Jornal Estado de Minas

Cenário é nebuloso para aprovar reformas


Brasília – Quase duas semanas após a rejeição da segunda denúncia contra Temer, e com pouca movimentação desde então, a Câmara dos Deputados deve entrar em novembro focada na costura de acordos para as duas principais reformas em discussão atualmente – previdenciária e tributária – ansiadas pelo Planalto e pelo mercado financeiro. Entretanto, com uma base enfraquecida e pouco disposta a aprovar medidas impopulares tão perto da eleição, deputados próximos ao Planalto garantem que não há chances de aprovar tais propostas no momento.


Um dos líderes da articulação aliada na Câmara, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) garantiu que o momento é de recompor a base governista para conseguir uma aprovação significativa, já que, por se tratarem de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), são necessários, no mínimo, 308 votos favoráveis. “Reconheço que, hoje, não temos quórum constitucional para aprovar a reforma da Previdência”, afirmou Marun. “Mas é inevitável que retornemos às conversas sobre ela.”

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou em entrevista ontem à Rádio Gaúcha que a proposta de reforma como está hoje mantém “75% da original”, e que ela não poderá se abrandar. “A reforma (da Previdência) agora precisa ser completa e suficiente para que esse assunto não tenha que voltar à pauta nos próximos anos”, disse Meirelles.

O texto encontra forte resistência da oposição. “Não há condições de aprovar o projeto como está”, afirmou o líder da bancada do PT, deputado Carlos Zarattini (SP). Uma das principais legendas aliadas, o DEM também entende que o momento é de definir um acordo. “Temos que definir, primeiro, o texto do que será a reforma”, enfatizou Efraim Filho (BA), líder da bancada na Câmara.

PAUTA DA CASA Paralelo a esse trabalho de recomposição nos bastidores, a tendência é que os deputados tratem, em plenário, de projetos engavetados da própria Câmara nas próximas semanas.
O próprio presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já acena há algumas semanas com a hipótese de um maior protagonismo do Legislativo na agenda política.

Dois momentos podem ser considerados sinais dessa estratégia: o primeiro ocorreu em 10 de outubro, quando Maia se recusou a votar a medida provisória de leniência do Banco Central, alegando esforços do poder Executivo para esvaziar a sessão; a outra veio em entrevista do parlamentar logo após a rejeição da segunda denúncia contra Temer, no último dia 25, quando já acenava poder pautar outros temas.

Maia volta amanhã de uma viagem para Israel, Itália e Portugal, e a definição da pauta pelos congressistas só deverá ocorrer após a reunião de líderes na segunda-feira. Um tema já é dado como certo: uma “semana da segurança pública”, com votações específicas sobre o assunto, deve ocorrer a partir do dia 7.

Segundo Efraim Filho, a principal proposta apreciada será o Projeto de Lei 1.530/2015, que trata de medidas mais duras contra o contrabando e o roubo de cargas. Algumas medidas polêmicas, como a revogação do Estatuto do Desarmamento, de acordo com o próprio presidente, devem ser deixadas de lado em um primeiro momento.

Efraim também é o relator de uma outra proposta que deve ganhar os holofotes: o fim do foro privilegiado para crimes comuns, que se prepara para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). “Conversei com o presidente da comissão, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), e o tema deve ser colocado em pauta na semana do dia 20”, afirmou o deputado. A proposta, que veio do Senado, ainda deve passar por uma comissão especial, antes de ir a plenário.

Pauta pode inverter prioridade

Ezequiel Trancoso
Especial para o EM

Brasília – Avaliada por parlamentares como uma proposta mais razoável do que as alterações no sistema previdenciário, a simplificação tributária pode “furar a fila” da pauta da Câmara e se tornar a nova prioridade da agenda de reformas do governo de Michel Temer para o final do ano. Desde que a Câmara rejeitou a segunda denúncia contra o presidente, a possibilidade vem ganhando cada vez mais força por conta das controvérsias envolvendo a reforma da Previdência, matéria que divide opiniões mesmo entre membros da base aliada.

