Jornal Estado de Minas

2017 teve valor recorde para emendas, com dinheiro para cachê de artistas e motocross


As emendas parlamentares tiveram em 2017 o maior valor liberado dos últimos quatro anos. Ao todo, foram R$ 10,7 bilhões, crescimento de 48% em relação ao ano anterior e 68% maior do que o liberado em 2015, quando a execução se tornou obrigatória.

As emendas parlamentares são indicações feitas por deputados e senadores de como o governo deve gastar parte dos recursos previstos no Orçamento. Os parlamentares costumam privilegiar seus redutos eleitorais. Embora impositivas – o governo é obrigado a pagá-las –, a prioridade dada a algumas emendas ainda é fruto de negociação política. Por isso, são usadas para barganhar apoio em votações importantes no Congresso.

Os meses seguintes à divulgação da delação premiada da J&F, que implicaram o presidente Michel Temer, concentraram os maiores valores liberados aos projetos dos parlamentares. Foram R$ 2,02 bilhões em junho e mais R$ 2,24 bilhões em julho.

Durante a votação da primeira denúncia baseada na delação, em 2 de agosto, o então ministro da Secretaria de Governo Antônio Imbassahy (PSDB-BA) foi flagrado negociando a liberação de emendas com deputados da base aliada. “As emendas existem para serem executadas, independentemente de ser oriundas de parlamentar da base ou da oposição. Na época das votações, a oposição sempre vem com essa cantilena, mas, na verdade, esse trabalho deve ser permanente”, afirmou o atual titular da pasta, Carlos Marun (MDB-MS).

Levantamento feito pela reportagem nas mais de 7 mil emendas individuais que tiveram algum valor executado ao longo do ano mostra que 93,5% do desembolsado pelo governo foi para a saúde, única área cuja destinação é obrigatória por lei.
Os dados são do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop). A segunda área que mais teve emendas pagas foi agricultura, com R$ 39 milhões.

SHOWS E SÃO-JOÃO Embora a maior parte do dinheiro tenha sido destinada à saúde, a lista de emendas parlamentares pagas pelo governo em 2017 inclui de show do cantor Wesley Safadão e da dupla Bruno & Marrone a campeonato de motocross no interior de Minas. Do total de R$ 2,27 bilhões liberados, pelo menos R$ 5,73 milhões serviram para quitar cachês de artistas.

Em junho, por exemplo, o Ministério do Turismo repassou R$ 1,2 milhão à prefeitura de Maracanaú, no Ceará, por indicação da deputada Gorete Pereira (PR-CE). A emenda havia sido empenhada no mês anterior e serviu para pagar a 13.ª edição da Festa de São-joão da cidade. O show de abertura coube a Wesley Safadão, famoso por hits como Aquele 1% e Ar-condicionado no 15. Ele cobrou R$ 246 mil pela apresentação.

O valor enviado à prefeitura foi quase integralmente usado para pagar cachês. Além de Safadão, apresentaram-se as duplas sertanejas Bruno & Marrone (cachê de R$ 250 mil), Victor & Léo (R$ 200 mil) e a banda Aviões do Forró (R$ 180 mil).

O repasse ocorreu em 7 de junho, antes de a primeira denúncia contra o presidente Michel Temer ser apresentada, mas após a revelação da delação de executivos do Grupo J&F.
Gorete votou a favor de Temer nas duas denúncias. Ela nega relação da liberação do recurso com o seu voto.

Ao todo, o governo pagou R$ 7,15 milhões para promoção e marketing de municípios, ação na qual se enquadra o repasse para artistas. Valor bem próximo do que foi destinado para universidades federais (R$ 7,38 milhões) e superior ao enviado para obras de infraestrutura hídrica (R$ 2,58 milhões). Ao todo, foram 55 artistas, em 20 cidades, com cachês que variaram de R$ 30 mil aos R$ 250 mil de Bruno & Marrone.

Mas as emendas não financiaram só saúde e shows. Uma emenda parlamentar do deputado Tenente Lúcio (PSB-MG) garantiu R$ 250 mil para a realização da 5ª etapa do Campeonato Brasileiro de Motocross de Tupaciguara, em Minas. O convênio com o Ministério do Esporte que viabilizou o repasse foi oficializado em 23 de outubro, dois dias antes de Tenente Lúcio dar seu voto contra o andamento da segunda denúncia contra Temer, a exemplo do que já havia feito em agosto.

FISCALIZAÇÃO Alvo de polêmicas, o pagamento de cachês de artistas está previsto como um dos destinos possíveis das emendas parlamentares, desde que siga uma série de regras definidas por meio de portaria do Ministério do Turismo. Segundo a assessoria da pasta, para receber, o artista precisa estar previamente cadastrado no ministério e todos os eventos são fiscalizados, até mesmo in loco caso os repasses sejam superiores a R$ 300 mil ou que já tenham sido alvo de denúncias de irregularidades.

A deputada Gorete Pereira disse que o financiamento do são-joão de Maracanaú com emenda parlamentar já se tornou uma “tradição”. “Maracanaú é considerado o segundo maior são-joão do Brasil.
A cidade tem 260 mil eleitores. (…) Já é o sexto ano seguido (que destina verbas para a cidade)”, disse Gorete. Autor da emenda que custeou uma etapa do Campeonato Brasileiro de Motocross em Tupaciguara, em Minas, Tenente Lúcio afirmou que o repasse se deu por sua atuação na área do esporte.

 

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