Porto Alegre e Brasília — Seis meses e 11 dias depois de ser condenado em primeira instância a nove anos e meio de prisão, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará novamente sob análise da Justiça. Os três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF), de Porto Alegre, vão decidir se absolvem ou condenam o petista dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Mesmo não sendo o capítulo final da saga do petista, o dia de hoje é fundamental: dependendo do resultado e do placar, a defesa e o Ministério Público Federal modularão os recursos a serem apresentados ao próprio tribunal ou às instâncias superiores.
Em um ato com a presença de 70 mil pessoas — segundo os organizadores, na Esquina Democrática, Centro de Porto Alegre, Lula demonstrou disposição para concorrer. “Tenho 72 anos, energia de 30 e tesão de 20 pra lutar pelo Brasil”, disse ele, ao se despedir da multidão. “Só não estarei aqui o dia em que eu morrer. Continuem torcendo. Mas qualquer que seja o resultado, continuarei lutando”, prometeu.
Lula fez um discurso político, sem afrontar o Judiciário. A estratégia é não comprar uma briga que possa gerar um espírito de corpo no TRF-4 e nas instâncias superiores, nas quais o ex-presidente pretende recorrer das sentenças. “Não vim aqui para falar do meu processo, porque tenho advogados para isso. Vim falar sobre o Brasil”, afirma o ex-presidente. Lula lembrou do seu governo, afirmando que o Brasil daquela época recuperou a autoestima e abandonou o complexo de vira-latas. E provocou os adversários. “Quando a direita aceita qualquer candidato para me enfrentar, aí que vejo que eu devo ser bom mesmo”, assinalou Lula.
AVALIAÇÃO A Brigada Militar de Porto Alegre não confirmou o número de participantes, mas os organizadores acreditam que a capital gaúcha presenciou ontem o maior comício de sua história. “Eu não sou Lula, mas fiquei impressionado com a fidelidade dessas pessoas a ele”, disse o advogado, empresário e escritor Sérgio Calarin, de 37 anos. O petista, que fez questão de estar acompanhado do pré-candidata do PCdoB ao Planalto, a deputada estadual Manuela D’Ávila, foi interrompido diversas vezes pela multidão.
Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu autorizar a prisão a partir da segunda instância da Justiça, essa etapa de uma ação penal passou a ser a mais esperada pelas partes envolvidas. Mas a pena de reclusão só poderá ser decretada após esgotar todos os recursos no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde ocorre o julgamento. O Ministério Público Federal (MPF) quer uma condenação maior, que contemple outros crimes. Durante a sessão de hoje, o MPF terá 30 minutos para se manifestar sobre a situação de Lula e os demais acusados. O procurador que estiver representando a instituição pode pedir mudanças na sentença definida por Sérgio Moro.
Às 8h30, o desembargador Leandro Paulsen, presidente da 8ª Turma, responsável pela análise do caso, abre a sessão. Em seguida, o juiz João Pedro Gebran Neto faz a leitura do relatório do processo, em 30 minutos. O desembargador Victor Luis dos Santos Laus também integra a equipe da turma que vai julgar o petista. O jurista João Paulo Martinelli, doutor em direito penal pela USP e coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ressalta que, independentemente da decisão, existem diversos recursos que podem ser apresentados pela defesa do acusado. “Cabem recursos tanto no próprio TRF-4, quanto nos tribunais superiores. Se houver algum ponto obscuro ou duvidoso, ambíguo na decisão, cabem os embargos de declaração”, afirmou Martinelli.
MANIFESTAÇÕES Na véspera do julgamento do ex-presidente Lula, Porto Alegre e outras cidades brasileiras,inclusive Belo Horizonte, registraram manifestações a favor e contra Lula, caso de Belo Horizonte. Na capital gaúcha, os atos começaram logo cedo. Na Bahia, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) bloquearam cinco rodovias federais e quatro estaduais na manhã de ontem. Em Brasília, militantes pró e contrários a Lula quase entraram em confronto na Praça dos Três Poderes após um petista ter a bandeira arrancada das mãos. A polícia reagiu e controlou o tumulto com sprays de pimenta.
A capital gaúcha, que amanheceu quente e com policiais espalhados nas principais ruas da cidade, presenciou, desde cedo, manifestações a favor de Lula. O primeiro deles seria realizado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, mas uma pane elétrica — segundo os organizadores do ato, uma sabotagem — obrigou os manifestantes a protestarem no meio da rua. “Não tenho dúvidas de que a falta de energia foi premeditada pelo governo”, disse a deputada federal Maria do Rosário (PT).