Curitiba (PR), 15 - Após 48 horas de refúgio no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, de fazer o "comício" final em ato religioso e negociar o roteiro de sua prisão - estabelecendo algumas condições -, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso pela Operação Lava Jato, permaneceu calado e sério durante o percurso de São Bernardo do Campo (SP) até Curitiba.
O documento de rendição de Lula chegou em um envelope de papel. O ofício foi trazido por um policial federal que voou com o ex-presidente no helicóptero que aterrissou na sede da PF na noite de sábado, 7 de abril. A prisão de Lula foi o desfecho de uma tensa, desgastante e longa negociação entre policiais e emissários petistas iniciada na véspera - ainda no prazo "ofertado" pelo juiz federal Sérgio Moro para Lula se apresentar espontaneamente em Curitiba, o berço da Lava Jato, para início de cumprimento da pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso triplex do Guarujá (SP).
O ato oficial de rendição assinado por Lula, o mandado de prisão n.º 700004720527, data 6 de abril de 2018. Nele consta também o registro de ciência do advogado Cristiano Zanin Martins, defensor do ex-presidente e genro de Roberto Teixeira, amigo de longa data do petista.
O envelope com o documento e o exame de corpo de delito feito ainda na capital paulista foram entregues ao superintendente da PF no Paraná, Maurício Valeixo, logo depois de Lula ser visto pela última vez desembarcando do helicóptero da PF, escoltado por policiais de terno.
Aos 72 anos, o ex-presidente, que ainda buscava disputar mais um mandato no Palácio do Planalto, desceu as escadas do heliponto para desaparecer na porta que dá acesso à "sala de Estado-Maior" preparada para recebê-lo, no quarto andar do prédio - bem abaixo do heliponto.
Valeixo e os delegados Roberval Vicalvi e Igor Romário de Paula, além da equipe operacional da PF, foram os responsáveis por recepcionar e efetivar o recolhimento do petista à sua "cela" especial nas primeiras horas do domingo. Lula planejava receber frequentemente na prisão aliados e correligionários, em especial a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR).
À partir dali, iniciava-se uma nova fase da execução da pena de Lula, condenado por unanimidade em 24 de janeiro pela Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) - a segunda instância da Lava Jato - a 12 anos e 1 mês de reclusão em regime fechado.
Sem uniforme
Na primeira noite, Lula desfez a mala de roupas e acessórios de higiene e pessoais preparada pela família. Levou predominantemente peças de agasalho, roupas íntimas, camisetas - na PF não há uniforme de preso - e as organizou no armário embutido da sala que lhe serve de cela, entre sua cama e a parede do banheiro.
Fechou a porta quando passava da 1h de domingo. Foi chamado às 8h, quando chegou o desjejum dos presos: café preto, pão com manteiga e uma bolacha - nos dias da semana, o café é servido mais cedo, antes das 7h.
Foi no domingo que Lula comeu as primeiras marmitas, as chamadas quentinhas: arroz, feijão, carne, macarrão, chuchu e salada de cenoura. Com garfo e faca de plástico. E um copo de suco de laranja. O ex-presidente não reclamou do cardápio.
Além de banheiro próprio, armário e cama, a cela de Lula tem mesa, cadeira e televisão. As portas e janelas não possuem grades, nem trancas. O local fica isolado da carceragem, o petista passou a maior parte dos dias assistindo TV. O aparelho é até então único "privilégio" concedido pela Justiça.
O ex-presidente levou na mala o livro A Elite do Atraso - da Escravidão à Lava Jato, do sociólogo Jessé Souza. Mas a leitura preferida, no entanto, são a das cartas de militantes enviadas por intermédio do advogado ou encaminhadas diretamente para a Polícia Federal.
Lula passa o dia com a porta fechada e dois policiais fazem a segurança do lado de fora da porta. A limpeza da sala especial não será feita pelo ex-presidente - na carceragem são os presos que limpam as celas, principalmente por questão de segurança. Funcionárias que fazem os serviços no prédio da PF cuidarão do cárcere de Lula.
Título
Depois de ditar os passos de sua rendição e prisão para a PF, Lula sentiu já no domingo os primeiros efeitos do encarceramento. O ex-presidente pôde receber seu advogado Cristiano Zanin e o amigo, ex-deputado petista e também advogado Sigmaringa Seixas para assistir pela TV o primeiro tempo da final do Campeonato Paulista, em que o Corinthians, seu time do coração, venceu o Palmeiras, nos pênaltis. O gol foi comemorado com os advogados e amigos, mas a conquista do título - no caso contra o arquirrival, o que confere valor redobrado - se deu sem comemoração explícita.
Fisicamente as condições da cela especial reservada à Lula são bem distintas da enfrentada pelo antigo companheiro de partido - Antonio Palocci, hoje considerado um "traidor". Também preso na Superintendência da PF, o ex-ministro dorme em um colchão no chão do corredor da carceragem (por opção) sem privilégios.
Na quinta-feira, Lula viu pela primeira vez a família. Três filhos e um neto passaram parte da manhã e da tarde com ele. Além de comida, levaram um cobertor para as frias madrugadas de Curitiba. Anteontem, o ex-presidente foi autorizado a sair da cela para tomar seu primeiro banho de sol. Pela manhã, pôde ouvir o grito de "Bom dia, Lula" dos militantes em vigília no entorno do prédio da PF.
O ex-presidente Lula fez chegar aos seus correligionários a mensagem de que o mais importante não é o lugar onde ele está, mas o acesso a ele. Lula não reclama da condição do espaço físico, mas do que considera um isolamento total a que foi submetido. Os petistas classificam o local como uma "solitária".
Segundo um integrante da cúpula da sigla, Lula considera "inaceitável" não poder receber visitas. Nove governadores e três senadores foram barrados. "Não há possibilidade de um prédio da polícia virar uma espécie de comitê político partidário, isso está descartado", afirmou ao Estado um policial, que pediu à reportagem para não ser identificado. O isolamento político é a maior preocupação de Lula. As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo.
(Ricardo Brandt e Pedro Venceslau)