Paris, 3 de maio de 1968. Estudantes protestam em frente a Sorbonne contra a implementação de reformas no sistema educacional francês. A polícia é chamada pela reitoria e os confrontos tomam as ruas do bairro Quartier Latin, em torno da universidade. Seria um dos primeiros episódios de um mês turbulento na França. Na semana seguinte, cerca de 50 mil estudantes, apoiados por trabalhadores, foram às ruas da capital francesa protestar contra a violência policial e reivindicar melhorias na educação e nas condições de trabalho. No fim do mês – que entraria para a história como um dos mais agitados na história da França – cerca de 9 milhões de operários entravam em greve. Belo Horizonte, 3 de maio de 1968. Alunos da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ocupam o prédio da instituição na Rua Curitiba, no Centro da capital. Em protesto pela prisão de colegas que foram considerados subversivos pelo regime militar. Durante as manifestações do Dia do Trabalhador (1º de maio) daquele ano, 15 estudantes foram presos. No dia seguinte, alunos do curso de Medicina da UFMG e da Universidade Católica (PUC) também saem para protestar contra prisões arbitrárias e entram em confronto com militares na Avenida Alfredo Balena.
Apesar de várias coincidências, os episódios que ocorreram quase simultaneamente em BH e Paris durante maio de 1968 tinham motivações e dimensões diferentes. Enquanto a briga dos franceses começou contra cortes de verbas para escolas e alcançou pautas estruturais e de caráter filosófico, em defesa de uma sociedade menos conservadora, no Brasil a população começava a perceber que os militares que chegaram ao Palácio do Planalto com o golpe de 1964 não devolveriam o poder para a sociedade civil rapidamente.
No aniversário de 50 anos do “maio de 68”, data que se tornou uma expressão por todo o mundo, o Estado de Minas ouviu o relato de personagens mineiros que foram às ruas da capital mineira naqueles dias tão turbulentos.
Mudar o mundo “O mundo inteiro vivia um momento de ebulição. Parecia que tudo era possível e que poderíamos mudar o mundo. A China passava por uma revolução cultural. A luta por direitos civis ganhava os Estados Unidos. Os estudantes e operários franceses levantavam barricadas em defesa de seus direitos. Aqui em BH nós estudantes acompanhávamos tudo isso. E por aqui tínhamos nossos problemas para resolver. A ditadura se mostrava um regime cada vez mais radical e autoritário. As pessoas perceberam que seria preciso lutar contra ela e os estudantes mineiros foram às ruas”, conta Apolo Heringer Lisboa, médico e ambientalista.
Apolo passou maio de 1968 atrás das grades. Ele havia sido preso no mês anterior, segundo os militares, por participar de grupos subversivos que eram contrários ao regime. “Eu era o coordenador do Colina (Comando de Libertação Nacional). Em 1968, os jornais e vários grupos da sociedade já haviam percebido que os militares tinham intenção de ficar por muito tempo. A ideia de que o país voltaria ao regime democrático com eleições em 1965 ou 1966 já tinha acabado”, lembra Apolo.
Segundo Apolo, a rádio BBC de Londres, que retransmitia notícias em português e espanhol, e outras rádios internacionais eram as preferidas dos estudantes mineiros para acompanhar o que se passava em outros países. “Sabíamos de tudo que acontecia no mundo. Acompanhávamos com grande empolgação e conversávamos muito sobre o contexto global. No início de 68, até mesmo na prisão, a repressão não tinha atingido os piores níveis. Os advogados tinham suas prerrogativas e as pessoas buscavam seus direitos. Com o AI-5 (Ato Institucional) os direitos foram todos abolidos e o regime endureceu ainda mais”, diz Apolo.
Greve operária em Contagem
Na história de Minas Gerais, a manifestação mais conhecida de 1968 aconteceu em abril – um mês antes de os operários franceses pararem em Paris. Cerca de 1,2 mil trabalhadores da siderúrgica Belgo-Mineira, em Contagem, cruzaram os braços no início de abril por maior reajuste salarial. Foi a primeira greve desde o início da ditadura. Nos dias seguintes outras fábricas pararam (Mannesmann, RCA e SBE) e a greve ganhou repercussão nacional.
O então ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, teve que negociar pessoalmente com os grevistas e ameaçou usar a força policial para reprimir o movimento. Em 24 de abril, 1,5 mil policiais militares tomaram a região industrial e prenderam líderes operários. Em meio às insatisfações crescentes que se espalhavam em outras cidades, o governo federal capitulou e anunciou um aumento de 10% nos salários de todos os trabalhadores do país.
“A grande novidade daquele período foi a greve operária. Em maio de 68 nós vínhamos de um grande movimento dos operários na cidade industrial. O governo teve que atender a reivindicação de aumentar o salário dos trabalhadores e a repercussão era enorme”, conta Nilmário Miranda, estudante da UFMG na época. “Fui preso na madrugada do dia 30 de abril quando estava voltando a pé do Barreiro. Acharam um boletim mimeografado que foi distribuído na porta das fábricas e que propunha a criação de um partido operário. Fiquei 32 dias presos e no ano seguinte foi condenado a três anos de reclusão e perda dos direitos políticos por cinco anos”, lembra.
Nos porões do DOPS da avenida Afonso Pena, Nilmário acompanhava atentamente os movimentos estudantis que aconteciam na capital mineira. “Me lembro que várias lideranças estudantis foram presas e levadas para lá. Ficávamos sabendo das novidades por meio dos novos presos que chegavam todos os dias e dos advogados, que ainda tinham direitos de defensores e familiares que ainda podiam nos visitar. O Brasil vivia uma comoção muito grande com o assassinato em março do Edson Luis, no Rio de Janeiro, e as notícias internacionais, que contribuíam para um sentimento de reivindicação por direitos e liberdade cada vez mais forte”, diz Nilmário.