Em vigor desde 1995, a Lei Robin Hood, que prevê a redistribuição de 25% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), objetivando favorecer os municípios mais pobres de Minas, está prestes a passar por importantes modificações. Tramita na Assembleia Legislativa projeto de lei que determina uma série de mudanças nos critérios da redistribuição da arrecadação do imposto. Uma das alterações propostas é a garantia de que, ao longo do tempo, nenhum município receba menos de 70% do valor médio per capita por habitante do ICMS de todas as cidades do estado. A proposta também modifica os critérios relacionados à preservação do meio ambiente e aos investimentos em saúde. Além disso, prevê a eliminação de 14 critérios atuais que favorecem uma parcela dos municípios no recebimento de mais receitas.
Autor do projeto, o deputado Paulo Guedes (PT) lembra que após a implementação da primeira versão da Lei Robin Hood, em 1995, foram aprovadas outras leis, que, em vez de promover o equilíbrio, acentuaram ainda mais a desigualdade entre os municípios na redistribuição do ICMS. “O que se pretende com o projeto é corrigir distorções históricas e o desequilíbrio social provocado pela concentração de renda. A repartição do ICMS, que deveria ser um dos instrumentos para a redução das desigualdades, tem regras ainda muito limitadas, que são incapazes de reverter minimamente o efeito concentrador do peso do VAF (Valor Adicional Fiscal) e acaba concentrando uma riqueza que deveria ser distribuída. Com isso, as distorções regionais são acentuadas em vez de ser corrigidas”, afirma o parlamentar.
Segundo o deputado do PT, nos novos critérios, a redistribuição será feita com prioridade para os municípios mais pobres e com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Ele afirma que, com a iniciativa, haverá um grande aumento na destinação de ICMS para as regiões mais carentes do estado, favorecendo o Vale do Jequitinhonha (elevação de 151,36%), o Norte de Minas (88,78%), o Vale do Rio Doce (53,14%) e a Zona da Mata (50,77%).
“Ao diminuir essas diferenças dos valores per capita repassados aos municípios, será possível gerar justiça tributária e social, melhorando serviços essenciais como educação, saúde e segurança, nas regiões que sempre estiveram à margem do desenvolvimento”, diz Guedes.
CONGELAMENTO
Conforme a proposta em tramitação, o critério “mínimo per capita”, existente na lei atual, terá seu percentual ampliado e sua forma de cálculo modificada. Segundo Guedes, pelo seu projeto, “os municípios mais pobres terão crescimento nominal de receita maiores que os municípios mais ricos”. Porém, explica, os impactos para os municípios mais ricos serão suavizados pela diluição em vários anos dos valores a serem redistribuídos, que serão proporcionais ao crescimento da receita.
Para isso, será feito o congelamento dos valores recebidos até o momento em que a proposta for aprovada, com os novos critérios de redistribuição valendo somente para o percentual de crescimento anual da arrecadação do estado. Considerando o percentual médio de crescimento das receitas do estado de 6% ao ano, a expectativa é de que até 2035 seja alcançada a meta de que nenhuma prefeitura mineira receba o inferior a 70% da receita de ICMS per capita por habitante em todo estado.
O projeto foi elaborado com o auxílio da consultoria técnica da Assembleia Legislativa. Para facilitar o entendimento da proposta, os técnicos elaboraram uma “cartilha”, na qual é explicada como se pretende atingir o percentual mínimo de 70% da média per capita por habitante na redistribuição do ICMS para todos os municípios dentro da Lei Robin Hood (veja exemplo).
DISTORÇÕES
Outro critério que deverá ser mudado é o de meio ambiente. Paulo Guedes afirma que pelo critério atual há uma distorção ao considerar apenas a quantidade de unidades de preservação, sem considerar a extensão das áreas. “O que ocorre hoje é que Santa Cruz de Minas, que tem um parque de 70 hectares de preservação, recebe o mesmo valor redistribuído do ICMS de Januária e Bonito de Minas, no Norte Minas, que têm mais de 1 milhão de hectares preservados cada um”, afirma Guedes.
