Brasília – Depois de deixar a proposta parada na Casa por quase seis meses, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criou uma comissão especial para analisar projeto de lei já aprovado pelo Senado que trata do abuso de autoridade. O ato de criação do colegiado foi assinado por Maia um dia após os deputados rejeitarem a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da Republica contra o presidente Michel Temer por organização criminosa e obstrução de Justiça. Pelo despacho, a proposta deverá tramitar com “prioridade”, como exige o Regimento Interno da Câmara em caso de propostas do Senado. A comissão deverá ter 34 integrantes titulares e igual número de suplentes. As vagas são distribuídas proporcionalmente ao tamanho das bancadas dos partidos.
O projeto, que estava engavetado na Câmara há seis meses, é considerado uma tentativa de parte da classe política de reduzir poderes de procuradores e juízes da Lava-Jato e de outras operações de combate à corrupção. Pelo despacho do presidente da Câmara, o projeto tramitará em regime de prioridade. Ou seja, deverá ser apreciado e votado com celeridade. Maia nega que a instalação da comissão seja retaliação ao Judiciário. “A comissão foi um pedido de associações de juízes e procuradores para garantir o debate. O mesmo pedido foi feito e atendido no PL do teto (salarial)”, afirmou. O parlamentar fluminense disse ter recebido a demanda da juíza Renata Gil, presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro, e do procurador José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). A reportagem não conseguiu contato com os dois.
Maia ressaltou que havia um temor entre juízes e procuradores de que a urgência do projeto fosse aprovada e a proposta votada diretamente no plenário da Câmara, sem passar pelas comissões. “Com a comissão, está garantido o debate”, argumentou. Maia disse ainda que as novas regras, se aprovadas, não vão atrapalhar a Lava-Jato. Perguntado sobre o assunto, ele respondeu: “O texto foi aprovado no Senado. Tenho a impressão que de forma nenhuma (vai atrapalhar a Lava-Jato) — disse o presidente da Câmara.”
O projeto sobre abuso de autoridade foi aprovado pelo Senado na esteira da homologação do acordo de delação premiada de 77 executivos da Odebrecht. Maior acordo de colaboração desde o início da Lava-Jato, a delação dos executivos da empreiteira atingiu a reputação dos líderes dos principais partidos do país. As restrições previstas na lei seriam uma tentativa de reduzir poderes dos investigadores e, com isso, conter o avanço das investigações.
A proposta original foi apresentada pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR). Segundo ele, seria uma forma de atualizar uma lei do período da ditadura e coibir excessos de autoridades em investigações criminais. O alvo não declarado seriam supostos abusos cometidos na Lava-Jato, principalmente em relação às prisões preventivas e conduções coercitivas, entre outras ações que teriam aumentado de forma substancial o impacto da operação. O projeto altera a definição dos crimes de abuso de autoridade. O texto passa a abranger que podem ser cometidos por servidores públicos e membros dos três poderes da República, do Ministério Público, de tribunais e conselhos de Contas e das Forças Armadas. A proposta prevê mais de 30 ações que podem ser consideradas abuso de autoridade, com penas que variam de seis meses a quatro anos de prisão. Além disso, as autoridades condenadas terão que indenizar a vítima. Em caso de reincidência, pode haver a inabilitação para exercício da função pública e até a perda do cargo.
Procurador vê ataque ao MP e ao Judiciário
São Paulo – A criação da comissão especial que vai analisar a lei sobre abuso de autoridade provocou críticas de um dos coordenadores da Operação Lava-Jato em Curitiba. O procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima atacou a decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de apressar o seguimento da proposta. Em suas redes sociais, ele afirmou: “Está em andamento um ataque coordenado contra o Poder Judiciário e o Ministério Público por parte deste governo”.
Segundo ele, “Rodrigo Maia quer discutir apressadamente um projeto que vai ser usado contra juízes como Sérgio Moro, de Curitiba, e Marcelo Bretas, do Rio de Janeiro, para constrangê-los”. “Trata-se de mais um exemplo do descasamento entre os legisladores, incluindo Maia, e os desejos da população. Enquanto isso, as 10 Medidas contra a Corrupção continuam engavetadas”, criticou Carlos Fernando Lima.
O procurador também ironizou a iniciativa e propôs a criação de um projeto de combate ao abuso de autoridade que tivesse a seguinte proposta: “É crime de abuso de autoridade apoiar uma proposta legislativa em troca de liberação de verbas para seus projetos”, escreveu, criticando uma possível estratégia de arregimento de apoio de parlamentares ao projeto.
MORDAÇA O senador Randolfe Rodrigues (Rede Sustentabilidade-AP) criticou a instalação da comissão especial na Câmara para analisar o projeto que atualiza a Lei de Abuso de Autoridade. Para Randolfe Rodrigues, a proposta é uma “tentativa de amordaçar promotores e juízes que não são lenientes com corruptos”. Ele defendeu que os deputados devem se debruçar sobre a proposta que põe fim à prerrogativa de foro privilegiado, também aprovada pelo Senado no primeiro semestre.
Pelo despacho, o projeto deverá tramitar com “prioridade”, como exige o Regimento Interno da Casa em caso de propostas do Senado “A Câmara dos Deputados, mais uma vez, volta perigosamente as costas ao povo brasileiro e esse ato reclama vigilância atenta da cidadania para que a impunidade não se torne novamente a palavra de ordem no país”, afirmou Randolfe Rodrigues, por meio de nota.
O senador da Rede Sustentabilidade do Amapá reclamou que, enquanto Maia garantiu prioridade ao projeto de lei, manteve na gaveta a proposição que extingue a prerrogativa de foro privilegiado. “Chama a atenção o senso de urgência que as lideranças da Câmara imprimem a esse projeto de impunidade e seu silêncio eloquente quanto a PEC Proposta de Emenda à Constituição do Fim do Foro Privilegiado 10/2013, que relatei no Senado e que se encontra esquecida em algum escaninho empoeirado daquela Casa desde 31 de maio deste ano”, criticou. Randolfe lembrou que a PEC do fim do foro chegou antes à Câmara, mas parece “não sensibilizar” os deputados na mesma proporção.