Rio – O ministro da Defesa, Raul Jungmann, disse que a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro se tornou uma “emergência” e admitiu que, se necessário, serão editadas normas complementares ao decreto assinado na sexta-feira, mas ressaltou que, por enquanto, o governo não pensa em fazer isso. “É importante destacar que não haverá uma mudança do dia para a noite no Rio, é um processo enormemente complexo. O tema da segurança se transformou numa emergência”, disse Jungmann.
A preocupação do governo com a intervenção e a criação do Ministério da Segurança Pública se justificam pelo tamanho do problema da criminalidade. O uso de fuzis por criminosos no Rio e em São Paulo quase dobrou nos últimos cinco anos, ao mesmo tempo em que as apreensões de todos os tipos de armas feitas pela Polícia Federal nas fronteiras do país caíram 60,9% em 2017 (759) na comparação com 2013 (1.944).
Como a maioria dos fuzis nas mãos dos criminosos não é fabricada no país, esse tipo de arma deve passar pela fronteira, cuja responsabilidade pela fiscalização é da PF. O que mostra que elas continuam entrando no Brasil é o aumento das apreensões feitas por polícias estaduais, que encontram os fuzis já com as quadrilhas. No Rio, as polícias Civil e Militar apreenderam no ano passado 499 fuzis, um recorde – em 2013, foram 256. Em São Paulo, só no primeiro semestre de 2017, as polícias do estado apreenderam cerca de uma centena de fuzis - aumento de 20% em relação a 2016. “Nunca vi tanto fuzil na mão de bandidos como agora”, afirmou o delegado Ítalo Zaccaro Neto, do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic).
A reportagem consultou oito delegados da Polícia Civil e da Polícia Federal e especialistas sobre um dos pontos principais da atual crise da segurança pública no país: o aumento do poder de fogo de bandidos ligados a facções criminosas, que disputam o controle do tráfico.
“A Polícia Federal não pode abandonar o combate aos crimes violentos para atuar apenas contra o que dá mídia”, afirmou o coronel José Vicente da Silva Filho. Ex-secretário nacional de Segurança Pública na gestão Fernando Henrique Cardoso, o coronel diz que a queda no número de apreensões não é resultado da diminuição de circulação de armas de fogo, pois os indicadores de crimes violentos não caíram no país.
APREENSÃO No Rio, onde a Polícia Civil em uma única operação em 2017 apreendeu 60 fuzis no aeroporto do Galeão – que teriam sido encomendados pelo traficante de drogas Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157 –, a Polícia Federal concentra apenas 1,5% das armas recolhidas no país por seus agentes. Para um delegado federal ouvido pela reportagem, esses números são reflexo das dificuldades atuais para rastrear a comunicação de traficantes por aplicativos.
Para Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a maior deficiência no combate ao tráfico de armas e de drogas está na fiscalização dos portos.
por terra e água As armas importadas pelo Comando Vermelho e pela Família do Norte (FDN) chegam ao país, principalmente, por via marítima. Já as que entram para o PCC e seus aliados, como a Amigos dos Amidos (ADA), no Rio, viriam do Paraguai e da Bolívia, em caminhões graneleiros. “As armas vêm com drogas e as quadrilhas especializadas em roubos estão interligadas com o tráfico. A guerra entre as facções fez com que até as biqueiras se armassem em São Paulo”, afirma o delegado Ruy Ferraz Fontes, diretor do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão aos Narcóticos (Denarc).
Outra forma é trazer armas para o Brasil usando a internet. Lojas on-line nos Estados Unidos vendem partes de fuzis, como AR-15, e aceitam até bitcoin como forma de pagamento. Os bandidos usam endereços de laranjas para receber as entregas e montam as peças no Brasil.