Churchill disse certa vez, com a sabedoria de sempre, que o primeiro dever de um governo é governar. Parece à primeira vista um mero truísmo, mas, na vida real, governos que tem a coragem de governar são cada dia mais raros. E o mais surpreendente é que os governos que “governam sem governar” são quase sempre bem avaliados pela opinião pública.
Para esclarecer esse enigma, temos que concordar com o que significa governar no Brasil de hoje e, em seguida, ver como se governa numa democracia. O Brasil, ao longo de sua formação histórica, foi se constituindo como uma das sociedades mais desiguais de todo o mundo. O instrumento decisivo para consagrar as diferenças de riqueza e de oportunidade foi sempre o Estado, capturado, no início por interesses mercantis e, mais recentemente, por suas corporações burocráticas internas. As leis e, mais precisamente, a Constituição vigente, foram as arenas em que se distribuíram desigualmente as rendas, os privilégios e a segurança, que o Estado deveria prover em doses mais iguais para o conjunto da sociedade.
O peso da captura do Estado pelo capitalismo de Estado, em forma de desonerações tributárias e proteção comercial contra a competição externa, e pelas corporações da elite do serviço público, em forma de salários excessivos e de aposentadorias inéditas no mundo civilizado, arrastou a economia para a estagnação e para a iminência de um colapso fiscal.
“Governos que não governam” convivem com a apropriação do Estado por essas minorias, sem tentar qualquer mudança de fundo, e esgotam os poucos recursos que sobram em programas sociais destinados a anestesiar a pobreza, sem combatê-la. Governam sem conflitos e sob aplausos gerais.
Governos que ousam governar têm que enfrentar estes vastos interesses constituídos, seja modernizando o serviço público, reformando os extensos privilégios da elite burocrática, seja reconfigurando o ambiente de negócios, com menos tutela nas relações de trabalho, com a transferência de empresas e atividades para o setor privado, eliminando a rede de interesses que orbita em torno desses setores e que se escondem na política, deixando, enfim, a modernidade entrar no país.
Governar de verdade o Brasil significa reformá-lo em quase todos os seus aspectos. E para fazer isso é preciso mudar as leis e muitas vezes a própria Constituição, onde os interesses organizados pretenderam gravar em pedra suas injustas vantagens.
O caminho para a formação das maiorias é tortuoso e repleto de incompreensões. O Congresso brasileiro, caso único no mundo, tem mais de 30 partidos. Esses partidos não são partidos, mas agências eleitorais que vivem do dinheiro dos contribuintes e dos tempos de propaganda gratuita no rádio e na televisão.
O próprio Congresso tentou evitar esse erro, votando em 1995 uma cláusula de desempenho que determinava que a partir das eleições de 2006 partidos que não obtivessem 5% dos votos em um terço dos estados, poderiam existir, mas deixariam de ter acesso aos recursos do fundo partidário e dos tempos de propaganda gratuita. Se estivesse em vigor essa lei 9.096 de 1995, teríamos hoje algo como 6 a 8 partidos. Pois bem, o Supremo Tribunal Federal, em 2006, julgou inconstitucional a lei, condenando o Brasil ao triste espetáculo que hoje vivemos.
Para quem culpa os políticos por tudo, é bom lembrar que chegamos a este estado quase terminal das instituições partidárias por obra exclusiva dos nossos supremos magistrados.
Para governar de verdade é preciso negociar com essa selva partidária, no varejo da distribuição de cargos e de verbas públicas. Quem não se dispuser a fazer isso terá simplesmente que renunciar ao seu dever de governar. Condenar o governo por negociar com o Congresso de 30 partidos é o mesmo que pedir ao governo que não governe e deixe tudo como está.
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