federal (MPF).
Mestre em direito pela Universidade de Harvard e integrante do Ministério Público Federal há 30 anos, Raquel Dodge é subprocuradora-geral da República e atuou em matéria criminal no Superior Tribunal de Justiça. O grupo de transição para a posse é formado por cinco procuradores com experiência em rumorosos casos penais e de improbidade. Diferentemente de Janot, que não atuava na área penal até assumir a PGR, e que se cercou de procuradores com pouco registro nessa seara, Raquel Dodge tem ligação antiga com processos criminais e escalou nomes que estiveram à frente de investigações espinhosas antes da Lava-Jato.
"Conversa de bêbados" levantou suspeita
Criticado em razão de benefícios de delação premiada concedidos aos executivos da J&F, controladora da JBS, os irmãos Joesley e Wesley Batista, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acabou pedindo a prisão deles. Os irmãos confessaram o suborno a mais de 1,8 mil políticos, com valores em torno de R$ 600 milhões, para garantir interesses de suas empresas. Ao se comprometerem a entregar outros envolvidos à Justiça, receberam da PGR a promessa de não serem denunciados, imunidade em processos antigos e o parcelamento em 10 vezes de multas.
Mas tudo mudou na semana passada, quando veio à tona uma gravação de conversa entre Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud em que eles comentam sobre uma suposta interferência do ex-procurador Marcello Miller na delação, passando informações privilegiadas por ter integrado a equipe de Janot. Ao anunciar na segunda-feira uma nova investigação contra o poderoso da JBS, Janot disse que os executivos e outros signatários da delação premiada teriam omitido “fatos gravíssimos” – hipótese que pode levar à anulação do acordo e benefícios concedidos.
A suposta conduta de Miller pode ser enquadrada no crime de obstrução de Justiça e exploração de prestígio. O procurador deixou a instituição em abril deste ano, mas as conversas com os executivos da JBS teriam acontecido no final de fevereiro. Na quinta-feira, os executivos prestaram esclarecimentos à PGR em Brasília, quando afirmaram que o procurador já havia pedido exoneração do MP quando os procurou. Também disseram que a gravação foi uma “conversa de bêbados”. Não convenceram Janot. A prisão temporária de Joesley e Saud foi decretada pelo ministro do STF, Edson Fachin, no início da manhã de ontem. No entanto, ele negou a prisão de Miller. No início da tarde, Wesley e Saud se entregaram à Polícia Federal em São Paulo.