O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou o debate sobre a possibilidade de candidaturas avulsas nas disputas eleitorais, mas, na sociedade, cada vez mais as pessoas enxergam os postulantes a cargos eletivos como pessoas maiores do que os partidos políticos. Nome crescente em todos os levantamentos recentes, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) não sabe ainda por qual legenda concorrerá ao Planalto no ano que vem. O líder nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva, é o grande nome de si mesmo, não do PT. Se ele não disputar e outro for escolhido em seu lugar, como o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, as intenções de voto despencam.
Karine Kufa, coordenadora do curso de direito eleitoral da Faculdade de Direito do IDP-SP, afirmou que começa a se verificar nos grandes centros uma situação que já acontecia nos municípios do interior. “Nas pequenas cidades, é comum que os prefeitos e vereadores sejam eleitos por um partido e migrem para outro sem que isso represente nada para os eleitores. Até porque, eles não têm estrutura, os diretórios estaduais pouco se importam com eles. Esses candidatos já são quase avulsos”, disse Karine.
A especialista em direito eleitoral lembra que, nas grandes cidades, esse problema era mais diluído. “São Paulo, por exemplo, sempre elegeu dois senadores do PSDB e um do PT. Os tucanos têm supremacia no governo estadual, e eles se revezam com o PT na prefeitura da capital”, completou a especialista. O que ocorreu, então? “As recentes denúncias de corrupção fizeram com que as pessoas achassem que todas as legendas são iguais”, resumiu Karine.
Um novo formato O diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto Queiroz, lembra que, em paralelo ao desgaste partidário, a sociedade passou a se organizar de outras maneiras. “Nos últimos anos, as ONGs começaram a arregimentar talentos para debater os problemas da sociedade. Os partidos acabaram sendo resumidos como importantes para a democracia”, disse ele. O que seria isso? “Por convenções internacionais, só se pode dizer que existe democracia em uma sociedade com sindicatos e partidos fortes e imprensa livre”, explicou Queiroz.
O diretor do Diap, contudo, avalia que, apesar de todos os problemas, não há como se prescindir dos partidos, por mais frágeis que eles estejam. “Nenhum presidente de República, em qualquer lugar do mundo, foi eleito sem um partido por trás. 90% dos deputados votam de acordo com a orientação partidária. Sem isso, eles votarão como? Seguindo a sugestão de quem serve o cafezinho?”, questionou Queiroz. “Só os partidos têm condições de garantir a impessoalidade do mandato”, defendeu.
O cientista político e professor do Insper Carlos Melo discorda e aposta que, em um curto espaço de tempo, a realidade vai mudar. “O Brasil sempre viveu uma cultura personalista na política, mesmo nos períodos em que os partidos estavam menos desgastados do que hoje”, reforçou. “Cada vez mais, as legendas afundaram-se no pragmatismo, no fisiologismo e no caciquismo”, resumiu.
Melo lembra, na história recente, as figuras de Herbert de Souza, o Betinho, e Rubem César Fernandes, fundador da ONG Viva Rio, que, segundo ele, poderiam ser grandes políticos se tivessem filiação partidária. Mas optaram por outro caminho na sociedade civil organizada. “Winston Churchill (primeiro-ministro inglês), considerado o maior estadista do século 20, agiria diferente se estivesse no partido A ou B? Outros nomes mundiais, até aqueles de quem não gostamos, como Adolf Hitler, eram muito maiores do que qualquer partido político”, destacou o professor do Insper.
Nas mãos do Supremo
O ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Fernando Neves reconhece que o Supremo poderá decidir favoravelmente às candidaturas avulsas sem a necessidade de que o Congresso apresente uma emenda constitucional alterando a obrigatoriedade de filiação partidária para concorrer eleitoralmente. “Basta, para isso, que ele entenda que o Pacto de São José se sobrepõe à Constituição Federal”, explicou Neves.
O Pacto de São José, também conhecido como a Convenção Americana de Direitos Humanos, consagra vários direitos civis e políticos, como o reconhecimento da personalidade jurídica; o direito à vida; à integridade pessoal; à liberdade pessoal e garantias judiciais; à proteção da honra e reconhecimento à dignidade; à liberdade religiosa e de consciência; à liberdade de pensamento e de expressão; e o direito de livre associação.
Autor da questão de ordem que será analisada no STF, o advogado Rodrigo Mezzomo acredita que, por similaridade, todos têm o direito de se candidatar a mandatos eletivos sem estar “amarrados por obrigações partidárias”. Saindo do campo das possibilidades e caindo no terreno da realidade, Neves considera que essa medida é de implantação bastante complexa. “As legendas acabam por regular uma série de questões eleitorais, como tempo de TV, a distribuição do fundo partidário e as regras de inelegibilidade, por exemplo”, enumerou o ex-ministro do TSE.
Veja quem são os nomes cogitados ao Planalto que são maiores que os partidos
Lula (PT)
Presidente de honra da legenda, duas vezes presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva tem um patamar de intenção de votos que não é transferível para outro petista caso ele não possa concorrer em 2018, inviabilizado pela Ficha Limpa
Jair Bolsonaro (PSC-RJ)
A grande surpresa até o momento nas pesquisas de intenção de voto, o deputado fluminense nem sequer sabe por qual partido disputará as eleições do ano que vem. O PEN já ofereceu a ele a legenda, mas Bolsonaro adia a decisão
João Doria (PSDB-SP)
Prefeito de São Paulo, o tucano entrou em colisão com o governador Geraldo Alckmin na disputa pela candidatura do PSDB ao Planalto. Sem certeza se vencerá disputa interna, cogita concorrer por outra legenda, como o DEM
Joaquim Barbosa
Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) durante o julgamento do mensalão, o ex-ministro da Corte já foi sondado por diversos partidos para se filiar. O mais recente foi a Rede. Segue opinando sobre política nacional, mas garantindo que não vai concorrer
Luciano Huck
Apresentador de TV, já foi sondado pelo NOVO e pelo DEM. Criou um fundo, ao lado de outros empresários e representantes do mercado financeiro, para custear campanhas de pré-candidatos alinhados a projetos nas áreas de educação e economia.