Pressionado pelo empresariado brasileiro, mercado financeiro e investidores internacionais, mas ainda sem os votos necessários sequer para a aprovação de uma pauta mínima em substituição ao inteiro teor da propalada reforma da Previdência (PEC 287/16), o presidente Michel Temer (MDB) discursará nesta segunda-feira (5), na abertura do ano legislativo do Congresso Nacional, insistindo no que considera “prioridade” de seu governo. Temer buscará despertar empatia junto às bancadas, por seu turno pressionadas pelas urnas no próximo 7 de outubro, o que torna a pauta particularmente indigesta.
O presidente rebaterá na tecla de que, apesar do déficit de R$ 268 bilhões na Previdência, anunciado em 2017, o seu governo “aguentará” mais onze meses; mas não as próximas administrações. Ao mesmo tempo, não apenas a equipe econômica de Henrique Meirelles, que até abril avaliará se sairá candidato à Presidência da República, mas também o quarto andar do Palácio do Planalto – Casa Civil e as secretarias de Governo e Geral da Presidência – afinam o discurso na mesma direção.
A sessão inaugural do ano legislativo – que formaliza o retorno dos parlamentares ao trabalho e também recebe do Executivo uma mensagem com as prioridades para o ano que se inicia – seria, em princípio, na sexta-feira, dia 2. Mas o presidente do Congresso, senador Eunício Oliveira (MDB-CE), decidiu postergá-la para garantir maior presença dos parlamentares. Todo o discurso preparado pela equipe de Temer reitera o que o Planalto admite: faltam votos, embora já tenha sido delegado ao secretário de Governo, Carlos Marun (MDB-MS) “munição” de até R$ 10 bilhões para obras em redutos eleitorais dos deputados federais. O mais recente e otimista balanço do Planalto contou 271 apoios, contra os 308 votos em dois turnos necessários para a mudança da regra constitucional.
Os votos minguam porque parlamentares que manifestam apoio estão sendo execrados pelas redes sociais e nas ruas, sem conseguir uma narrativa convincente. Mesmo diante das incertezas – que podem redundar numa derrota política de grave repercussão a Michel Temer no Congresso – o calendário de votação anunciado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) se mantém para o próximo 19 de fevereiro.
Mudanças à vista A semana de intensas articulações se iniciou ontem à tarde: Temer se reuniu com o relator reforma da Previdência, deputado Arthur Maia (PPS-BA) e os ministros da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, e da Fazenda, Henrique Meirelles. Ao fim do encontro, Maia afirmou que duas mudanças podem ser feitas no texto, a adoção de uma regra de transição para os servidores que ingressaram no serviço público antes de 2003 e elevando o teto para acumulo de benefícios, hoje em R$ 1.908 para R$ 5.645,81, limite de pagamento do INSS. “(A idade mínima do servidor) começaria com 60 anos de idade, que já é o que já existe, e teria uma transição de dez anos, até chegar a 65 anos”, explicou Maia em entrevista ao site G1.
Meirelles admitiu a discussão sobre as mudanças no texto da reforma da Previdência e a possibilidade de alterações, mas afirmou ontem que o ideal é o “projeto da reforma como está”. “Estamos entrando, sim, numa semana onde começa a se decidir de forma mais objetiva sobre os diversos pontos. Vamos ver o que é possível fazer para termos uma reforma que, de um lado, preserve uma maior equidade entre todos os brasileiros, e, em segundo lugar, preserve a capadide do estado de garantir a Previdência ao aposentado no futuro”, afirmou Meirelles ao deixar o encontro no Palácio do Jaburu, onde mora o presidente.
O relator afirmou que as mudanças não estão definidas e que caberá aos líderes da base aliada sugerir mudanças em troca de votos. No esforço de mobilização, hoje à noite, Rodrigo Maia vai oferecer jantar aos líderes partidários, numa tentativa de calcular o número de deputados que apoiam a reforma e avaliar aqueles indecisos que podem ser “convencidos”.
