Sete dias depois de assassinada com quatro tiros no Rio de Janeiro, a figura da vereadora Marielle Franco (Psol) ultrapassou as fronteiras do Rio de Janeiro e ganhou todo o mundo.
Pode-se dizer com certeza que a morte brutal da parlamentar a transformou em um símbolo global da defesa das minorias: negros, pobres, favelados, população LGBT... E a principal linha de investigação da polícia é que se tratou de uma execução, já que poucos dias antes ela havia denunciado abusos cometidos pela polícia do Rio.
Nessa terça (20-03), um dos principais jornais norte-americanos, o The Washington Post, estampou na primeira página da edição impressa e do site imagens de Marielle e de protestos. “Uma política negra foi morta a tiros no Rio. Agora é um símbolo global”, diz o título.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) antecipou a vinda da relatora do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a chilena Antonia Urrejola. A viagem oficial marcada então para novembro deverá acontecer em maio.
A comissão também já encaminhou uma carta ao Palácio do Planalto com pedido de informações sobre a intervenção federal na área de segurança do Rio. Marielle havia assumido, no último dia 28, a relatoria de uma comissão criada na Câmara para acompanhar a intervenção.
Na semana passada, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão autônomo ligado à OEA, divulgou nota de repúdio ao assassinato de Marielle e do motorista Anderson Pedro Gomes. De acordo com o texto, atos de violência contra quem defende os direitos humanos, além de afetar as garantias de todo ser humano, atingem o papel fundamental que eles têm na sociedade.
A comissão defendeu ainda que as linhas de investigação considerem a hipótese de o assassinato ter sido motivado pela atividade de Marielle como “mulher, afrodescendente, vereadora e defensora de direitos humanos”. Para a comissão, o governo brasileiro deve investigar o “lamentável crime de maneira séria, rápida, exaustiva, independente e imparcial, e punir os responsáveis intelectuais e materiais”.
A Anistia Internacional, organização não governamental, cobrou do governo uma investigação “imediata e rigorosa”. “Marielle Franco é reconhecida por sua histórica luta por direitos humanos, especialmente em defesa dos direitos das mulheres negras e moradores de favelas e periferias e na denúncia da violência policial”, afirma nota divulgada pela entidade. “Não podem restar dúvidas a respeito do contexto, motivação e autoria do assassinato de Marielle Franco.”
Show
O mundo das celebridades também prestou homenagens à vereadora fluminense. No último domingo, uma foto de Marielle foi projetada em um telão durante o show da cantora californiana Katy Perry, na Praça da Apoteose, no Centro do Rio. A americana recebeu no palco a irmã e a filha de Marielle, e após abraçá-las, pediu um momento de silêncio para homenageá-la. A atriz Viola Davis usou as redes sociais para comentar o crime ocorrido no Brasil.
Engajada em ações de igualdade de gênero e pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, a atriz ressaltou a coragem da vereadora em sua conta no Twuitter. “Acabei de ouvir sobre essa corajosa mulher #MarielleFranco, que lutou pelos direitos dos pobres nas favelas. Estou de pé e lutando com vocês, Brasil. Viva Marielle e Anderson!!!”, escreveu Viola, premiada com o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 2017, pela atuação no filme Um limite entre nós, e eleita pela revista Time como uma das 100 personalidades mais influentes do planeta.
Inquérito tem poucos avanços
Pouco se sabe até agora sobre o assassinato de Marielle Franco e de Anderson Gomes. Conduzidas pela Polícia Civil e o Ministério Público Estadual do Rio, as investigações apontam que foi usada munição nove milímetros original – a preferida por criminosos no Brasil. O artefato faz parte de um lote vendido pela Polícia Federal em Brasília em 2006, o mesmo usado na maior chacina registrada em São Paulo, quando 17 pessoas morreram em Barueri e Osasco, em agosto de 2015.
Na semana passada, o ministro Raul Jungmann (Segurança Pública) havia anunciado que a munição foi roubada da sede dos Correios na Paraíba. No entanto, no dia seguinte o órgão negou a versão, vindo à tona a compra feita pela PF em 2006. Como se não bastasse a dificuldade em rastrear a munição, a polícia se viu diante do uso de uma placa clonada em um dos carros que participou do crime – o que dificulta ainda mais a identificação dos criminosos.
Sigilo
Por questão de estratégia, as informações apuradas são mantidas em sigilo, mas a polícia diz que é possível rastrear o trajeto dos veículos antes e depois do crime. A hipótese mais provável para a polícia é que se trata de um crime de execução, já que não houve uma tentativa de assalto. A Delegacia de Homicídios também admite a hipótese de participação da milícia no assassinato – poucos dias antes de morrer, Marielle havia denunciado abusos da polícia do Rio, e em 2008, participou ativamente da CPI das Milícias, formada na Assembleia Legislativa.
A polícia ouviu ontem novos depoimentos sobre o caso, em busca de possíveis motivações. Ainda serão ouvidas pessoas mais ligadas a Marielle, como parlamentares do Psol, e a assessora que estava com ela no carro e sobreviveu ao ataque. Até a manhã de ontem, o Disque-Denúncia havia recebido 39 ligações com informações sobre o crime.