Jornal Estado de Minas

Férias podem virar mais dois salários no TJMG


Um benefício exclusivo de servidores públicos – entre eles os juízes e desembargadores mineiros – poderá se tornar mais dois salários anuais no bolso dos magistrados: as férias de 60 dias.

No dia 9 deste mês, uma portaria aprovada na Comissão Administrativa do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) permitiu a suspensão de todo o período de descanso deles, “por conveniência e necessidade do serviço”, em troca de uma indenização sujeita a viabilidade orçamentária.

Na prática, a venda de cada período de 30 dias de férias custará aos cofres públicos valores entre R$ 26.125,17 e R$ 30.471,11 – menor e maior salário-base pagos na carreira, correspondentes a um juiz substituto e desembargadores, respectivamente.

A nova regra atende a uma reivindicação da categoria. A Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis) disponibilizou as explicações aos seus associados na intranet do seu site. “A matéria foi tema de requerimento e gestões da Amagis junto ao Tribunal de Justiça. Em 20 de setembro, o presidente da associação, desembargador Maurício Soares, enviou ofício ao presidente do TJMG, desembargador Herbert Carneiro, solicitando que seja permitida a suspensão dos 60 dias de férias”, diz trecho do texto ao qual o Estado de Minas teve acesso.

A Portaria 688/2017, aprovada recentemente no Tribunal de Justiça, revoga parte de duas portarias conjuntas datadas de 2011 e 2012, que limitavam a suspensão das férias em 30 dias – dois períodos de 15 dias cada. “Com isso, a quantificação dos dias de suspensão ficará a critério da presidência do TJMG, de acordo com a conveniência administrativa e a observância da absoluta necessidade do serviço.

Em relação às indenizações dos dias suspensos, elas somente serão quitadas havendo disponibilidade orçamentária e financeira do tribunal”, continua o texto de acesso exclusivo aos juízes e desembargadores.

E engana-se quem pensa que o magistrado que tiver autorização para suspender 60 dias de suas férias ficará sem o descanso anual.

Há uma alternativa: é que, a cada cinco anos de serviço, eles têm direito a três meses de férias-prêmio – que não podem ser vendidas, exceto no ato da aposentadoria.

Até então, esse tipo de férias só poderia ser requisitado depois de gozado o descanso regulamentar, pois por decisão administrativa, elas poderão ser requeridas antecipadamente. Ou seja, o juiz que tiver autorização da direção do TJ poderá tirar as férias-prêmio e ainda receber salário dobrado pela suspensão do descanso regulamentar.

“Normalmente, a grande maioria dos juízes e desembargadores deixa para vender essas férias-prêmio quando vai se aposentar. Se você tem 30 anos de magistratura, são seis salários, e sem pagar o Imposto de Renda (IR). Mas, daqui para a frente, isso pode mudar”, diz uma fonte do TJMG. Um desembargador que se enquadre nesse período, por exemplo, pode ganhar 18 meses de salário, algo em torno de R$ 550 mil no ato da aposentadoria. Vale lembrar que esse benefício não é aplicado ao servidor “comum”, a quem é proibida converter as férias-prêmio em dinheiro.

SUPREMO

As articulações envolvendo o descanso dos magistrados em Minas Gerais têm fundamentos que vão além da questão remuneratória.
É que está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF) o fim do benefício para o Poder Judiciário. A mais recente discussão teve início em julho deste ano, quando a Justiça Federal de Alagoas concedeu a licença-prêmio a um juiz do trabalho. A União então recorreu ao STF. O relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, já entendeu que a regalia é “ilegítima”, assim como a indenização por sua não fruição. No último dia 13, os ministros determinaram a repercussão geral do caso, ou seja, a decisão que for tomada pelo plenário valerá para todo o país.

O TJMG já encontrou alternativa para tentar garantir o benefício aos magistrados, mesmo que o STF entenda que as férias-prêmio são ilegais. Em requerimento apresentado por seis desembargadores para licenciar-se por períodos que variavam de oito meses a 12 meses, o presidente da órgão, desembargador Herbert Carneiro, indeferiu o pedido “por conveniência e necessidade do serviço”, mas determinou que a decisão seja registrada como um precedente administrativo aplicável aos magistrados do TJ mineiro.

“Registro que a intenção do pleito formulado pelos desembargadores antes mencionados é o de disponibilizar ao interessado um princípio de prova (com a expedição de documento próprio), caso haja uma necessidade futura de ajuizar ação visando garantir o direito às férias-prêmio. Assim, quem tiver interesse em obter tal documento, deverá formular pedido semelhante”, diz texto publicado, no final da tarde do último dia 9, na intranet do site da Amagis.

