Com a penalização econômica imposta ao trabalhador que perde as ações propostas, segundo estabeleceu a reforma trabalhista em vigor desde 11 de novembro de 2017, a tendência é de que, se mantida a norma, caia a demanda nos tribunais, avalia o desembargador Marcus Moura Ferreira, novo presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região – Minas Gerais (TRT-MG) para o biênio 2018/2019. A nova regra é alvo de questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo dados do bimestre novembro/dezembro de 2016 em relação ao mesmo período de 2017, o total de novas ações propostas teve redução de 10%, caindo de 39.441 para 35.735. Já na comparação de dezembro de 2016, antes das mudanças, com o mesmo mês de 2017, após a vigência da reforma, as novas demandas encolheram pela metade, de 16.336 para 8.239. “O acesso à Justiça é uma conquista da cidadania. E se buscar a Justiça está mais oneroso para o trabalhador, consequentemente ela está menos acessível”, afirma Marcus Ferreira.
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Sempre que se assume cargo de direção num tribunal deve se ter em mente como objetivo central a efetividade da prestação de Justiça. É isso que importa à sociedade. Posso resumir isso a dois princípios fundamentais: a garantia de acesso a todos que precisam da jurisdição e a duração razoável do processo.
Desde 11 de novembro de 2017 estão em vigor profundas mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Que avaliação faz da reforma trabalhista?
A CLT vem sendo objeto de diversas mudanças para adaptá-la à dinâmica social e à relação de emprego. E esta foi, com certeza, a mais profunda. E, pela complexidade, há vários aspectos que acarretam controvérsias. Vejo um problema de base nessa reforma. Não houve debate público para essas mudanças.
Qual foi, em sua opinião, a mudança de maior repercussão introduzida pela reforma trabalhista?
O processo na Justiça do Trabalho se tornou mais oneroso e consequentemente menos acessível: se o trabalhador perder a demanda, embora pudesse ter a expectativa de ganhá-la totalmente ou parcialmente, deverá pagar as despesas do processo e os honorários do advogado e do perito. Todas as despesas e encargos decorrentes de um processo judicial recairão sobre ele.
Houve menor procura pela Justiça do Trabalho após a reforma trabalhista?
A lei entrou em vigor em 11 de novembro, um sábado. Na véspera, nos dias 8, 9 e 10 de novembro – respectivamente quarta, quinta e sexta-feira –, entraram 12.516 novos processos, ou seja, um recorde em se tratando de uma semana normal.
Em sua avaliação, essa tendência de redução no número de novos processos vai se consolidar?
Há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta pela Procuradoria-Geral da República junto ao Supremo Tribunal Federal, que trata da questão do acesso. Portanto, esse é um ponto controverso em aberto, em minha avaliação o principal deles. Há outros pontos na mesma ação que também ainda serão avaliados. Agora, se a regra permanecer como está, é intuitivo que o número de novos processos diminuirá, pois os encargos são altos e o pagamento se torna uma espécie de sanção.
Como atuará a Justiça do Trabalho face aos acordos coletivos?
As empresas sempre alegaram que se sentiam inseguras ao negociar com os seus trabalhadores no plano coletivo, porque a Justiça do Trabalho eventualmente não atribuía validade ao resultado dessa negociação. E por que isso ocorria? Porque o contrato que resultava dessa negociação continha clara violação ao direito assegurado, não apenas na lei, mas na Constituição. É muito importante que se negocie sempre. Mas uma coisa é que se tenha como valor a negociação coletiva. Outra coisa é não permitir que se faça o controle judicial da negociação coletiva. Porque as posições como empresa e trabalhador não são razoavelmente equivalentes – por isso, se negocia através de sindicato. Se os sindicatos não estão estruturados para isso, significa que a negociação poderá resultar em desequilíbrio. Hoje, há uma norma na lei segundo a qual as convenções e acordos, resultado da negociação coletiva, só podem ser objeto de controle judicial quanto aos requisitos formais. Isso significa que o conteúdo não deve passar pelo crivo do juiz. Evidente que um número importante de juízes e tribunais não concorda com essa norma.
As novas normas da CLT retroagem e alcançam também contratos anteriores a 11 de novembro, data da vigência da nova lei ou os contratos antigos continuam regidos pelas normas anteriores à reforma trabalhista?
O princípio é que a lei não retroage. Mas o contrato de trabalho, não se resolveu no passado e se consumou. A regra dos direitos materiais vale a partir da vigência da lei, mas o contrato de trabalho vai se realizando todos os dias, todas as horas, todo momento, é o que chamamos de contrato de trato sucessivo, pois é na sucessividade que vai se dando. Ela pode até retroagir para alcançar algumas situações, mas terá de ser examinado a cada situação concreto. A medida provisória (editada pelo presidente Michel Temer em 14 de novembro) diz que a reforma trabalhista retroage. A discussão que está colocada é: qual é o direito que se aplica no conflito de normas intertemporal – entre tempos? Não há uma única solução. Cada caso deve ser decidido de acordo com a sua situação de fato e de direito. Em certas situações, os juízes dirão que se aplica integralmente a lei nova; em outras, não. Agora um campo de atuação em que é bem menos controverso: a parte processual da lei. De um modo geral, se entende no Brasil que a lei processual entra em vigor e produz efeitos imediatamente: prazos, quem paga, quem não paga. Mas se o trabalhador está demandando, quando entrou em juízo a prova pericial foi determinada pelo juiz e não havia perspectiva de que o autor da ação poderia pagar, dificilmente retroagiria ao ponto de afetar um direito de mais tempo.
Pode-se entender então que desde 11 de novembro, para o contrato que está em curso, vale a nova regra daquela data em diante e no período anterior, a regra antiga?
O princípio é esse. Mas se perguntar: os tribunais vão decidir sempre assim? Não. Tendo em vista a natureza sucessiva, continuada do contrato, as parcelas que já aderiram ou ainda não aderiram ao contrato, haverá situação discutível, controversa, em que os juízes e tribunais terão de decidir a cada caso concreto.
A magistratura brasileira organiza para fazer em fevereiro um movimento para defender o que é considerado indefensável por boa parte da sociedade: embora seja parte da burocracia estatal com os melhores salários, ainda ganha auxílio-moradia e não se conforma com o fato de estar sob risco de perder o benefício em julgamento marcado para março, no STF. Como se posicionam os juízes do Trabalho?
Vamos ser claros em relação à magistratura da União. Os juízes federais só têm auxílio-moradia. STF, STJ, TSE, STM e juízes federais. O Poder Judiciário da União não tem o mesmo conjunto de auxílios que os tribunais estaduais. O auxilio-moradia foi dado por liminar e se aplica a todos. Ele está na Lei Orgânica da Magistratura. Ele sempre foi pago aos órgãos e integrantes do Poder Executivo e do Poder Legislativo. Decidiu-se então por estendê-lo à magistratura, em função de sua previsão na Lei Orgânica da Magistratura, portanto um tratamento de equivalência aos outros poderes. Mas aí o Ministério Público o estendeu aos seus membros. Isso não nos conforta. Queremos uma política remuneratória transparente, que esteja inserida dentro de outra política mais ampla, que se chama política de valorização da magistratura. Qual é nesse momento a melhor solução? É a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição, PEC 63, que está desde 2013 no Congresso e estabelece parâmetros para a implantação dessa política de valorização da magistratura e nesse âmbito, o adicional de tempo de serviço de 5% até o máximo de 35% (se ficar 40 anos). Isso criaria uma política de justiça salarial no interior da carreira.
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