O federalismo republicano, no Brasil, tem uma triste história. Foi (e é) uma arma das oligarquias estaduais para controlar o poder em benefício próprio. Para isso precisam calar os opositores e contar com a boa vontade do poder central. Os mandões locais, na feliz expressão de Euclides da Cunha, não aceitam críticas. Têm ódio da liberdade de imprensa. Fazem de tudo para que o artigo 220 da Constituição não vigore. Pressionam os jornalistas. Chegam a pedir a demissão daqueles que não se dobram à sua despótica vontade. Transformam os órgãos de imprensa em sucedâneos do nefasto Departamento de Imprensa e Propaganda da ditadura varguista. O noticiário é pautado pela sede do governo estadual. Caso haja resistência, a asfixia econômica é inevitável. Não só cortam qualquer anúncio estatal, como também pressionam as empresas para não comprar espaços publicitários. E isso se repete em quase todos os estados do Brasil.
O poder local tem uma longa história. No primeiro quartel do século 19, uma questão política dividiu os líderes independentistas: a forma de organização do futuro Estado. Com a transferência da corte portuguesa, em 1808, a importância da centralização do poder no Rio de Janeiro cresceu ainda mais. Agora pela presença do príncipe regente D. João, que foi coroado rei em 1816. Depois da Revolução do Porto (1820) e do retorno de D. João a Portugal, no ano seguinte, o tema da independência estava na ordem do dia. Era dominante a ideia de que não seria mais possível manter o vínculo com Portugal, principalmente devido ao desenvolvimento das lutas independentistas em toda a América Latina, como no México, desde o início da rebelião liderada pelo padre Miguel Hidalgo; na Argentina, sob o comando de San Martín, e na maior parte da América do Sul hispânica tendo à frente Simón Bolívar.
No Brasil, onde, diferentemente da América espanhola, vai ser adotada a monarquia, havia uma séria divergência: centralismo ou federalismo?. No centro da polêmica estavam os Estados Unidos da América, que, por meio da Constituição de 1787, consagraram o regime federalista. Explicava-se tal organização tendo em vista as particularidades em relação às possessões espanhola, portuguesa, francesa e holandesa no continente americano: as 13 colônias tiveram relativa autonomia e o autogoverno foi uma característica do processo colonial. Assim, o federalismo foi produto de um desenvolvimento histórico sem paralelo no continente americano.
Na América Latina, o federalismo foi um instrumento das elites provinciais para manter o poder local, garantindo privilégios de toda ordem. Onde foi adotado gerou um sem-número de rebeliões contra os governos centrais. O caso mais flagrante é o do México. Entre a independência e a ascensão de Benito Juárez à Presidência da República, o país passou por dezenas de guerras civis que acabaram, além da destruição material e física, levando ao enfraquecimento da autoridade central.
No Brasil, o federalismo esteve presente nas lutas da independência, especialmente em Pernambuco. Lá, em 1817 e 1824, os federalistas chegaram até a rebelião armada contra as imposições arbitrárias vindas do poder central, no Rio de Janeiro. Diferentemente da América espanhola, os federalistas pernambucanos apontavam a necessidade imperiosa da adoção da autonomia provincial como instrumento para a organização democrática do Estado brasileiro. Foram derrotados, mas a ideia federalista permaneceu em algumas das rebeliões ocorridas no período regencial.
Com a consolidação do Império, o federalismo perdeu espaço político. Reapareceu nos anos 1870 ,através do movimento republicano, especialmente em São Paulo, mas com novo sentido. Com a proclamação da República, em 1889, foi adotado como a forma organizativa do novo Estado. Isso explica, ao menos em parte, como se consolidou o regime quando havia um pequeno número de republicanos. Ou seja, à adesão à República foi por puro oportunismo: os oligarcas desejavam ter poder local, ter as mãos livres, não ficar dependentes do centro, do Rio de Janeiro, como determinado pela Constituição de 1824.
De 1891 até hoje, passamos por sete constituições – desde que consideremos a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, como uma Constituição. Centralismo e federalismo dividiram opiniões. Mais recentemente, desde 1988, o federalismo foi associado à ideia democrática. Falácia, pura falácia. Diversamente dos Estados Unidos, aqui a democratização dos (e nos) estados passa necessariamente pelo fortalecimento do poder central. É ele que tem instrumentos para interromper este trágico processo, a reprodução e perpetuação do interesse privado em detrimento do interesse público, onde a sociedade civil é frágil. E quando for destruído o poder do mandão local, aí sim poderemos dizer alto e bom som que vivemos numa república.