Brasília – A semana passada foi um divisor de águas na vida do engenheiro Henrique Meirelles. Ele chegou de uma viagem internacional na terça-feira. Na quarta, mergulhou integralmente na pré-campanha para a Presidência da República. E concedeu ao Correio Braziliense/Estado de Minas a primeira entrevista nesta nova fase. Aos 72 anos, Meirelles já fez muita coisa na vida. Trabalhou no BankBoston, do qual se tornou o principal executivo mundial. Depois, foi presidente do Banco Central no governo de Lula, voltou ao setor privado, onde atuou para o grupo J&F. E voltou a Brasília há dois anos para comandar a economia. Ele já fez até campanha eleitoral — foi o deputado mais votado de Goiás em 2002 pelo PSDB, mas teve que renunciar ao cargo quando foi para o BC. Nada se compara, porém, ao próximo desafio, de chegar ao Planalto. Sobretudo quando se leva em conta que apenas 1% dos eleitores ouvidos nas pesquisas dizem que pretendem escolhê-lo. Ele sorri muito mais do que na época em que estava na Fazenda e assevera que é possível vencer. Veja os principais pontos da entrevista.
Qual é o diferencial da sua candidatura?
Uma proposta baseada em realizações concretas e objetivas, desde a recuperação da economia, que ocorreu a partir do segundo semestre de 2016 e se consolidou em 2017 e 2018. Isso envolve controle de inflação, que é fundamental para a economia e também para o padrão de vida das pessoas. Temos a menor inflação desde 1998, e, para as classes mais baixas, a menor da história do país. A velocidade da recuperação é uma discussão muito técnica, porque, na realidade, saímos de uma recessão de -3,5% (de queda do Produto Interno Bruto) e estamos crescendo a 1,17%. Só que esse número é uma média. Se pegarmos, na margem, o último trimestre de 2017 e compararmos com o último trimestre de 2016, o crescimento foi acima de 2% e entramos, neste ano, crescendo a um ritmo mais acelerado.
Mas o desemprego atinge 13,7 milhões de pessoas.
O emprego tem reagido. Existiu um período pior, no começo de 2017, quando chegamos a ter 89,5 milhões de pessoas trabalhando. No fim de 2017, eram 91,5 milhões, um aumento de 2 milhões de postos de trabalho. Em janeiro e fevereiro, houve criação líquida. Os economistas ainda estão analisando março e talvez exista ruído estatístico, com dados do mercado informal, que não são precisos. É preciso levar em conta que o desemprego atingiu o maior patamar da história e não se corrige em passe de mágica algo que levou vários anos para ser destruído. Não há recuperação do dia para a noite.
A explicação técnica é impecável. Mas o que o senhor vai falar para quem ainda não conseguiu emprego?
É muito simples. O emprego que se destruiu em vários anos não se reconstrói rapidamente. O fato é que essa reconstrução está em ritmo forte. Não existe nada melhor, na minha visão, para qualquer argumentação do que os fatos. Mas estamos vivendo ainda as consequências de uma recessão enorme, que foi a maior do país. Vamos colocar assim: Alguém ficou doente, foi para a UTI, teve melhora e saiu do hospital, mas não está correndo ainda na mesma velocidade em que corria. Está um pouco fraco, é verdade, mas houve um avanço extraordinário.
Se o país saiu do hospital, por que o presidente Temer tem rejeição tão alta e não consegue nem sequer circular pelas ruas?
É difícil avaliar a questão de popularidade. Acho que, no devido tempo, o trabalho dele será reconhecido.
Mas dá tempo de ser reconhecido até a eleição?
Não sei. O país já está se recuperando e crescendo, as reformas estão produzindo efeito e o país está se modernizando. Historicamente, no Brasil, os governos são reconhecidos por controle de inflação, não tenha dúvida, e por crescimento. Demora um pouco de tempo para a pessoa absorver, a não ser que haja algo como o Plano Real, quando teve queda brusca da hiperinflação. A percepção foi imediata. Mas isso é raro na história.
O senhor tem de convencer o MDB a aprovar candidatura em uma convenção. O senador Renan Calheiros diz que o senhor é a versão piorada de Temer.
Ele está errado. O MDB tem oportunidade histórica de ter um presidente, na medida em que o partido está dirigindo o país em um momento em que ele sai da maior recessão da história, de uma crise maior que a de 1929. A população vai reconhecer isso no devido tempo. Testes qualitativos mostram com muita clareza que existe uma possibilidade de, com a devida informação, haver mudança muito grande da avaliação dos eleitores. Tenho minha estrutura de pesquisas mais profundas e, no meu caso específico, algumas coisas que são vistas, por alguns, como negativas, são vistas pela população como positivas.
Por exemplo?
O fato de eu não ter um histórico político e ter um bom histórico de serviço público. O fato de ter sido presidente do Banco Central durante os oito anos do governo Lula, de ter controlado a inflação e o PIB do país ter voltado a crescer. O fato de eu ter saído no governo Dilma e o país entrou em recessão e em crise. E, agora, quando eu voltei ao governo com Temer, estamos fazendo o país voltar a crescer e a inflação cai de novo.
