Curitiba, Brasília e São Bernardo (SP) — Um misto de estratégia eleitoral, improviso na negociação e emoção política marcou o dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula Silva se entregou à Polícia Federal. Entre o vai-não-vai do petista, os próprios militantes barraram, ao longo da tarde, ainda em São Bernardo (SP), a saída do carro que o levaria ao aeroporto. Se Lula tinha cumprido o plano de transformar a prisão em um ato heróico – primeiro se recusando a se entregar no prazo estabelecido pelo juiz Sérgio Moro e depois fazendo um discurso forte para os partidários –, a saída de São Paulo se transformou numa novela de roteiro ruim, que terminou às 18h42, quando Lula saiu do sindicato a pé e entrou em um carro da PF que o esperava.
A estratégia de Lula era segurar ao máximo a rendição e documentar, em vídeos e fotos, todos os passos antes da prisão, que só ocorreria depois do prazo estabelecido pelo juiz paranaense, descumprido às 17h da quinta-feira. Às 11h, frustrou-se a última cartada da defesa: um novo pedido de habeas corpus foi recusado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Edscon Fachin. Às 12h15, Lula fez o discurso em seguida ao ato religioso em homenagem à mulher, dona Marisa, morta em fevereiro de 2017. A partir dali, o plano era se entregar.
Mas, por quase duas horas os militantes barraram a saída do carro, o que fez com que Lula voltasse ao prédio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. A PF então concedeu o prazo de meia-hora para que ele se apresentasse às viaturas que estavam estacionadas em uma rua ao lado do prédio onde fica a sede do Sindicato dos Metalúrgicos. Com os manifestantes bloqueando o portão, Lula saiu à pé, no meio da multidão até chegar às viaturas. Com a rendição, o petista seguiu no comboio policial até a sede da corporação, onde passou por exame de corpo de delito. De lá, foi levado pelo helicóptero da Polícia Militar até o aeroporto de Congonhas, de onde partiu para Curitiba em um avião monomotor.
Em Curitiba, agentes da Polícia Federal foram convocados para aguardar a chegada do ex-presidente. A expectativa era que o pouso do avião dele ocorresse até as 22h. Viaturas da Polícia Militar fizeram a segurança do aeroporto Afonso Pena, na região metropolitana da capital paranaense. Na sede da PF, manifestantes contra e a favor de Lula passaram o dia em vigília, com palavras de ordem, buzinas e fogos de artifício. Moradores do bairro Jardim Santa Cândida, onde fica a sede da corporação, exibiam bandeiras do Brasil nas sacadas das varandas e nas janelas. A maior parte dos manifestantes era gente a favor de Lula, cerca de 500 pessoas até às 19h de ontem.
A 500km dali, em São Bernardo do Campo, dirigentes petistas tentavam convencer os militantes a desobstruir a saída de Lula, quase seis horas depois do discurso do ex-presidente, que falou para uma multidão de militantes durante 50 minutos. Antes do discurso, a missa foi a penúltima ação de um enredo montado estrategicamente na cabeça de Lula antes de prisão.
Em Curitiba, Lula ocupará uma sala de 15 metros quadrados transformada em cela pela PF, com banheiro, cama e mesa. O cômodo fica no quarto e último andar do prédio da Polícia Federal, localizado no bairro de classe média Jardim Santa Cândida, região central da capital paranaense. No prédio, estão detidos ex-ministro petista Antônio Palocci e o o ex-diretor da Petrobras Renato Duque. Lula, entretanto, não terá contato com eles, que ocupam as celas da carceragem, no subsolo da Diretoria da PF.
Polícia cercada Ontem, aos poucos, como numa montagem de uma cidadezinha de brinquedo, a área envolta do prédio cinza e preto da Diretoria da Polícia Federal foi sendo ocupada. No início da manhã, por volta das 9h, apenas alguns curiosos passeavam tranquilos pelas ruas calmas do simpático bairro Jardim Santa Cândida. Apenas jornalistas, cerca de 50 naquele momento, circulavam na frente do portão de ferro do imóvel da Polícia Federal. Com o passar das horas, porém, o cenário foi ganhando vida.
Às 11h30, o grupo de vermelho, formado por cerca de 100 pessoas contrárias à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conseguiu ocupar os 150m da pista em frente ao prédio da Polícia Federal. Os poucos manifestantes vestidos de amarelo, entretanto, não se intimidavam e passavam no meio das fileiras vermelhas. Alguns xingamentos, cerca-cerca, começaram a preocupar os mais conscientes. Um ou outro carro da Polícia Militar passava. Às 13h, quatro minutos de encerrado o discurso de Lula, em São Bernardo do Campo (SP), o movimento já era intenso com mais de 200 pessoas.
As provocações começaram a ser maiores e a PM decidiu primeiro isolar a área, depois separar os manifestantes. Como o grupo de vermelho chegou primeiro, e estava em maior número, algo em torno de 400 pessoas, conseguiu manter a ocupação na frente do prédio principal da Polícia Federal. Os amarelos foram deslocados para 30m ladeira abaixo, até às 17h, ainda eram poucos, não mais do que 100 – ficaram no portão lateral e, ali, fincaram bandeiras do Brasil.
Candidatura
O PT quer que Lula, mesmo preso, registre oficialmente a candidatura ao Palácio do Planalto. Terá como vice Haddad. O petista insistirá que só não conseguirá concorrer porque é vítima de um golpe. Ele vai se amparar no fato de que a sentença ainda não transitou em julgado e, assim, tem os direitos políticos mantidos. Tão logo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) negue o registro da candidatura, o que é provável, Lula lançará Haddad como cabeça de chapa. Nessa altura, acredita o ex-presidente, Haddad terá ganhado musculatura eleitoral e terá votos suficientes para ir ao segundo turno com chances de sair vencedor das urnas. “Lula é uma ideia, e não se prende uma ideia”, disse o ex-presidente ontem em São Bernardo do Campo.