O delegado Fernando Segovia assumiu o cargo mais importante da Polícia Federal em 20 de novembro do ano passado. Nomeado com a tarefa de sanar problemas que ocorreram durante os sete anos de gestão de seu antecessor, Leandro Daiello, a recepção de Segovia não foi das mais fáceis.
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Delegados ameaçam acionar STF caso Segovia interfira em investigações contra TemerHá uma crise de desconfiança na PF, diz delegado sobre SegoviaReuters corrige matéria com declaração de Segovia sobre inquérito contra TemerPaís precisa de 'remédio' para dosar ansiedade, diz Gilmar sobre caso SegóviaAssim que tomou posse, Segovia tentou se afastar das acusações de que ele poderia interferir no trabalho da Operação Lava-Jato ou nas demais investigações realizadas pela PF. Na cerimônia de posse, afirmou que iria unir delegados e agentes, que realizaram diversos embates ideológicos na gestão anterior e aumentar as equipes de investigação.
De fato, em janeiro deste ano, a equipe do Grupo de Inquéritos do Supremo Tribunal Federal (Ginq) teve um aumento no número de integrantes. Essa equipe é exatamente a que atua nas ações contra políticos que correm no Supremo. Antes eram 53 servidores, que com o acréscimo de pessoal, chega agora a 85.
Outra ação, realizada por Segovia nos primeiros 90 dias em que está a frente da PF foi o início das negociações para reforço de pessoa e criação de uma tropa fardada para o grupo que atua nas fronteiras do Brasil com demais países da América do Sul. Uma das principais reclamações é a falta de pessoal, equipamento e inventivo para os policiais que atuam nesta região estratégica para a segurança pública do país. Mas todas as conquistas foram por água abaixo após uma entrevista concedida à agência Reuters, em que Segovia indica que o inquérito contra Michel Temer que tramita no STF deve ser arquivado.
A declaração caiu como uma bomba dentro da corporação. As reações foram imediatas. Um memorando enviado pelos integrantes do Ginq ao delegado Eugênio Ricas, chefe do setor de investigação, retratou a insatisfação dos delegados. O grupo informou que os responsáveis pelas investigações vão denunciar “qualquer tipo de interferência em seu trabalho”.
É a primeira vez que esse tipo de manifestação interna contra o diretor-geral é oficializada. Entre os integrantes da PF, em Brasília, o temor foi de um efeito cascata, de total insatisfação. “A insatisfação não foi uma surpresa, mas a reclamação formal sim. A impressão que fica é que a qualquer hora algum grupo vai se revoltar e isso poderia gerar um efeito dominó, afetando todos os setores. Poderia representar o início de uma insubordinação generalizada”, afirma um integrante do alto escalão que prefere não se identificar.
O professor José-Matias Pereira, doutor em ciência política da Universidade de Brasília (UnB), afirma que é necessário mais tempo para avaliar a gestão de Segovia. No entanto, ele ressalta que é necessário que o representante máximo da Polícia Federal mantenha distância de atos políticos.
“Em um cenário político como o atual, em que temos um presidente com duas acusações arquivadas e uma em andamento, é natural essa desconfiança em relação a uma aproximação entre o diretor-geral da PF e o chefe do Executivo. Mas nesse começo de gestão é difícil avaliar. É inegável que existe um clima de insatisfação dentro da corporação, que é uma instituição que precisa manter sua credibilidade junto a sociedade”, afirma.
Manter a confiança de uma instituição com 20 mil integrantes, entre policiais, delegados e investigadores não é tarefa fácil.
A Lava-Jato alcançou a cúpula do Poder Executivo e Legislativo, não só no período de gestão atual, mas também nas anteriores. Somente no Paraná, onde a operação mais avançou, foram instaurados 1.765 procedimentos para investigar o cometimento de crimes. 282 pessoas foram denunciadas. No STF correm 124 inquéritos contra pessoas com foro privilegiado.
O presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, Edvandir Paiva, destaca que a crise interna está crescendo a cada dia. “Está havendo um avanço na gestão. Os nomes escolhidos para as superintendências são bons.
Mas por outro lado essa proximidade com o presidente da República causa desconforto. Hoje temos um clima de desconfiança muito grave dentro da polícia. Estamos tentando superar, mas com essas declarações, a situação apenas se agrava”, afirma.
O DEPOIMENTO O encontro de Fernando Segovia com o ministro Barroso será às 17h, de acordo com o gabinete do ministro.
“Tendo em vista que tal conduta, se confirmada, é manifestamente imprópria e pode, em tese, caracterizar infração administrativa e até mesmo penal, determino a intimação do senhor diretor da Polícia Federal, delegado Fernando Segovia, para que confirme as declarações que foram publicadas, preste os esclarecimentos que lhe pareçam próprios e se abstenha de novas manifestações a respeito”, diz um trecho do despacho de Barroso.
Segovia informou que não está comentando o assunto. Mas em uma nota enviada para colegas da PF, ele afirma que “nunca disse à imprensa que o inquérito será arquivado” e que inclusive destacou que a investigação é conduzida com “independência e isenção”.
CRONOLOGIA DE CONTROVÉRSIAS
19 de novembro de 2017
>> Em entrevista, Fernando Segovia critica a condução do inquérito contra Temer e o fato de “uma única mala ser usada como prova”.
20 de novembro de 2017
>> O diretor-geral da PF toma posse oficialmente. Ao ser questionado sobre a entrevista publicada no dia anterior, Segovia reafirma que “uma só mala não prova nada”, mas destaca que “as investigações contra Temer vão continuar”.
15 de janeiro
>> Em encontro não previsto na agenda, Temer se reúne com Segovia. A reunião ocorreu na semana em que o presidente respondeu a 50 perguntas feitas pela PF. O diretor disse que pediu ao presidente a criação de um grupo fardado da PF para atuar nas fronteiras.
18 de janeiro
>> O delegado Felício Laterça é indicado para a superintendência do Rio de Janeiro. Ele é investigado por suposta ligação com políticos.
2 de fevereiro
>> Felício Laterça desiste de comandar a superintendência do Rio.
9 de fevereiro
>> Entrevista de Segovia à agência Reuters repercute mal após ele falar sobre provável arquivamento do inquérito contra Temer..