Como o senhor vai trabalhar o fato de vários integrantes do MDB envolvidos em escândalos e investigados?
Existem membros de todos os grandes partidos brasileiros sendo acusados. Isso não é uma exclusividade do MDB. Inclusive, o líder do PT está detido. O PSDB tem também acusações extensas.
O senhor também já trabalhou para a JBS. Como vai responder a isso?
Exatamente como tenho respondido. Com serenidade e tranquilidade. Esse assunto já está devidamente esclarecido, já foi investigado suficientemente. Está desaparecendo.
Mas o senhor não teme que isso seja usado contra o senhor?
A maior parte da minha carreira profissional foi no BankBoston, instituição internacional, em que trabalhei por 30 anos. Fui presidente mundial. Essa foi a minha principal carreira. Fui primeiro e último brasileiro numa posição dessas. Fui presidente do Banco Central no governo Lula. Saí, e, depois de cumprir quarentena, fui presidente do conselho do Lazard, um dos maiores bancos internacionais. Além disso, prestei serviço de orientação para a montagem da plataforma digital do Banco Original (da holding J&F), que é, aliás, bem-sucedida. Foi um trabalho essencialmente técnico.
O senhor aceitaria ser vice de outra chapa?
O MDB fez uma pesquisa interna e a maioria dos membros do partido, mais de 60%, optou por ter uma candidatura própria. Caso o presidente decida que não deve concorrer, nessa hipótese, deverei ser o candidato do partido. Não se justifica, portanto, aliança com outros partidos, na medida em que a grande história de sucesso no Brasil hoje é do MDB. Nada impede o PSDB aceitar a candidatura de vice-presidente.
O senhor vai financiar a própria campanha?
A princípio, sim, eu tenho condições para isso. Tenho que analisar os custos da campanha e ver qual a definição dos limites de autofinanciamento. Com tudo definido, vou olhar isso, mas não é um assunto que me preocupa.
O senhor pretende levar o que fez na economia para outros setores? Nas áreas que mais preocupam os brasileiros, como segurança e educação, qual é o seu projeto?
Vamos começar com segurança. Em primeiro lugar, temos que ter um país crescendo, gerando aumento de arrecadação para os estados, que são os responsáveis primários pela segurança no pacto federativo. A crise do Rio tem origem primária no estado de calamidade financeira decretada pelo governo estadual. A recuperação fiscal é fundamental, assim como um plano de integração de polícias e sistemas de planejamento e informação. Depois, temos que ter também todo um projeto de melhora de proteção de policiamento de fronteiras terrestres e aéreas. Em resumo, acho que é um plano nacional, que envolve um país em recuperação econômica. Um país com a União e os estados quebrados não enfrenta os problemas nas áreas de segurança e de educação, nem de saúde.
E educação?
A questão da educação é principalmente para quem cursa o ensino médio: Houve aumento grande de estudantes na escola e no número médio de anos de cada estudante nas escolas, mas a qualidade caiu. E isso foi resultado de uma abordagem ideológica dos governos anteriores, de não priorizar o desempenho. A busca do desempenho é o próximo passo na educação. Para isso, a reforma do ensino médio é fundamental. Tem que mudar a estrutura, remuneração, treinamento, e focar o desempenho. Já tive a oportunidade de ir para a Coreia do Sul para estudar esse assunto. É um exemplo claríssimo para o Brasil. O segredo do crescimento de longo prazo foi a educação.
Precisa de mais verba para a educação?
Também, mas de olho na qualidade e com foco na meritocracia. Sou a favor da escola sem partido. O estudante tem que ter provas que vão aumentando a exigência ao correr do tempo, com todo um processo voltado para o desempenho. O estudante estará melhor se ele aprender, e não, simplesmente, se passar de ano.
E temas polêmicos como liberação de aborto e união homoafetiva?
Tenho posição liberal, em geral, nos costumes, preservando os valores da família. Acredito na liberdade individual das pessoas, preservando, no entanto, os valores das diversas religiões. Respeito o direito daquelas religiões que são contra o aborto e o casamento de homossexuais. Por outro lado, sou liberal e acredito na liberação de costumes. O Estado não deve intervir.
O senhor tem uma trajetória bem-sucedida. Por que a Presidência da República agora? É um desejo antigo?
É uma evolução natural e é uma manifestação que comecei a ver em um grande número de pessoas. É normal eu ir, nos mais diversos eventos no Brasil e no exterior, e as pessoas me procurarem dizendo: “Precisamos de um homem como o senhor”, exatamente por toda a minha característica e trajetória. Nos testes qualitativos que fizemos, uma das perguntas é: “Quais são as características que você acha que deve ter o próximo presidente da República?”. “Competência, seriedade, experiência e honestidade” são as quatro características que as pessoas apontam no país inteiro. Depois de contar minha história, mostrar vídeos e publicações, essas pessoas atribuem essas características a Henrique Meirelles.