Líderes governistas já admitem que o governo pode inverter a lógica defendida nos últimos meses e priorizar a votação da reforma tributária, que ainda aguarda a apresentação do relatório do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR). Um dos principais integrantes da tropa de choque de Temer na Casa, o deputado Beto Mansur (PRB-SP) adverte que a reforma da Previdência só deverá ser colocada em votação quando o governo tiver “certeza de que vai vencer”.

“O governo já está fazendo um estudo daquilo que é possível ser aprovado ainda este ano, mas, verdadeiramente, a gente precisa de base parlamentar para votar a reforma da Previdência.

As questões que envolvem, por exemplo, a reforma tributária, e mesmo esse ajuste (ao Orçamento) que foi apresentado pelo governo, não teremos dificuldade de votar”, argumenta Mansur, que vê a reforma tributária como mais “madura” neste momento.

O deputado Carlos Marun (PMDB-MS), outro fiel escudeiro de Temer, avalia que, diante dos entraves envolvendo a Previdência, o governo precisa, a partir da próxima semana – quando o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), retorna de viagem –, estabelecer a prioridade de sua pauta para os últimos meses de 2017. “Não vejo condição de nós avançarmos agora a reforma da Previdência e a reforma tributária, essas situações todas, conjuntamente”, alerta.

Hauly garante que faltam poucos detalhes para seu relatório final ser concluído e apreciado na comissão especial criada para debater a reforma tributária. Mas as bases da proposta do tucano já são amplamente conhecidas. Em agosto, ele apresentou um texto preliminar que tem como linha central a simplificação tributária – com a extinção de uma série de tributos, entre eles IPI, IOF, PIS e Pasep, criando no lugar um Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), nos moldes de um imposto sobre valor agregado, além de um imposto seletivo.

O relator também pretende reduzir a tributação sobre o consumo e aumentar o imposto sobre a renda no país. Apesar disso, o texto não prevê nem diminuição nem aumento da carga tributária no Brasil, que equivale, hoje, a cerca de 33% do Produto Interno Bruto (PIB).

“Ele (projeto) desmonta o Frankenstein funcional, o manicômio jurídico”, salienta o tucano, que acredita que as mudanças vão diminuir a burocracia, a sonegação e a corrupção, além de aumentar o poder aquisitivo dos trabalhadores e ajudar o setor produtivo. Segundo Hauly, trata-se de um projeto “suprapartidário”, que conta com apoio de legendas tanto de esquerda quanto de direita. O consenso destacado por ele em torno da proposta, no entanto, ainda não é realidade.

FALTA CONSENSO “Suprapartidária só é a compreensão quanto à necessidade de ser feita uma reforma tributária. Não há acordo sobre o texto.
As bancadas nem discutiram a proposta. Eu defendo instituir tributação progressiva, tributar rendas e ganhos. E desonerar a tributação da produção para dar mais competitividade aos produtos brasileiros”, aponta o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), membro da comissão da reforma tributária, que acredita que a matéria só será votada em plenário no ano que vem. “Consenso, não há. Agora, a proposta é interessante e eu sou simpático a vários pontos levantados”, avalia Assis Carvalho (PT-PI), que também integra a comissão.

Especialistas também não veem a questão com tanta simplicidade. Para o economista Roberto Piscitelli, a redução do número de tributos não implica, necessariamente, a simplificação do sistema tributário brasileiro. Além disso, ele acredita que falta clareza à proposta de Hauly em relação às garantias de que haverá um aumento do imposto sobre renda e uma diminuição do imposto sobre consumo.

“Parece muito mais uma proposta que tem em vista aumentar a chamada eficiência do sistema produtivo, sem que haja uma contrapartida efetiva ou uma segurança de que se vai tributar mais a renda, o patrimônio, ou que estejam criando condições novas para tributar adequadamente a renda e o patrimônio como os demais países desenvolvidos”, avalia o professor da Universidade de Brasília (UnB). “Esse sistema que ele propõe não assegura de modo nenhum que a gente esteja realmente caminhando nessa direção”, alerta Piscitelli.

 

 

.