Brasília e São Paulo, 21 - As prisões temporárias cumpridas pela Polícia Federal cresceram 31,75% nos primeiros quatro meses de 2018 em relação ao mesmo período do ano anterior. A alta ocorre após decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que, em dezembro, proibiu a condução coercitiva de investigados para interrogatório em todo o País.
De janeiro a abril, foram cumpridas 195 prisões temporárias, ante 148 nos primeiros quatro meses de 2017. As superintendências da Polícia Federal em São Paulo, Tocantins e Paraná lideram as estatística de mandados. A unidade da PF em São Paulo responde por 20% do total das temporárias cumpridas no período. Já a Operação Curupira, que investiga pesca e venda ilegal de peixes no Tocantins, foi a que mais prendeu temporariamente (21 pessoas).
Os dados foram obtidos pelo jornal
O Estado de S. Paulo
por meio da Lei de Acesso à Informação e englobam todos os mandados cumpridos no País de 1.º de janeiro de 2013 a 30 de abril de 2018. Conforme o
Estado
mostrou em julho do ano passado, o número de conduções coercitivas cresceu mais de 300% após o início da Operação Lava Jato.
Em dezembro, Gilmar atendeu aos pedidos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do PT, autores de duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental. Em sua decisão, o ministro afirmou que o uso de conduções para interrogatório "afronta a Constituição" ao impor restrições à liberdade de ir e vir e à presunção de inocência.
"As conduções coercitivas para interrogatório têm se disseminado, especialmente no curso da investigação criminal.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recorreu da decisão e pediu o restabelecimento das coercitivas. As arguições serão analisadas pelo plenário da Corte no dia 30.
Prevista na Lei 7.960 de 1989, a prisão temporária tem prazo de duração de cinco dias, prorrogáveis por mais cinco. Costuma ser utilizada para que os investigadores coletem provas para, depois, pedirem a prisão preventiva do suspeito. Já a condução coercitiva é considerada por magistrados uma "construção jurídica", não expressa em lei da maneira como é realizada.
O artigo 260 do Código de Processo Penal determina que, se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. Na prática, o procedimento costuma ser usado para dar efetividade à atuação da PF e do Ministério Público durante operações.
Lula
A discussão sobre a condução coercitiva ganhou força após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Lava Jato, ser levado, em março de 2016, para depor na 24.ª fase da operação. Para a defesa, houve "abuso".
Com a decisão de Gilmar, a PF usou, neste ano, a prisão temporária para ouvir o advogado José Yunes e o coronel da reserva da Polícia Militar João Batista Lima Filho, que havia pedido várias vezes o adiamento de seu depoimento. Amigos do presidente Michel Temer, ambos são alvo de inquérito relativo ao Decreto dos Portos.
Questionado, Gilmar afirmou que eventual substituição das coercitivas por prisões temporárias pode indicar "abuso". "Se estiver ocorrendo isso, é fruto de abuso. Tem de ser verificado", disse o ministro do Supremo. "Os próprios órgãos correcionais têm de fazer uma verificação. Se estão pedindo indevidamente e se os juízes estão deferindo indevidamente."
A PF informou que não se manifestaria sobre o tema.
Efeito esperado
Na avaliação do delegado federal Edvandir Felix de Paiva, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), o aumento dos mandados de prisão temporária era esperado. "Era um efeito que a gente já tinha previsto quando houve a decisão (de Gilmar Mendes). Respeitamos o voto do ministro, mas a condução é um instrumento importante de investigação."
Para o advogado Celso Vilardi, a prisão temporária não pode substituir a condução coercitiva. "Eu tinha essa sensação de que aumentou e acho absolutamente lamentável.
O professor de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) Francisco Bernardes Jr. disse ver "abuso" em eventual substituição das conduções coercitivas por prisões temporárias. "Não é porque é temporária e com prazo determinado que podemos banalizá-la e utilizá-la para toda e qualquer investigação. Prisão só deve ser uma opção quando houver absoluta necessidade dela", afirmou o professor. As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo.
(Teo Cury e Ana Neira).