Rio de Janeiro – Há três anos, quando disputou sua última eleição para deputado federal, Rodrigo Maia (DEM-RJ) quase não se elegeu. O episódio parece ter levado o político carioca a uma espécie de reinvenção. De lá para cá, Maia se tornou presidente da Câmara dos Deputados, o segundo homem mais poderoso do país, e potencial candidato à sucessão do presidente Michel Temer. Não à toa, tem na ponta da língua toda a agenda econômica que aflige empresários e investidores: parece saber o tamanho de cada problema e o tipo de solução necessária. Seu diagnóstico é música para quem acredita que o Brasil sufoca o setor produtivo cobrando impostos de mais e oferecendo serviços de menos, e para o cidadão que sofre com o Estado omisso e ausente na prestação de saúde, educação e segurança de qualidade.
Magalhães Pinto, o político mineiro, cunhou a ideia de que “a política é como nuvem: você olha e está de um jeito, olha de novo e já mudou”. No momento em que a cena política brasileira muda o tempo todo, Rodrigo Maia é uma nuvem que tem que ser acompanhada. Por um lado, Maia não hesita em vestir a camisa de um Poder Legislativo com credibilidade nas mínimas históricas: terminou a semana passada eximindo o Congresso de qualquer responsabilidade pelo rebaixamento da nota de crédito do Brasil, o que é no mínimo questionável. De outro, todo o seu discurso e linguagem corporal sugerem um homem buscando um protagonismo numa travessia que ninguém sabe – ainda – onde vai dar.
Que probabilidade o senhor atribui à aprovação da reforma da Previdência, ainda mais depois do rebaixamento pela S&P?
O rebaixamento não aumenta nem diminui a possibilidade de votar a reforma. O que aumenta ou diminui são as reações de parte do governo ao resultado. A pior coisa do mundo é quando você quer transferir a sua responsabilidade para os outros. O Parlamento aprovou tudo que foi demandado pelo governo e pela sociedade. Votou matérias polêmicas, fez mudanças fundamentais, como a reforma trabalhista. Temos uma crise fiscal estrutural que precisa ser resolvida, e resolvida de forma harmoniosa, não transferindo de um lado para o outro as responsabilidades. O governo tem uma base parlamentar majoritária no Congresso e é ele que vai liderar esse processo. E para liderar esse processo não pode ser na base da chicotada.
Como assim?
Vivemos numa democracia. Não tem quem mande e quem obedeça: tem quem seja convencido da importância da matéria. Apesar da polêmica, de muita informação errada, é no convencimento que você leva o deputado a votar. Mas precisa convencer. É um ano eleitoral. Tem partes importantes da sociedade – principalmente, no caso da Previdência, os servidores – com um discurso tomado por mentiras que precisam ser combatidas. As corporações passam informações que não são verdadeiras e precisam ser enfrentadas diariamente por aqueles que defendem a reforma da Previdência.
No fim de semana passado, numa entrevista ao Canal Livre, o senhor estava bem otimista de que haveria os votos. Sua leitura de lá para cá mudou?
Não. Apenas tivemos um percalço, não com a decisão da agência, que já era, do meu ponto de vista, morte anunciada, mas a reação a ela. Isso obrigou o presidente a entrar em cena e reorganizar a comunicação do governo, porque ia gerar um estresse forte. Estou trabalhando. Ontem, conversei com o PR (Partido da República), que está trabalhando. Hoje ele tem poucos votos (a favor da reforma) mas quer chegar a mais de 3/5 de seus parlamentares. Depois, estive com o governador (Raimundo) Colombo, de Santa Catarina, para discutir uma forma de atrair os governadores para esse debate, porque eles são mais beneficiados pela reforma que o próprio governo federal. É um caminho longo, não é uma votação fácil. Quem falar que vota fácil não está falando a verdade.
Que probabilidade o senhor atribui hoje à aprovação?
Não tenho como dizer. Ficar falando em números é fácil, mas não há uma previsão. As pessoas estão no recesso, quando voltar você vai sentir o clima. A publicidade do governo continua, você não sabe se o clima volta pior ou melhor. É preciso esperar o final do mês para ter uma opinião mais clara. Não gosto de ficar apresentando números, porque isso mais atrapalha do que ajuda.
Que outras reformas o senhor considera urgentes?
Tem uma agenda econômica importante. Você tem o licenciamento ambiental que é importante, o cadastro positivo, o distrato, a regulamentação das agências reguladoras, a nova lei de falências... São agendas que têm outro tipo de impacto na economia. E você tem a necessidade, depois da Previdência, de abrir um debate sobre as despesas obrigatórias do governo. Temos aí um rol de despesas que não são fiscaliza, não se cobra um uso melhor desse recurso. Você tem aí mais de R$ 280 bilhões de incentivos por ano muito mal aplicados, muitos sem gestão.
O senhor tem dito que o DEM vai ter candidato. O PSDB quer ter candidato, o PMDB está acostumado a apoiar quem quer que seja. Qual a chance de as três legendas saírem juntas no primeiro turno?