Outro lado

O Sindicato dos Servidores da Justiça de Segunda Instância (Sinjus) encaminhou um ofício à direção do TJ solicitando informações sobre a portaria tratando das férias dos juízes. Para hoje está marcada assembleia geral da categoria para tratar das reivindicações dos funcionários.
“Enquanto os servidores estão sem a data-base e o tribunal não cumpre acordo assinado com a categoria, estão sendo criados para os magistrados, na prática, 14º e 15º salários, que serão pagos integralmente sem desconto de IR ou Previdência”, reclama o coordenador-geral do sindicato, Wagner Ferreira.

Entrevista

Thiago Colnago
Juiz auxiliar da presidência do TJMG


‘TJ vai avaliar caso a caso”

Por que aumentar o limite de suspensão de férias de 30 para 60 dias?


Pela Lei de Organização e Divisão Judiciária (LODJ) as férias podem ser suspensas por decisão do presidente. É isso o que determina a lei. Em gestões anteriores, foi publicada portaria definindo quantos dias cada magistrado poderia suspender no gozo de férias. Estabeleceu-se um limite. O objetivo dessa portaria era evitar que a presidência tivesse que apreciar inúmeros pedidos de suspensão de férias, sendo que hoje são mais de 16 mil entre magistrados e servidores. O objetivo da nova portaria é justamente o oposto do que é colocado na pergunta, ou seja, não existe mais um direito estabelecido de suspensão de férias. A portaria que concedia esse direito foi revogada. Revogou-se uma previsão normativa no tribunal que autorizava o magistrado a suspender férias indistintamente, ou seja, conforme sua própria manifestação. A partir de agora, estabeleceu-se o que prevê a LODJ. As suspensões têm que ser apreciadas pelo presidente caso a caso.
Não se aumentou o limite de dias que podem ser suspensos de férias. Ao contrário, a portaria estabelece que o presidente deverá, na forma da lei, avaliar caso a caso. Não há como se estabelecer uma realidade distinta para todas as comarcas do estado. O presidente vai, a partir da situação de cada comarca, de cada magistrado, apreciar a situação e deliberar sobre a suspensão ou não de férias que no regime anterior eram limitados a 30 dias. O presidente vai observar a realidade da unidade judiciária, levando em consideração o interesse público e assegurando que as suspensões somente ocorram se a eficiência judiciária não for afetada.

Essa foi uma reivindicação da Amagis?


Havia uma solicitação da Associação de Magistrados para autorizar a suspensão de 60 dias, ou seja, que a portaria fosse alterada para prever um direito do magistrado suspender 60 dias. O que a presidência fez foi o contrário. Foi revogado o direito de suspender 30 dias e, a partir de agora, cada solicitação de suspensão será submetida à análise do presidente, observando os pontos já mencionados anteriormente.

Há recursos em caixa para indenizar essas férias?

Como o que estabelece a portaria é deixar de prever um direito de suspensão de 30 dias, não se cogita recurso em caixa para indenizar férias. Essa suspensão, quando determinada, pode gerar direito a indenização que será condicionado, não só à existência de disponibilidade financeira, mas sobretudo a existência de possibilidade de gozo (dentro do interesse público). O presidente pode suspender as férias de um magistrado num determinado período e determinar essas mesmas férias para outro período, assim pode não haver um direito de indenização nesse contexto.

Por que a portaria que permite gozar as férias prêmio antes das regulamentares, o que era proibido antes?

Existia uma vedação de que os juízes e servidores gozassem férias-prêmio quando têm férias regulamentares pendentes. Essa vedação foi revogada apenas para possibilitar que seja dada maior margem aos magistrados e servidores para que, eventualmente, gozem suas férias-prêmio independente do gozo das férias regulamentares.
Essa presunção de que o presidente autorizou a suspensão de 60 dias para indenizar e autorizar gozo de férias-prêmio desconsidera a necessidade da obediência a todos os requisitos de lei para autorização de férias-prêmio que, entre eles, o serviço deve estar em dia e haver substituto.

Ao negar as férias prêmio para seis desembargadores recentemente, o presidente do TJ argumentou que a certidão serviria como comprovante do direito em caso de o STF decidir que as férias-prêmio são ilegais e não podem ser indenizadas, inclusive para a possibilidade de ações judiciais futuras cobrando indenização do benefício.

Quanto a essa questão, não houve decisão de que elas são regulares para o caso de o Supremo decida que elas são irregulares. Existe um risco de perda das férias prêmio-futuras, não passadas, em razão de uma proposta de emenda constitucional que tramita no Senado e o atingirá servidores e magistrados. O indeferimento deu-se porque foi desatendido o requisito da LODJ no que diz respeito à substituição e ao bom andamento da prestação jurisdicional, uma vez que algumas câmaras não teriam como funcionar já que não teriam um número mínimo de desembargadores. Os pedidos foram indeferidos considerando o interesse público com a ressalva de que não se estava negando o direito deles, por isso foi solicitada a expedição de uma certidão colocando que, no momento atual, é impossível o gozo..