Brasília – Apesar de o país ter dado, neste ano, um passo rumo ao fim do foro privilegiado, a crise política e os sucessivos embates entre os três poderes da República empurraram a questão para 2018. O mais recente conflito — quando o plenário do Senado rejeitou a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de afastar o senador Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato — fez com que parlamentares ganhassem força para segurar o privilégio por mais um tempo e o STF recuasse.
Na mesa da presidente da Suprema Corte, Cármen Lúcia, desde o fim de setembro, a ação penal que pode mudar a forma de interpretar o foro privilegiado ainda não tem previsão de entrar na pauta do plenário. Na opinião de pessoas próximas, a magistrada não está disposta a assumir o desgaste agora. O julgamento trata da Ação Penal 937, que vem pulando de instâncias desde 2008, por causa de mudanças de cargo do réu. No fim de maio, os juízes começaram a julgá-la, e o relator, ministro Luís Roberto Barroso, propôs uma nova interpretação da Constituição.
De acordo com Barroso, a prerrogativa de foro por função deve ser aplicada apenas para crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. O ministro também sugere que, ao fim da instrução processual, a competência se fixe para evitar o pula-pula de instâncias. Primeiro a votar, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista do processo e o devolveu ao plenário em 29 de setembro.
A decisão de retomar o julgamento cabe a Cármen Lúcia, mas magistrados ouvidos reservadamente pela reportagem acreditam que ela não quer gerar novos atritos com o Legislativo, pelo menos até o ano que vem. “O episódio do senador Aécio Neves foi muito desgastante para a Corte. Uma ação não afeta a outra, mas é preciso um tempo para se recuperar”, comenta um ministro, que prefere manter o anonimato.
Já o ministro Marco Aurélio Mello acredita que não há ligação entre os fatos. “Ali, o Senado rejeitou uma decisão da Primeira Turma. No caso do foro, o Supremo está interpretando a Constituição para que o processo não fique indo e vindo de instâncias. Não há influência maior nem invasão das atribuições do Congresso”, comenta. Cármen Lúcia atuou, junto ao presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), para acalmar a crise entre os poderes depois que a Turma impôs medidas cautelares a Aécio e levou a questão ao plenário para que a maioria decidisse que a Casa Legislativa deveria autorizar as sanções.
O recuo do Supremo e a rejeição em plenário às penas por 44 votos fizeram com que parte dos parlamentares se lembrasse da intenção do STF de rever o foro privilegiado. “Se eles vierem de novo com essa história, a gente não vai deixar, nem que a gente faça uma nova lei”, comentou um parlamentar logo após a sessão. O especialista em direito constitucional Erick Wilson Pereira explica que caso a Suprema Corte altere a interpretação do foro privilegiado não cabe ao Congresso derrubar a mudança. “O Supremo é o intérprete da Constituição. Ele tem ampla autonomia.”
O advogado acrescenta que caberá recurso se congressistas responderem com uma emenda constitucional para mudar a possível decisão do STF. “Há jurisprudência disso. Depois que o guardião da Constituição faz a interpretação, uma casa legislativa não pode iniciar uma nova norma porque quer alterar o que o Supremo fez. Fica caracterizado o sentido casuístico, que fere a harmonia entre os poderes e, consequentemente, a Constituição”, frisa.
Também em maio deste ano, em resposta à iniciativa do Supremo de limitar a prerrogativa de foro por função, o Senado aprovou às pressas, por unanimidade, a Proposta de Emenda à Constituição 10/13, que extingue o foro para crimes comuns, com exceção aos presidentes dos três poderes. Desde então, a PEC anda lentamente na Câmara dos Deputados.
Redoma
Instituto do foro protege os parlamentares
» Estima-se que mais de 36 mil autoridades do país tenham foro privilegiado. Levantamento do projeto Supremo em números, da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, mostra que até 30 de abril deste ano havia 489 processos abertos contra parlamentares no STF.
» Em geral, uma ação penal demora, em média, 1.015 dias no STF, e um inquérito, 663 dias.
» Duas em cada três ações penais nem sequer chegam a ter o mérito da acusação analisado pelo Supremo, em razão do declínio de competência (63,6% das decisões) ou de prescrição (4,7%).
O QUE MUDA, SEGUNDO A PROPOSTA DO STF
» O parlamentar será processado e julgado no STF somente se o ato ilícito que ele cometer for durante o exercício do mandato e tiver relação com a função. Por exemplo, se um deputado for acusado de fraudar uma escritura de um imóvel, esse processo irá para a primeira instância, porque não teria relação com o cargo. Além disso, o relator quer limitar um prazo para que o processo mude de instâncias caso o político deixe de exercer o cargo ou seja eleito para outra função.
O QUE MUDA SEGUNDO A PROPOSTA QUE ESTÁ NA CÂMARA
» A proposta de emenda à Constituição, aprovada no Senado, extingue o foro por prerrogativa de função para todas as autoridades do país, com exceção dos presidentes dos três poderes.
Fonte: Supremo em números e Fundação Getulio Vargas