Acho que depende muito da possibilidade de um candidato sinalizar para os outros partidos que ele consolidou uma posição. Hoje, por que se fala em tantos nomes? Porque não tem nenhum nome que você olhe e fale: ‘Esse aqui vai consolidar a maior chance de ida ao segundo turno’. Como isso não acontece ainda, especulam-se muitos nomes. Mas acho que está muito cedo ainda. Tem a reforma da Previdência, tem o prazo de mudança de filiação partidária em março. Até lá, vai haver muita especulação, mas pouco avanço.
Tanto Lula quanto Bolsonaro têm muito ‘name recall’. Todo mundo fala nesses dois, mas qual a relevância das máquinas partidárias, o fato de que nenhum deles tem máquinas tão estruturadas quanto os maiores partidos?
Acho que tem um peso grande. Tempo de televisão e fundo partidário têm um peso grande, ainda mais numa eleição como essa, que vai ser a primeira geral que não vai ter financiamento privado. Acho que o impacto do financiamento público para quem tem a melhor estrutura e o impacto da televisão numa eleição de 45 dias vão ser relevantes para aquele que consiga organizar o melhor palanque.
Existe um anseio enorme por renovação na política. O senhor acha que o Congresso vai ter uma taxa de renovação alta este ano?
O Congresso tem uma taxa de renovação alta há muitos anos. A renovação na Câmara varia entre 40% e 45%. As pessoas não sentem isso porque talvez esteja se renovando com o mesmo perfil de parlamentar – segmentos do agronegócio, religiosos, segurança, que cresceram muito nas últimas eleições. A Câmara tem uma renovação alta, o que eu não acho bom. Um Parlamento com mais estabilidade, com parlamentares com mais experiência, e uma taxa de renovação entre 10% e 20% seria um Parlamento que funcionaria melhor durante quatro anos. Quando você renova sempre quase metade do Parlamento, até que os que estão entrando tenham a experiência necessária, você perde aí pelo menos o primeiro ano do Legislativo.
Como se faz, então, para melhorar o Congresso?
O nosso grande desafio não é quanto renovar, mas como renovar. Acho que, com essa crise, você está tendo movimentos importantes na sociedade de pessoas que estavam fora da política. Esses movimentos têm uma participação maior de profissionais liberais, de jovens. Talvez a renovação deste ano – que eu acho vai ficar muito parecida com a eleição passada – possa ser uma em que as pessoas sintam a mudança, porque vai atrair nestes 40% uma parte significativa de pessoas, de segmentos da sociedade que não disputam uma eleição desde a eleição de 1986 para a Constituinte de 1988.
À medida que o senhor se prepara para uma possível candidatura pelo DEM, é de se imaginar que tem feito um diagnóstico sobre a necessidade de reformas. Com quem o senhor tem se aconselhado?
Tem muita gente com quem converso. Não gosto de falar nomes porque fica parecendo que estou montando equipe para discutir pré-campanha, e como meu diálogo vem de muitos anos – e ficou mais próximo com alguns quadros, principalmente da área econômica, depois que eu virei presidente –, se eu começar a falar fica parecendo que já convidei e a pessoa pode não ter interesse. Mas, de fato, tem um grupo de pessoas de várias áreas que me assessora, não porque se está pensando numa candidatura do DEM, mas pelo meu papel de presidente da Câmara. Quantas vezes três ou quatro economistas foram a Brasília para me ajudar a convencer os deputados na PEC do Teto, e agora na PEC da Previdência, espontaneamente. Nenhum pediu para ser remunerado pela palestra, pela participação. É uma coisa muito bacana essa participação de quadros da academia que têm colaborado de forma voluntária com as reformas.
Está na hora de aparecer um estadista para lidar com a crise estrutural do Estado?
Acho que está na hora de o Brasil sair do discurso fácil, da retórica. Está na hora de a gente simplificar o Estado, simplificar o discurso e falar a verdade para o eleitor. Ninguém vai conseguir organizar o financiamento da segurança pública, uma demanda nacional hoje, se o Estado não parar de consumir todas as receitas. A cada ano que passa, a nossa receita livre é menor. Se a gente não discutir que Estado nós queremos, que sistema tributário...
O Brasil tem jeito?
O Brasil está precisando de simplicidade: falas simples, transparentes, diretas e objetivas com a sociedade. É preciso ter coragem de dizer: ‘Gastamos R$ 284 bilhões com incentivos. Será que estamos gastando de forma séria? Será que aqueles que têm recebido os incentivos do governo federal estão gerando empregos e investimento?’´ Não parece. Ficam nichos do setor privado e do setor público se beneficiando do governo – tudo dentro da lei, não estou tirando a legitimidade –, mas o Orçamento público inchou de tal forma nas três esferas que a gente precisa ter um discurso simples, olhar no olho do cidadão e dizer ‘está na hora de reformar isso aqui’. Vão dizer que o governo não tem coração. Não é isso. São R$ 280 bilhões por ano que podiam estar universalizando o saneamento, resolvendo a questão penitenciária do lado do custeio, podia estar melhorando a gestão da saúde, mas que vão embora. Isso não está certo.