Segundo o líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-CE), as bancadas também serão ouvidas a partir de amanhã, quando cada parlamentar apresentará as respectivas demandas e exigências para votar a favor da reforma, assim tentando “compensar” o desgaste político de abraçar a pauta em ano eleitoral. Para o líder, por causa do carnaval, até quarta o governo, com um balanço mais preciso, avaliará o que fazer.
Também em nome da Reforma da Previdência, haverá negociações em torno das 25 comissões permanentes da Câmara dos Deputados. A escolha dos presidentes de cada colegiado em geral é feita com base no princípio da proporcionalidade partidária – ou seja as bancadas maiores têm precedência na ordem de escolha e no número de presidências das comissões a serem reivindicadas.
O MDB, maior bancada, tem direito a comandar mais de uma comissão e escolhe primeiro aquela que quer presidir. Em geral, essa escolha recai sobre a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Mas, em decorrência de acertos em troca de apoio para a votação da reforma, poderão acontecer mudanças na ordem de escolha e trocas entre os partidos, o que deve deixar para depois do carnaval a escolha dos presidentes das comissões.
Ano curto e sem polêmicas
Com o retorno das atividades legislativas o Congresso Nacional deve esquecer temas polêmicos que começaram a ganhar forma no ano passado. Muito além da reforma da Previdência, outros assuntos, como aborto, foro privilegiado, e maioridade penal, chegaram a entrar em pauta em 2017, aqueceram os interesses políticos, mas devem perder força este ano. Para especialistas, o ano atípico pressiona deputados a abandonarem projetos conflituosos para apostar em uma zona de conforto e garantir a reeleição. E para sobreviver é necessário, antes de tudo, agradar o eleitor.
“A prioridade número um é a sobrevivência política”, comentou o professor de ciência política da PUC, no Rio de Janeiro, Ricardo Esmael. Para o especialista, os temas considerados impopulares, ou seja, aqueles que dividem os eleitores, são comuns no primeiro ano de governo depois da reeleição, e não, no ano em que o mandato pode estar por um fio. “Os deputados têm um raciocínio muito questionável. Aquilo que é votado no primeiro ano, quando chegar ao fim do mandato, as pessoas não vão lembrar. Então, acho que se tiverem que votar algo, vão votar em 2019, e não em 2018”, afirmou.
Entre os assuntos que chegaram a entrar em pauta no Congresso e que deveriam voltar à tona este ano estão o casamento homoafetivo, que define como família ‘a união estável entre duas pessoas’, a nova questão do aborto, que proíbe o ato até em casos já permitidos por lei – como estupro, anencefalia, ou risco de vida para a mãe –, e o foro privilegiado, que aguarda a indicação de partidos para criar a comissão especial. Nenhuma desses têm previsão para voltar à pauta, nem na Câmara, tampouco no Senado Federal. “Você tem uma dificuldade concreta. É claro que isso vai aumentar a partir de agosto, quando você vai ter o calendário da campanha eleitoral, mas, a verdade é que a campanha já começou”, avaliou Esmael.
O cenário fica ainda mais complicado após o próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) decidir se candidatar ao Palácio do Planalto. Isso porque, segundo o especialista, os deputados que quiserem a reeleição ou apostar em outros cargos, devem ficar menos em Brasília, e mais no estado de origem. “Se eles retornam às bases todo fim de semana, isso vai acontecer muito mais agora. Porque há a necessidade de estar no corpo-a-corpo com o eleitor. Isso é imprescindível. Não há como convencer os deputados a ficar muito tempo em Brasília com discussões polêmicas, que ainda vão se arrastar por muito tempo”, explicou. “O brasileiro está com a sensação de renovação muito grande, então é preciso estar atento às bases para garantir a reeleição”, disse.
Mas ainda há a possibilidade das pautas polêmicas servirem como moeda de troca. Ou seja, como o governo federal aposta em votar a reforma da Previdência ainda este mês, é possível que alguns temas sejam colocados em pauta para agradar parlamentares. É isso que explica o cientista político David Fleisher. “Tem muitas dessas articulações de troca. Já teve com a bancada ruralista, depois em uma negociação com a Infraero. Há muito toma-lá-dá-cá”, afirmou. Assim, se uma bancada quiser, ela pode pressionar o assunto a voltar à pauta em troca de um voto favorável a reforma.