Jornal Estado de Minas

STF retoma nesta quarta-feira discussão sobre foro privilegiado

Quando os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se reunirem no plenário nesta quarta-feira, terão nas mãos a prerrogativa de decidir como serão investigados, processados e julgados 594 políticos brasileiros: os 513 deputados federais e 81 senadores. Eles retomam na volta do feriado do Dia do Trabalho a discussão sobre o chamado foro privilegiado – oficialmente a prerrogativa de foro por função, prevista no artigo 53 da Constituição Federal. Pela regra atual, os parlamentares só podem ser julgados nos tribunais superiores. Mas falta pouco para a regra cair: dos 11 ministros do STF, oito já votaram pela restrição da regra, ou seja, eles só serão julgados no órgão por crimes ocorridos durante e em função do mandato.

Atualmente, segundo levantamento feito pelo Senado, 54.990 autoridades do país têm o foro privilegiado. Enquanto o Supremo discute o assunto, os senadores aprovaram, no ano passado, o fim do foro por prerrogativa de função por 69 votos a zero. A proposta mantém a regra de foro no STF apenas para os presidentes da República, do próprio Supremo, da Câmara e do Senado. Mas mantém a regra que deputados e senadores não podem ser presos antes da condenação transitada em julgado, com exceção de crime inafiançável ou flagrante delito. Em relação ao presidente da República, para que uma denúncia seja aceita é preciso que dois terços dos deputados autorizem a abertura do processo.
O texto ainda precisa ser aprovado pela Câmara.

Em meio à discussão jurídica, uma pergunta fica no ar. Ser julgado em um tribunal de terceira instância é mesmo um privilégio? Há duas interpretações possíveis. Há quem alegue a importância da paridade de poderes, além de o mecanismo garantir a independência do Judiciário e evitar pressão nos julgamentos, seja dos acusados sobre os juízes, seja do magistrado sobre o réu. Mas há também pontos negativos. “Uma desvantagem para quem está sendo processado no STF é que o foro é único. Se for condenado no Supremo, não há mais recurso. Enquanto se o processo começar na primeira instância, você tem quatro graus de recursos, podendo ainda ser absolvido”, diz o desembargador da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas, Doorgal Andrada.

O magistrado vai além.
Para ele, ao contrário do que muita gente diz, o fim do foro por prerrogativa poderá até mesmo favorecer a impunidade. “Poderão correr casos na Justiça em que o fim do foro privilegiado irá causar uma maior impunidade que a atual, uma vez que a condenação final demorará muito mais, pois terá que percorrer quatro instâncias, quatro julgamentos em tribunais diferentes, e com direito a dezenas de recursos. A mudança da lei em muitos casos será um tiro no pé, a beneficiar o acusado”, argumentou.

CABO FRIO

A discussão sobre o foro privilegiado chegou ao STF em uma ação ajuizada pela Procuradoria-Geral da República contra o prefeito de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, Marcos da Rocha Mendes (MDB), cassado na semana passada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Empossado como suplente do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (MDB-RJ) – também cassado pelos colegas –, Mendes renunciou ao mandato parlamentar para assumir a prefeitura em 1º de janeiro do ano passado. Acusado de compra de votos na primeira campanha à prefeitura, em 2008, desde então o político trocou de cargo algumas vezes – alternando prefeito e deputado – provocando a mudança de foro para julgamento.

O julgamento dessa ação começou há quase um ano – em 31 de maio de 2017 – e foi interrompido em duas ocasiões, por pedido de vista dos ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, o próximo a votar. O relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou a favor da restrição ao foro e foi acompanhado pelos colegas Marco Aurélio, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux, Celso de Mello e Alexandre de Moraes. Faltam os votos de  Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

Além de defender que o foro por prerrogativa a deputados e senadores deve ser aplicado somente aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas, Barroso argumentou que o processo deverá continuar na Suprema Corte se o parlamentar renunciar ou deixar o mandato para assumir um cargo no Executivo após ser intimado para apresentar alegações finais.

