Jornal Estado de Minas

Janot deixa hoje o cargo de procurador-geral da República sob intenso ataque


Brasília – Ao encerrar o mandato hoje, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, esperava estar em uma situação mais confortável. Escolheu como prioridade da gestão o combate à corrupção e denunciou centenas de políticos brasileiros. Entretanto, ao direcionar flechas ao presidente Michel Temer, tornou-se o chefe do Ministério Público Federal (MPF) mais questionado ao fim de um mandato desde o ex-procurador Geraldo Brindeiro, que esteve no cargo de 1995 a 2003, e ganhou a alcunha de “engavetador-geral da República”. Como principal marca, leva no currículo o fato de ter sido o primeiro a denunciar – duas vezes – um presidente da República no exercício do cargo, fato inédito no país em casos de corrupção.


Até pouco mais de 15 dias atrás, as críticas a Janot eram mais incisivas nos meios político e jurídico, especialmente entre os denunciados na Operação Lava-Jato e seus advogados. Dentro do Ministério Público Federal (MPF) também havia grupos que questionavam métodos “centralizadores” do chefe, mas a enxurrada de questionamentos em relação à conduta de Janot vieram após a divulgação do áudio que flagrou uma conversa entre os empresários Joesley Batista e Ricardo Saud. Em uma turbulência típica de inferno astral – as regras do zodíaco dão conta de que os 30 dias anteriores ao aniversário são absolutamente insuportáveis –, o procurador-geral, que completou 61 anos anteontem, se viu em uma teia armada pelos delatores do grupo J&F, que envolviam, inclusive, o ex-colega de instituição Marcelo Miller.

No dia 9 deste mês, foi flagrado em um bar na companhia do advogado de Joesley Batista, Pierpaolo Bottini. Na véspera, ele havia pedido a prisão do empresário. Os episódios serviram para que o núcleo político investigado, principalmente o aliado ao presidente Michel Temer, passasse a questionar todas as investigações do MPF e as colaborações premiadas feitas até agora.

Na opinião do advogado constitucionalista Erick Wilson Pereira, faltou responsabilidade na gestão de Rodrigo Janot por causa da “pressa que ele teve em condenar”.

“Toda condenação com pressa não chega ao elemento de Justiça, que é o elemento mais próximo da verdade, que exige cautela e verificação do que está sendo dito. Deu-se muita importância ao que os delatores disseram e faltou um código de conduta ética de como usar o instituto da colaboração”, comenta.

O coordenador dos cursos de direito do Ibmec-DF, Washington Barbosa, reclama que Janot acabou por se perder em muitas “picuinhas” com outros poderes. Além do Planalto, ele também se indispôs com a Polícia Federal no debate sobre quem pode organizar as delações premiadas. “Em Curitiba, existe uma atuação conjunta da PF, do MPF, da Justiça Federal e dos auditores da Receita Federal. Em Brasília, essa interação é bem menor.” Barbosa também lembra que, descontada a reta final do mandato de Janot, a gestão do procurador que deixa hoje o cargo foi marcada por muitas investigações, mas poucas denúncias efetivas. “Você teve as denúncias coletivas. Mas, efetivamente, poucas delas caminharam nos tribunais superiores”, lamentou o coordenador do Ibmec.

“Brilhantismo”

O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, lembra que o ex-procurador Roberto Gurgel também foi muito questionado no cargo por causa das investigações do mensalão e que o desgaste agora da reta final não passa nem perto de apagar o “brilhantismo” da gestão de Janot.

“É o cargo mais pesado do país, com exceção do presidente da República. O acúmulo de coisas é muito grande. Essa investigação não estava nos planos do Rodrigo. Ela chegou e ele a conduziu com profissionalismo e impessoalidade, honrando a liderança no MPF”, defende.

Opinião corroborada pelo procurador da República e secretário de relações institucionais da PGR, Peterson Pereira. “Ser o órgão da acusação da máxima representação política no país constitui-se em imensa responsabilidade. Com coragem, serenidade e equilíbrio, Janot conduziu a PGR na maior operação que revelou a simbiose entre público e particular. Sua gestão inaugurou uma nova etapa no sistema de Justiça e grava seu nome na história institucional do Brasil, honrando nossa órfã e desorientada cidadania.”

- Foto: Evaristo Sá/AFP

Foco no combate à corrupção


Por quatro anos, Rodrigo Janot esteve à frente da PGR focado no combate à corrupção. Cinco meses depois de assumir o posto, a primeira fase da Operação Lava-Jato foi deflagrada com a prisão de 17 pessoas, entre elas, do doleiro Alberto Youssef.

