Se o governo ceder à pressão do funcionalismo público para abrandar a proposta de reforma da Previdência, vai beneficiar 52% dos servidores federais. São 380 mil servidores que ainda estão em atividade e que vão se aposentar com o último salário da carreira e reajustes iguais aos dos funcionários da ativa. Eles ingressaram no serviço público até 2003 e têm o direito às chamadas integralidade e paridade - privilégios que o governo quer acabar ao aprovar a reforma, mas que as categorias pressionam para manter.
Caso precise pagar hoje todos os benefícios futuros para esses servidores, a União teria de desembolsar R$ 507,6 bilhões (a valores atuais), segundo cálculos feitos pela Secretaria de Previdência. A previsão é que haverá concessão desses benefícios por mais 30 a 40 anos, com os pagamentos se estendendo por cerca de 80 anos.
Para tentar ampliar o apoio da população à reforma, o governo tem investido pesado na propaganda de que a proposta põe fim aos privilégios. Com a aprovação do texto, servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada seguirão regras iguais para se aposentar.
Boa parte dos que têm direito a esses privilégios poderá solicitar o benefício na próxima década. Dos mais de 267 mil servidores que vão se aposentar até 2026, cerca de 91% fazem jus à regra de paridade e integralidade, segundo o Ministério do Planejamento.
Já os servidores que ingressaram a partir de 2013 e se aposentarão pelo teto do INSS (R$ 5.531,31) são apenas 15,3% dos ativos atualmente, ou 112,1 mil. Foi nesse ano que passaram a vigorar novas regras para aposentadoria do funcionalismo que acabaram com a possibilidade de benefícios acima do teto de aposentadoria do INSS. Quem quiser ganhar mais tem de contribuir para um fundo de previdência complementar.
A proposta em tramitação na Câmara quer reduzir o peso dessa fatura a ser bancada nos próximos anos ao cobrar dos servidores as idades mínimas de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres para manter a integralidade e a paridade. Mas a pressão crescente das categorias leva o governo a considerar uma alternativa mais leve para esse grupo. Uma última cartada para tentar aprovar a reforma em fevereiro na Casa.
O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pretende propor uma regra intermediária, que não seja forçar o servidor a desistir do salário maior ou a trabalhar até as idades finais da reforma, sem transição. Se quiser se aposentar antes, pela proposta atual de reforma, o funcionário abre mão da integralidade e receberá um benefício equivalente à média dos 80% maiores salários. Esse valor pode ser inclusive maior que o teto do INSS, mas fica abaixo do último salário antes da aposentadoria.
Folha de pagamento. Algumas categorias do funcionalismo federal têm remuneração no final de carreira acima de R$ 20 mil mensais. Os procuradores, por exemplo, ganhavam R$ 28,9 mil em 2016, e consultores legislativos do Senado, R$ 30,5 mil. Segundo informações do boletim de gastos com pessoal do Ministério do Planejamento de janeiro de 2017, a despesa média dos aposentados do Legislativo e Judiciário Federal foi de R$ 28.882 e R$ 22.336 respectivamente.
O governo também considera privilégio receber mais de um benefício e pretende limitar essa possibilidade ao teto de dois salários mínimos para acúmulo de aposentadoria e pensão. Segundo a Secretaria de Previdência, existem situações de funcionários públicos com remunerações elevadas, na faixa dos R$ 20 mil a R$ 30 mil, que ainda ganham outro benefício. Entre eles estão juízes, promotores, procuradores, advogados públicos, auditores fiscais, de acordo com o órgão.
“A reforma da Previdência, na versão atual, afetará 9,5% da população, justamente as pessoas de maior renda”, diz o secretário de Previdência, Marcelo Caetano. Para tentar diminuir resistências dos parlamentares, o governo deu sinal verde à exclusão de trechos da proposta que mudavam regras de aposentadoria rural, benefícios assistenciais para a baixa renda e no tempo mínimo de contribuição para o INSS (que permanecerá em 15 anos). A avaliação do governo é de que isso livra os mais humildes do alcance da reforma.
Igualdade. Integrantes do governo negam que a proposta atual represente uma perseguição ao funcionalismo. “A reforma da Previdência propõe tratar os iguais de forma igual. Não se trata de culpar os servidores públicos pelo déficit fiscal, mas de corrigir a maior distorção do nosso regime previdenciário, pois o déficit per capita dos servidores foi 18 vezes maior do que dos trabalhadores do setor privado em 2016”, afirma o assessor especial do Ministério do Planejamento, Arnaldo Lima Junior.
Para o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, é importante aprovar a mudança na regra para os servidores que ingressaram até 2003. Segundo ele, muitos desses servidores estão entre os 5% mais ricos do País, ou até no 1% mais abastado. “Aposentar com salário integral não existe no resto do mundo. O sistema não aguenta isso, não tem como arcar com esse custo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.