Embora a questão já tenha maioria no STF, a decisão só terá validade depois do voto de todos os ministros e a decisão for publicada no Diário do Judiciário.

Regras no Brasil são as mais ‘generosas’

Ao proferir seu voto durante o julgamento de uma ação penal em 1999, o então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Sepúlveda Pertence foi categórico: “Poucos ordenamentos (do mundo) são tão pródigos quanto a vigente Constituição brasileira na outorga da prerrogativa de foro”.
Foi essa também a conclusão de estudo realizado pela Câmara dos Deputados em 2016, quando foram analisadas as regras do foro especial em 16 países das Américas do Norte e Latina e da Europa.

No relatório de 24 páginas, disponível no site da Câmara, o consultor legislativo Newton Tavares Filho ressalta que a lógica para a atribuição de um foro especial é semelhante em todos os países, e tem por base o reconhecimento da relevância de uma função exercida por uma autoridade pública e a atribuição a um órgão hierarquicamente superior para processá-lo e julgá-lo. “Nenhum país estudado, entretanto, previu tantas hipóteses de foro privilegiado como a Constituição brasileira de 1988”, escreveu o consultor.

Nos Estados Unidos, por exemplo, as ações que envolvam embaixadores, outros ministros e cônsules, e aquelas em que se achar envolvido um Estado, têm foro originário perante a Suprema Corte. O impeachment do presidente e vice-presidente da República, assim como de qualquer agente público civil dos EUA, é julgado pelo Senado, mediante admissão da acusação pela Câmara dos Representantes. Mas a legislação não impede que integrantes do Executivo e parlamentares sejam julgados na primeira instância da Justiça.

Ao primeiro-ministro da Alemanha também é dado tratamento comum, enquanto o presidente deve ser julgado pela Corte Constitucional por crime de responsabilidade, mas mediante autorização das Câmaras do Parlamento. Na Inglaterra, o primeiro-ministro também não tem qualquer benefício judicial, podendo ser julgado pela primeira instância. Na Espanha, a Constituição de 1978 delega à Câmara Penal do Tribunal Supremo a instrução e o julgamento das causas contra deputados e senadores e a responsabilidade criminal do presidente e membros do governo.

A Constituição portuguesa prevê que o presidente da República responda perante o Supremo Tribunal de Justiça por crimes praticados no exercício das suas funções, entretanto, por crimes estranhos ao mandato deve ser respondido nos tribunais comuns. Na França, o presidente da República não está sujeito a ação, ato de instrução ou ato persecutório perante nenhuma jurisdição ou autoridade administrativa francesa.

Pode-se dizer que a legislação colombiana é a que mais se aproxima da brasileira no comparativo entre os países pesquisados. No país americano, a Corte Suprema de Justiça é o órgão competente para conhecer e julgar os delitos dos integrantes do Legislativo. É também a única autoridade competente para determinar a detenção dos congressistas, mesmo em caso de flagrante delito. O presidente da República não poderá ser processado ou julgado, a não ser que haja acusação da Câmara de Representantes e autorização pelo Senado.

O estudo mostra ainda que, embora não seja propriamente um foro privilegiado, na Suécia, a Constituição determina imunidade absoluta de foro para o rei e para o regente que eventualmente ocupe o trono.
O mesmo ocorre na Constituição norueguesa de 1814, onde essas pessoas não podem ser processadas e julgadas pelo Judiciário.

EM NÚMEROS


54.990
Autoridades têm prerrogativa de foro no Brasil


527
Ações em tramitação em que o réu tem prerrogativa de foro


1.377 dias
Tempo de tramitação de uma ação penal em 2016


384
Decisões em ações penais entre 2012 e 2016, incluindo sentença e declínio de competência


60%
Índice de ações que retornaram para instâncias inferiores em razão da perda de foro dos réus


Fonte: STF e Senado

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