Comandante da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro do ar, Nivaldo Luiz Rossato, 66 anos, rechaça os comentários de oficiais do Exército que vieram à tona no mês passado sobre intervenção militar, e diz que a autoridade “suprema” é do presidente da República. “O país vai encontrar o próprio caminho, sem retrocessos”, disse ele, na última quinta-feira, em entrevista ao Correio. Rossato afirmou que oficiais da ativa não podem se pronunciar sobre política. “Os caras da reserva começam a ficar valente. Eu digo para pegarem uma barraquinha e irem para a Esplanada protestar. Eles podem, mas os da ativa, não.”
Rossato afirma que os cortes orçamentários nos recursos da União afetaram as operações aéreas, manutenção dos aviões e até causaram redução na frota destinada a proteger 22 milhões de quilômetros quadrados que estão sob responsabilidade do Brasil. A restrição financeira provoca até mesmo a redução do número de pilotos em atuação. Dos 1.300 pilotos que integram a Força Aérea atualmente, 300 não estão mais realizando atividades de voo por falta de dinheiro. Isso provocou uma queda de 30% nas decolagens dos aviões da Força. Outro grande problema é o sucateamento da frota de aeronaves. Nesta entrevista ele dá um panorama sobre como está o braço aéreo das Forças Armadas.
Recentemente, um oficial do Exército se posicionou politicamente, falando em intervenção. Como o senhor avalia essa questão?
Existia uma herança, de nosso passado, de que as Forças Armadas seriam tutoras da nação, e assim foi por muito tempo. Mas elas não são mais, e isso o próprio ministro diz, o próprio comandante do Exército diz. Temos problemas políticos econômicos no Brasil? Temos e ninguém pode esconder isso. A gente entende que o poder civil, ou seja, o Legislativo e o Judiciário têm consciência de sua responsabilidade. São responsáveis por um país com mais de 200 milhões de habitantes. Não temos mais um órgão que controla a Nação. Eu entendo que o Congresso sabe de sua responsabilidade e os senhores e senhoras que estão lá sabem disso. Eles estão se acertando diante dessa nova estrutura política pela qual o país está passando. Temos que acreditar que o Brasil vai encontrar o seu caminho, sem retrocessos, sem que exista essa necessidade de que volte ao passado, ou coisa assim. A intervenção militar é um retrocesso, sem qualquer chance de ocorrer, pois a Constituição estabelece de forma clara a missão das Forças Armadas. Temos a missão de garantir a lei e a ordem, sob a autoridade suprema do presidente da República.
Se aquele episódio tivesse acontecido com um oficial da Aeronáutica, existiria uma consequência?
O que está previsto é isso. Quando vejo oficiais da reserva da Aeronáutica — normalmente o cara da reserva começa a ficar valente —, eu digo assim: “Pegue sua barraquinha, bote na Esplanada, e vá lá protestar, como cidadão”. Agora, oficiais da ativa não podem fazer isso.
Um candidato como o Bolsonaro que defende essa força, a volta do militarismo, ele constrange o senhor?
O deputado Bolsonaro saiu há uns 30 anos das Forças Armadas e tem uma maneira de se expressar mais agressiva e uma receptividade da população muito grande. Eu não sei, não constrange nada, não. Eu não me constranjo com ele nem com qualquer outro candidato. Eles são candidatos, vamos ver o que a população vai fazer, como vai votar. Como qualquer outro candidato, ele pode ir em solenidades nossas, ele vai com frequência à academia, à escola de especialistas, participa. Nunca foi fazer discurso lá dentro, nem nada, como muitos outros deputados vão. Os pontos de vista dele são mais diferenciados dos outros, ele tem uma postura firme dos conceitos que ele tem, vamos ver quem vota nele, quem são os candidatos que vamos ter, a estrutura em volta de cada um deles.
Como o senhor lida com as restrições orçamentárias?
