São Paulo - Na primeira entrevista coletiva à chamada grande imprensa depois de vários anos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nessa quarta-feira, 20, que não quer mais ser visto como um “radical”.
O petista, que pode ser impedido pela Justiça de concorrer à Presidência em 2018, defendeu alianças estaduais do PT com partidos que votaram a favor do impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff, disse que pretende dialogar com empresários “que ainda pensam no Brasil” e prometeu pacificar o País caso seja eleito pela terceira vez.
“Eu não vou ser mais radical. Estão dizendo que estou mais radical. Não tenho cara de radical nem o radicalismo fica bem em mim. Estou é mais sabido”, disse Lula, que recebeu 12 jornalistas para um café da manhã na sede do Instituto Lula.
Segundo ele próprio, fazia “muito tempo” desde o último encontro. Para “matar a saudade”, Lula respondeu aos repórteres durante duas horas e meia.
Uma semana depois de o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) marcar para o dia 24 de janeiro o julgamento que pode deixá-lo inelegível, o ex-presidente tentou demonstrar bom humor. “Eu não posso estar mal humorado porque sou corintiano e estou em primeiro lugar em todas as pesquisas.”
Em ao menos oito vezes ao longo da conversa Lula reiterou que é inocente e desafiou a Lava Jato a apresentar provas de que é dono do triplex no Guarujá. Ele disse ainda que não tem medo de ser preso, mas vai usar todos os recursos judiciais para garantir o direito de ser candidato. “Não quero passar para a história como um inocente condenado”, afirmou o petista. “A única chance que tenho é pedir provas. Não é possível que alguém seja dono de uma coisa que não é dono”, completou.
Condenado a 9 anos e 6 meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Lula voltou a criticar a Lava Jato e disse não ter medo de ser preso. “Eu não penso. Não penso porque acho que preso só pode ir quem cometeu um crime.”
‘Empresários’
Crítico à onda de ódio que, segundo ele, tomou conta do debate político, Lula prometeu pacificar o País. “Estou convencido de que é possível ganhar as eleições e juntar um grupo de pessoas sérias neste País. Está cada vez mais difícil, mas é possível juntar empresários que ainda pensam neste País”, afirmou.
O ex-presidente também demonstrou pragmatismo ao falar das alianças que pretende fazer para garantir a governabilidade, caso volte ao Planalto. “Se você não tem (maioria) sozinho nem com seus aliados você tem que compor com quem está lá. E pode fazer acordos programáticos, não tem que fazer acordo toma lá dá cá”, disse Lula, citando como exemplo positivo a aliança com o PMDB do presidente Michel Temer.
Enquanto boa parte da base petista defende a aliança do partido apenas com legendas do campo da esquerda, Lula disse que a realidade local pode impor ao PT coligações pontuais com partidos que apoiaram o impeachment. “Acho que não deve se aliar com partido que apoiou o impeachment, mas essa coisa é muito teórica porque temos que saber a realidade de cada Estado. Como é que o (Fernando) Pimentel vai abrir mão lá em Minas do PMDB que defende ele o tempo inteiro. Então temos que ir caso por caso.”
‘Traição’
O figurino “paz e amor”, no entanto, ficou por aí. Questionado se perdoa os ex-aliados que ajudaram a derrubar Dilma, Lula demonstrou estar magoado, especialmente com o ministro das Comunicações, Gilberto Kassab, presidente do PSD, partido que ocupou dois ministérios no governo do PT.
“Eu sinceramente não posso aceitar que a Dilma tenha dado a força que deu para o Kassab e ele traí-la da forma mais vergonhosa como traiu. Não é nem o fato de trair. É o fato de não entregar uma carta para a Dilma. É o fato da mentira”, disse Lula.
Porém, segundo o ex-presidente, a mágoa se restringe a alguns integrantes da “alta direção” desses partidos. “Com estes caras não há porque fazer alianças. Mas o partido pode mudar a direção”, afirmou.
Além de grandes jornais brasileiros e estrangeiros, o encontro reuniu jornalistas de blogs e sites de esquerda. No final, Lula voltou a defender a regulação da mídia por meio de uma proposta elaborada pelo Executivo e aprovada pelo Congresso.