Na proposta em andamento na Assembleia, para efeitos da redistribuição do ICMS, será adotada uma forma de cálculo, considerando a proporção da área de preservação de cada município em relação ao total das áreas de preservação do estado. Serão unidades de conservação, áreas indígenas e áreas de biomas preservados de cada município, com atualização anual pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF).
O parlamentar salienta que outra distorção na Lei Robin Hood a ser corrigida é a do critério de investimentos em saúde. “Se for analisada apenas a relação entre os investimentos em saúde e a população de cada município, o valor aplicado em Serra da Saudade, a menor cidade de Minas, que tem cerca de 800 habitantes, será maior do que o da Grande Belo Horizonte, que tem em torno de 3 milhões de habitantes. Por isso, o critério precisa ser excluído”, afirma o autor do projeto.
Além da saúde, o projeto propõe a eliminação dos critérios “área geográfica”, “50 municípios mais populosos”, “educação”, “produção de alimentos”, “patrimônio cultural”, “receita própria”, “recursos hídricos”, “esportes”, “municípios sede de estabelecimentos penitenciários”, “turismo” e “ICMS solidário”.
Para entender
Tomando como exemplo Novo Cruzeiro, no Vale do Jequitinhonha, município que tem a menor receita anual de ICMS per capita
Como é hoje
A receita per capita do município em 2017 é de R$ 138,52, o que representa 32,96% da média do estado, de R$ 420,26
Como ficará caso a nova lei seja aprovada*
2019................................................36,38% da média do estado
2025................................................58,16% da média do estado
2030................................................65,97% da média do estado
2035................................................70% da média do estado
Haverá no período um ganho de receita de 425,42%
*Estimativa feita por técnicos da Assembleia Legislativa
Prefeitos cobram aprovação
A proposta de mudança na Lei Robin Hood cria a expectativa de mais recursos para os municípios das regiões mais carentes do estado, como o Norte de Minas. “Trata-se de matéria de suma importância que faz parte da evolução de qualquer estado, principalmente no tocante à justiça social, pois não podemos admitir que uma lei que tem o nome de Robin Hood seja aplicada ao avesso, onde há uma má distribuição histórica, que deixa os ricos mais ricos e os pobres mais pobres”, afirma o presidente da Associação Mineira dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amams), José Reis (PSB).
Reis é prefeito de Bonito de Minas, município que vive a expectativa de ser favorecido, especialmente na mudança no critério de meio ambiente, por concentrar grandes áreas de preservação permanente, na região do Rio Pandeiros e próxima do conjunto de cavernas e sítios arqueológicos do Vale do Peruaçu.
“Conclamamos todos os deputados para apoiarem esse projeto. A mudança na redistribuição do ICMS se torna cada vez mais necessária, e vemos isso claramente em nossa região, na área mineira da Sudene, que naturalmente é uma área de fragilidade econômica e social”, apela Reis. Ele lembra que grande parte das prefeituras da região sobrevive apenas dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), sem geração própria de ICMS, pois não tem indústria ou comércio forte.
Prefeito de Espinosa (PT), também no Norte de Minas, Milton Barbosa, é outro que está na expectativa do recebimento de mais verbas a partir de mudanças na redistribuição do ICMS. “A Lei Robin Hood foi criada para promover a redistribuição do ICMS. Mas, do jeito que está hoje, recebem mais recursos somente municípios mineradores e que têm indústrias, com mais condições de fazer investimentos”, observa Barbosa.
O presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Julvan Lacerda, afirma que, de fato, a Lei de Redistribuição do ICMS precisa de adequações para fazer uma distribuição mais justa das receitas. “Mas, de nada adianta esse ajuste se o governo do estado não fizer o repasse do ICMS para as prefeituras”, assinala Lacerda, lembrando que o estado tem um volume considerável de recursos em atraso.