O poder aéreo se tornou muito caro e é um serviço indispensável, principalmente em um país como o nosso, que precisa proteger essa imensidão de território. Tivemos uma redução razoável no número de aviões. O que acontece é que podíamos estar voando o dobro do que voamos hoje, pois temos aviões para isso. O corte nos afetou muito, tiramos os pilotos dos voos. A hora de voo é muito cara e pode chegar a R$ 10 mil. Se não temos orçamento para que todos voem, cortamos. Hoje temos cerca de 30% de redução no número de pilotos em voo. Reduzimos o número de tripulantes nas aeronaves. Temos mais de 1.300 pilotos. Mas, voando, temos apenas 1000. Reduzimos também, por exemplo, o suporte na região da Amazônia. Essa medida pesa para o Exército, Marinha, Meio Ambiente, todos esses órgãos, que são apoiados pela FAB. O transporte de doentes e órgãos também é caro. Digamos que hoje temos 600 aviões. Se a gente não quiser manter todos eles, vamos canibalizando, ou seja, trocando peças entre eles, para manter a frota. E é isso que está ocorrendo hoje.
Sobre os projetos dos caças Gripen e dos cargueiros KC 130, como estão? Perdemos mercado?
Temos engenheiros na Suécia e temos um plano de comprar esses 36 Gripens. Na verdade não são só 36, porque nosso F5, que é a nossa aeronave principal de defesa aérea, tem 44 anos. Nós temos 50 modelos desse. Daqui a 10 anos, esse avião vai ter 54 anos, é muito difícil um avião de combate desses. Então, o Gripen não vai ser só 36. Temos de ampliar isso aí.
Quando o Brasil vai receber de fato esses aviões?
Em 2019 ele deve estar fazendo os voos de testes lá. Em 2021, o primeiro vai pousar em Anápolis.
E o KC 130, a demora do projeto não nos faz perder mercado?
Temos dois protótipos voando, e receberemos o primeiro avião em julho do ano que vem. O segundo chega logo em seguida, em dezembro do próximo ano. A expectativa de mercado é de que teríamos, nos próximos anos, 300 aviões desse modelo. O potencial dele é vender de US$ 1,5 milhão a US$ 2 bilhões de dólares por ano, então são projetos estratégicos.
Como a FAB está se preparando para chegar aos 100 anos, em 2041?
Fizemos um plano de modernização da estrutura organizacional da Força Aérea para a gente crescer. Estamos melhorando a estrutura administrativa e a estrutura operacional. Nós queremos hoje oficiais e graduados com melhor qualificação. Estamos aumentando a exigência dos nossos cursos, incentivando que façam cursos de mestrado, doutorado, curso de especialização.
Existe algum projeto de expandir o lançamento de satélites ou para a área espacial?
O plano de defesa prevê que a Força Aérea deve cuidar da parte espacial do Brasil. Criamos o Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAI). Estamos trabalhando em relação à Base Espacial de Alcântara, com a ampliação e acordos de salvaguarda (aluguel do espaço).
Existe então um plano para lançamento de um foguete do Brasil, não apenas ceder Alcântara para outros países?
Nossa base está pronta para fazermos os nossos satélites, os nossos foguetes e lançar.
Mas a região não está sendo disputada por quilombolas?
Alcântara no início tinha quase 68.000 mil hectares. Houve a nomeação dos quilombolas e foram excluídos 8.500 hectares. Precisamos hoje de mais 12 mil hectares. A gente amplia a base mais para cima. Temos de retirar essas 300 famílias que moram lá e colocá-las ao lado, no mesmo meio em que vivem, mas ao lado. Fora daquele lugar, elas não podem viver ao lado de um foguete. Mas é claro que temos de dialogar com eles, falar diretamente com eles.
Acha que tem interesse estrangeiro?
Tem. Não podemos garantir, mas quando tem tanta gente envolvida, fica difícil de acreditar que não existam outros interesses por trás. Mas temos de olhar é para o quilombola. Ver quais são os problemas deles, ver o que precisam e qual é o suporte que temos de dar para tirá-los dessa região e colocar no outro lado, como já foi feito antes.