A partir daí, em mais 44 fases, investigadores descobriram esquemas de corrupção e arrecadação de propinas entre grandes empresas brasileiras e, praticamente, todos os partidos políticos. Desde 2014, foram 178 inquéritos abertos no Supremo Tribunal de Federal (STF), 450 investigados de todas as classes processuais, 24 denúncias, 66 acusados e cinco ações penais.

“Ao assumir o cargo de procurador-geral da República, em setembro de 2013, estabeleci como uma das prioridades o combate à corrupção. Não sabia, naquele momento, o enorme desafio que se descortinaria para a instituição. A partir de 2014, o MPF passou a investigar o maior esquema de corrupção da história brasileira, que começou com a descoberta de pagamento de propina na Petrobras”, escreveu Janot, na abertura do relatório de resultados entre 2015 e 2017, divulgado na última sexta-feira pela PGR.

E, por causa do enfrentamento aos ilícitos, o clima com parte da classe política não ficou nada bom. Além das denúncias, a gestão de Janot emplacou um dos projetos que mais irritou congressistas – as 10 medidas de combate à corrupção. Inicialmente criado por integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, a campanha sugeriu propostas como a criminalização do enriquecimento ilícito e do caixa dois e o aumento das penas para corrupção de altos valores. Com o apoio de mais de 2 milhões de assinaturas, a proposta foi enviada ao Congresso para se tornar lei, mas durante uma votação na madrugada, a Câmara desvirtuou os principais tópicos. A manobra gerou polêmicas e o texto, por determinação do Supremo, foi devolvido à Câmara antes de o Senado analisar.

Além disso, parlamentares alegam que Janot extrapola as funções ao questionar no Supremo projetos aprovados pelo parlamento. Em junho, ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a lei da terceirização. Em agosto, pediu a derrubada de alguns pontos da reforma trabalhista que, na visão dele, violam garantias constitucionais de amplo acesso à Justiça.
E, mais recentemente, questionou até a emenda constitucional que reconhece a vaquejada como atividade esportiva e patrimônio cultural imaterial. Em discurso no plenário, o deputado João Fernando Coutinho (PSB-PE) criticou a interferência. “A vaquejada foi aprovada por maioria nesta Casa e no Senado. Isso demonstra uma falta de respeito. Uma decisão completamente absurda tentando barr ar uma decisão tomada pelo Congresso”, disse o parlamentar.

As flechadas

Ao longo dos últimos quatro anos, centenas de políticos foram alvo das denúncias do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A primeira fase da Operação Lava-Jato ocorreu em 17 de março de 2014, cinco meses depois que ele tomou posse para o primeiro mandato.

Em agosto daquele ano, a PGR fechou os acordos de delação premiada do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef.

Baseado nas colaborações, em 6 de março de 2015, Janot lançou as primeiras flechadas em direção ao meio político ao encaminhar a Teori Zavascki, então relator da Lava-Jato no Supremo, o pedido de abertura de 25 inquéritos contra 50 políticos. Mais duas denúncias também foram enviadas ao STJ contra três governadores.

Na época, estavam na primeira “lista de Janot” 27 deputados federais; 11 senadores; um vice-governador; 11 ex-ministros, ex-deputados federais e ex-governadores.

Em janeiro de 2016, a Andrade Gutierrez fechou delação premiada com revelações de que existia um departamento especializado em propina e caixa 2 na empresa. A construtora pagou multa de R$ 1 bilhão e as informações foram incluídas em algumas denúncias contra políticos. Entretanto, colaborações feitas posteriormente revelaram omissões nas informações dos 11 executivos. A empresa tentou fazer uma complementação, pedido negado pelo procurador-geral no mês passado.

Em janeiro de 2017, o Supremo homologou as delações premiadas dos 77 executivos da Odebrecht, que deu origem à segunda “lista de Janot”, desta vez, denominada “lista de Fachin”, em referência ao ministro-relator da Lava-Jato que substituiu Zavascki, Edson Fachin.
Divulgada em 11 de abril deste ano, ela trouxe 83 inquéritos, com denúncias contra oito ministros, 24 senadores e 39 deputados federais.

A delação da empreiteira OAS ainda está em andamento na PGR. As negociações começaram em maio de 2016, foram interrompidas três meses depois e retomadas em abril deste ano. As informações dos executivos envolvem integrantes do Judiciário, fundos de pensão e políticos. A expectativa gira em torno das informações que o ex-presidente do grupo Léo Pinheiro pode entregar em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A delação está em fase e assinaturas de acordos e discussão de penas.

 

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